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domingo, 28 de fevereiro de 2016

"TÁ LIGADO?!"

"Tá ligado, irmão!" Esta expressão virou "chavão" da liderança e fiéis de uma determinada denominação. A expressão é um tipo de "amém", que significa concordância com o outro, tendo como base o versículo 19 do capítulo 16 do Evangelho de Mateus, quando Jesus diz para Pedro : "Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus". Mas, afinal, o que Ele está querendo dizer? Qual o significado disso? Foi algo dito especificamente para o futuro apóstolo, dentro de um contexto ou é profeticamente estendido a todos os crentes?

Essa frase aparece em dois textos bíblicos diferentes, que são Mateus 16:19 e também Mateus 18:18, que diz: "Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado nos céus". Para uma compreensão correta dessa expressão, faz-se necessário analisarmos cada contexto. 

Existem pelo menos duas interpretações a respeito dessa frase dita por Jesus. Essas interpretações diferentes se devem a cada contexto em que a frase foi dita. Vejamos mais a fundo a questão:

O que significa "tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus"?


(1) A primeira interpretação se apoia na passagem de Mateus 16:19. Ali, Jesus se reúne com Seus apóstolos e pergunta a eles o que o povo dizia a respeito dEle (Mt 18: 13). Após ouvir atentamente a resposta dos discípulos e questionar quem eles achavam que Ele era, Jesus tem uma resposta do apóstolo Pedro, que diz crer que Ele era o Cristo prometido - o Messias, o Ungido de Deus descrito pelos profetas (Mt 18: 16).

Após essa confissão de Pedro, Jesus diz que daria a Pedro (como líder dos apóstolos) a chave do reino dos céus, e após isso diz a frase do "ligar" e "desligar" na terra e no céu. Dentro desse contexto essa frase significaria a responsabilidade dada por Jesus aos seus apóstolos e, consequentemente, aos Seus discípulos a respeito da obra de Deus a ser realizada.

Nesse sentido, os apóstolos tinham o poder de abrir o reino de Deus (ligar, no contexto da salvação) para aqueles que compartilhavam a confissão de Pedro de que Jesus era o Salvador e, ao mesmo tempo, de fechar (desligar, no contexto da perdição) para aqueles que não criam naquela verdade.

(2) A segunda interpretação é mais focada no texto de Mateus 18:18. Ali, Jesus orienta como se deve tratar desentendimentos entre irmãos na fé. Jesus inicia incentivando que houvesse uma conciliação pessoal entre os dois que se desentenderam (Mt 18:15). Mas caso não desse resultado, a pessoa deveria chamar duas ou três pessoas para testemunhar o esforço de reconciliação (Mt 18: 16). Se ainda assim houvesse coração duro por parte da pessoa, a igreja deveria ser comunicada e, se ainda assim, não houvesse uma sinalização para a solução do caso, a igreja deveria excluir aquela pessoa da adoração comunitária, ou seja, aplicar a ela uma disciplina.

Dentro desse contexto, a frase de "ligar" e "desligar" no céu e na terra significaria que a igreja representada por sua liderança tem autonomia de aplicar disciplinas, condenando (desligando) e absolvendo (ligando) aqueles que não andam de acordo com a vontade de Deus (aqui, em ambos os casos, no contexto disciplinar doutrinário e não no que tange à salvação).

O apóstolo Paulo "ligando" e "desligando"


Um exemplo desse tipo de aplicação de disciplina foi aplicada pelo apóstolo Paulo e encontra-se em 1 Timóteo 1:20: "E dentre esses se contam Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para serem castigados, a fim de não mais blasfemarem" (grifos meus). O objetivo dessa disciplina é ao mesmo tempo buscar a restauração da pessoa e também proteger a igreja de pessoas que andam contrariamente a vontade do Senhor e não aceitam qualquer mudança em suas vidas, sendo contumazes em seus erros. 

Há ainda um outro exemplo também usado por Paulo. Em 1 Coríntios 5:1-13, o apóstolo Paulo pede que a congregação de Corinto expulse de seu meio um pecador manifesto e impenitente e recomenda que ele seja entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no dia de Senhor. 

A primeira ideia que se tem é que o corpo do pecador morra nas mãos de Satanás para que a sua alma seja salva. Mas não é isso, pois não pode haver salvação da alma, sem que o corpo também seja salvo. Ou, como seria na ressurreição? Sua alma estaria no céu, e o corpo no inferno? Não pode haver salvação para quem morre nas mãos do diabo. Por isso, não é a morte do corpo do pecador que está sendo desejado com essa expressão, mas de sua carne, ou seja da pecaminosidade que o dominava.

Paulo deseja que esse pecador seja retirado de sob o poder de Cristo para que exerça o seu poder sobre ele e o aflija no corpo, fazendo-o sentir, já nesta vida, um prelúdio do inferno, a fim de que isso o leve ao arrependimento e à vida. Vemos, assim, que esta não é uma disciplina diferente da de Mateus 18. A excepcionalidade do pecado referido no texto de 1 Coríntios levou o apóstolo Paulo à expressão de uma linguagem excepcional que não aparece novamente em nenhum outro texto bíblico. Mas o sentido da disciplina eclesiástica normalmente praticada é preservado por Paulo nesse texto: atingir a salvação do pecador.

Ainda é válido salientar que em nenhum dos dois casos que citei nos exemplos acima seja feita a referência de havia o desejo do arrependimento por parte dos envolvidos. Entretanto, não foi baseando-se na perdição que o apóstolo os sentenciou, antes sim, para que tivessem a chance de serem restaurados.

Conclusão


Dessa forma, creio que fica evidente em qualquer uma das interpretações que Jesus confere a Sua igreja autoridade diante da obra de Deus realizada na terra. Desconsiderar essa autoridade é andar contra a própria vontade de Deus. Quando essa autoridade apostólica é exercida de maneira bíblica não é algo correto ir contra ela, pois representa ir contra o próprio Deus e Sua obra.

Não há nada de errado em usarmos o "tá ligado", mas é imprescindível que tenhamos conhecimentos dos contextos para que não procedamos levianamente com a Palavra, banalizando-a e transformando-a em meros bordões repetidos à revelia. Tá ligado?!


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