Recentemente um trágico acontecimento chamou a atenção do país inteiro. O estudante universitário Humberto Moura Fonseca, de 23 anos, morreu de coma alcoólico na tarde do sábado, 28/2, após participar de uma festa universitária em Bauru, no centro-oeste paulista. O rapaz era mineiro, da cidade de Passos, e estava no 4º ano de engenharia elétrica na Unesp (Universidade Estadual Júlio de Mesquita). Na ocasião, a faculdade lamentou o ocorrido e destacou que a festa ocorreu fora de suas dependências.
Outros seis estudantes da Unesp passaram mal no evento sendo internados em UTIs, em estado grave. Eles participaram da festa "open bar" - tipo de festa onde as bebidas alcoólicas são liberadas - InterReps, em uma chácara da Granja Cecília, promovida por várias repúblicas de estudantes. Com convite, bebidas eram servidas à vontade, incluindo cerveja, cachaça, vodca e energético. De acordo com a mídia local, o evento não tinha alvará nenhum para ocorrer.
Conforme a Polícia Militar, havia incentivo para saber quem eram os maiores bebedores. A divulgação do evento no Facebook previa uma disputa. Fonseca passou mal exatamente depois de participar da competição. Foi socorrido por colegas e já chegou morto ao pronto-socorro. O fato causou comoção geral.
Um país de “bebuns”
Em breve, o Brasil pode ter uma geração de jovens dependentes de bebidas alcoólicas. O alerta é da presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), Ana Cecília Marques. A médica explica que o contato cada vez mais precoce com o álcool e o consumo excessivo estão mudando a realidade da juventude brasileira.
“Hoje temos jovens que já buscam tratamento contra a dependência de álcool aos 18 anos. Antes, isso só acontecia aos 40 anos.
Mudou tudo no entorno do jovem: ele tem a pressão dos amigos para beber, o preço barato do produto, a publicidade, o acesso fácil, a lei que não é cumprida, a influência de familiares e a falta de orientação”, disse a especialista em entrevista ao Jornal Folha Universal.
Dados do Ministério da Saúde mostram que 242 pessoas entre 20 e 29 anos morreram em 2012 vítimas de “transtornos por causa do uso de álcool”.
Ana Cecília destaca que o risco de desenvolver dependência de álcool é bem maior entre pessoas de até 24 anos de idade, pois o cérebro ainda não está totalmente formado nessa fase. “No início, alguns jovens ficam mais relaxados e eufóricos com a bebida. Se esse efeito for bem registrado no cérebro, ele já aciona o momento da segunda dose. Então o jovem toma outra dose e aí o cérebro vai ter o efeito real da bebida, que é anestésico. O álcool é uma droga depressora do sistema nervoso central.”
O álcool pode causar falta de coordenação motora, diminuição dos reflexos, confusão, aumento da confiança, lapsos de memória, vômito, instabilidade emocional e dificuldade para entender o que se passa ao redor. Por isso, muitos usuários se envolvem em situações perigosas, como dirigir alcoolizado, participar de brigas ou ser induzido a fazer sexo. Alguns entram em coma e morrem. O consumo frequente aumenta a tolerância, o que leva os usuários a beber cada vez mais.
Propaganda e consumo
Além da influência de amigos e familiares, a publicidade é outro fator que estimula o consumo de bebidas entre jovens. Isso acontece porque muitas propagandas relacionam bebidas ao sucesso profissional, à beleza, à alegria, à juventude, ao encontro entre amigos, à praia e aos esportes, além de explorar a sexualidade. “Estudos mostram que a influência da publicidade de bebidas é muito maior no público jovem, que ainda não definiu os produtos de que mais gosta.
O jovem experimenta bebidas na passagem da puberdade para a adolescência por curiosidade. E a propaganda ajuda a despertar essa curiosidade”, avalia Ana Cecília Marques, acrescentando que muitas crianças afirmam em pesquisas que vão consumir álcool no futuro.
O advogado Felipe Rudi Parize, autor do artigo Os limites para a publicidade de bebidas alcoólicas à luz do Direito contemporâneo brasileiro, aponta que o principal problema é que a propaganda de bebidas de baixo teor alcoólico – como cervejas e ices – não sofre limitação de horário para exibição no rádio e na televisão. “A Lei Murad (Lei nº 9.294/96) só definiu horário para a publicidade de bebidas com teor alcoólico maior que 13 graus Gay Lussac, ou seja, cervejas e vinhos ficam de fora.
Além dessa lei específica, o País conta com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que apresenta um sistema completo, mas não tem poder de coerção para as empresas que o descumprem”, avalia.
Parize explica que já existe um projeto de lei que pretende incluir as bebidas com graduação alcoólica a partir de 0,5 grau Gay Lussac nas restrições de publicidade, mas a iniciativa enfrenta pressões da indústria cervejeira. “O projeto 2.733/08 está em regime de prioridade de tramitação, há um empenho para que haja alteração.
O problema é que há um lobby muito grande da indústria para que não haja limitação de horário, porque é certo que isso vai gerar impacto no consumo. Um exemplo claro é o cigarro: a lei mais rigorosa estimulou a diminuição do número de fumantes.”
Mais orientação
A presença do álcool em confraternizações, propagandas e dentro dos lares leva muitas pessoas a acreditar que as bebidas não representam perigo à saúde. Por isso, um dos caminhos para evitar problemas está na informação. “Os pais devem ir atrás de novos conhecimentos para orientar seus filhos e falar sobre limites.
Precisamos de uma política que envolva famílias, pediatras, escolas, universidades e o sistema de saúde. Se os pais ficarem afastados do assunto, o problema pode aparecer dentro de casa”, diz a médica Ana Cecília Marques.
Outro passo importante começa com a autoavaliação sobre os próprios hábitos. Se a busca do equilíbrio está presente em temas como alimentação, trabalho, família e lazer, o mesmo deveria ser aplicado ao consumo de bebidas alcoólicas.
Antes de ingerir mais uma dose, vale lembrar que tudo que é em excesso faz mal e pode até matar. E com o álcool não é diferente.
Nas fileiras acadêmicas
A tragédia ocorrida na Unesp alerta para a necessidade de combate à cultura de uso abusivo de álcool entre universitários. O hábito é comum entre estudantes universitários e acontece mais entre alunos que moram em república. Um levantamento nacional sobre consumo de drogas realizado em 2010 mostrou que 19% dos universitários fazem uso frequente de bebidas alcoólicas, 44% disseram ter bebido para ficar bêbado no mês anterior à pesquisa e 48,7% já experimentaram drogas ilícitas – o dobro da taxa da população brasileira.
"O álcool é a principal droga da universidade e dentro da universidade há menos abstinência que na população", indica Florence Kerr-Corrêa, professora do departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Unesp Botucatu. Segundo ela, nas repúblicas o consumo médio de álcool é maior por pressão social. "Tem repúblicas com tradição de beber muito. Repúblicas em que não se pode ser abstêmio, o estudante que não bebe não pode fazer parte", diz.
As características dos estudantes que apresentaram associação estatisticamente significante com o maior consumo semanal de bebidas alcoólicas foram: ser do sexo masculino, morar na residência universitária e apresentar expectativas positivas quanto aos efeitos do álcool. Os pesquisadores concluíram que as ações preventivas com os estudantes devem ser iniciadas tão logo estes ingressem na universidade. As residências universitárias devem alterar suas políticas com relação ao consumo de bebidas alcoólicas de modo a dificultar seu consumo pelos novos estudantes.
[Com informações via Jornal Folha Universal. Fonte: Último Segundo e CISA - Centro de Informação de Saúde e Álcool]
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