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quinta-feira, 2 de abril de 2015

EFEITO VÔMITO

O estudo apologético, em sua cronologia de acontecimentos acerca do futuro da Igreja, nos chama a atenção as sete cartas de Jesus, o Senhor da Igreja, enviadas a elas (Apocalipse, capítulos 2 e 3). Dessas sete cartas, a enviada à igreja em Laodiceia nos chama atenção pela similaridade com o contexto espiritual da Igreja contemporânea.


Contexto histórico


Historicamente, a cidade de Laodiceia se localizava a Sudeste de Filadélfia, nas proximidades de Colossos. Era uma velha cidade da Frígia, que originalmente se chamava Dióspolis e depois Rheos. Só mais tarde recebeu o nome de Laodiceia, em honra a Laodice, a maquiavélica mulher do rei sírio Antíoco II. Era uma cidade extremamente rica e famosa, por ser um centro comercial e bancário.

Possuía uma fabulosa reserva financeira, além de uma notável indústria de lã negra, o manufaturamento de vestimentas comuns e caras, tapetes de lã e uma escola de Medicina, onde era produzido um remédio eficaz para o tratamento de doenças oculares. Essas atividades, e a riqueza material delas advindas será utilizada por Jesus como metáfora para descrever a real condição espiritual da igreja em Laodiceia.

Podemos observar nestas características de Laodiceia que há uma independência em se tratando da sua fé cristã. A sua riqueza era tão expressiva, que a fé em Deus ficava em segundo plano. Era como algo ligado apenas a uma tradição. Daí a razão pela qual confessa a sua riqueza e independência, dizendo: "... Estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma..." Apocalipse 3:17

No ano 62 da Era Cristã, a cidade de Laodiceia, juntamente com Hierápolis e Colossos, foi destruída por um grande terremoto. Devido à sua grande riqueza, no entanto, pôde ser reconstruída. A sua reconstrução foi tão rápida e completa, que ao tempo em que o apóstolo João recebeu a revelação do Apocalipse na Ilha de Patmos, aproximadamente no ano 85 d.C., essa terrível catástrofe já havia sido esquecida.

No ano de 1402, novamente Laodiceia foi destruída, mas dessa vez pelos exércitos de Timur-Lenk, conquistador mongol. Hoje, encontram-se no seu lugar somente ruínas, chamadas de Eski-Hisar, que significa "castelo antigo". Essas ruínas são nada mais que testemunhas melancólicas da glória terrena passada. Espiritualmente, a cidade de Laodiceia nos faz lembrar as metrópoles dos países do chamado Primeiro Mundo, onde a riqueza das indústrias, do comércio e do setor de prestação de serviços se concentra nos grandes bancos.

Isso lhes tem feito opulentas e orgulhosas, em contraste com as demais cidades do chamado Terceiro Mundo, onde a miséria e a fome fazem exalar o cheiro da corrupção e das injustiças sociais.

As águas mornas


Uma característica bem peculiar da cidade, que será também citada metaforicamente por Jesus, era a qualidade de sua água. A cidade era abastecida pela água que vinha de Heliópolis, que ficava a uma distância de aproximadamente dez quilômetros, que chegava em Laodiceia morna e saturada com carbonato de cálcio, onde bebida naquelas condições induzia ao vômito. 

O templo para o culto ao imperador ocupava um lugar central na cidade. Assim como no caso de Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes e Filadélfia, o Evangelho pode ter chegado em Laodiceia através da obra missionária de Paulo (At 19:10), mas não devemos descartar a hipótese de que testemunhas e convertidos no dia de Pentecostes poderiam ter sido os primeiros a levar o Evangelho para aquela região (At 2:5-11).

Contexto espiritual


"Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca (Ap 3:15,16)."

A condição espiritual da igreja em Laodiceia se assemelhava com a mornidão da água da cidade. Laodiceia vivia um modelo de cristianismo tão apático, que as suas obras não eram sequer dignas de serem mencionadas. Pregação, ensino, evangelização, discipulado e outras realizações parece que não faziam parte da agenda da igreja em Laodiceia. 

É nesse ponto que encontramos na carta o primeiro sinal da manifestação da graça de Jesus operando em favor dos crentes laodicenses. Ele declara: “[...] estou a ponto de vomitar-te da minha boca”. O tempo verbal no grego implica uma ação ainda não executada, ou seja, apesar da condição da igreja, a graça de Jesus estava dando aos crentes em Laodiceia tempo para se arrependerem após a leitura da carta. Muitas igrejas locais ao longo da história já foram vomitadas pelo Senhor, por desprezarem ou abusarem da graça, que sempre precede o juízo de Deus.

"[...] pois dizes: Estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu." (Ap 3:17)

Os comentaristas estão divididos se a declaração de Jesus aqui diz respeito a um sentimento de autossuficiência espiritual ou material da igreja em Laodiceia. Na realidade, os dois tipos de sentimento são perniciosos. Qualquer denominação evangélica, precisa estar alerta para esse tipo de postura.

Nenhuma igreja pode se vangloriar do poder do Espírito e dos dons que nela opera, do capital teológico e cultural que possui, de sua riqueza musical, nem de qualquer outra riqueza espiritual. O que temos e somos, temos e somos pela graça de Jesus.

E o que falar das coisas materiais? Mas uma vez temos aqui um alerta contra os perigos das ideias fomentadas pela Teologia da Prosperidade e da Vitória Financeira. Ser rico não é pecado (nem ser pobre também), mas implica em muitos perigos:

Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores. 

"[...] Exorta aos ricos do presente século que não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento; que pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir; que acumulem para si mesmos tesouros, sólido fundamento para o futuro, a fim de se apoderarem da verdadeira vida." (1 Tm 6:9, 10, 17-19)

Similaridades contextuais


A prosperidade espiritual, ministerial, financeira e material, quando graciosamente, e não adquirida através de barganhas, não deve alimentar nossas loucas concupiscências, nem fortalecer nenhum sentimento de orgulho e autossuficiência. A igreja em Laodiceia não apenas vivenciava, mas também verbalizava a sua aparentemente rica, mas na realidade infeliz, pobre e miserável condição.

A igreja em Laodiceia foi vitimada também pelo autoengano, tendo uma visão equivocada de si mesma. A igreja em Laodiceia estava cega ao ponto de não perceber a sua nudez espiritual. Uma coisa é aquilo que pensamos de nós mesmos, e outra é o que Deus pensa e diz sobre nós. Precisamos nos ver como Deus nos vê. Precisamos nos perceber como Deus nos percebe. Foi percebendo tal necessidade, e se achando incapaz de ter uma visão real de sua própria condição, que o salmista orou ao Senhor:

"Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno. (Sm 139:23-24)"

Oremos ao Senhor, para que Ele comunique à nossa consciência o nosso real estado espiritual, para que assim possamos ser poupados do vômito divino.

"Aconselho-te que de mim compres ouro refinado pelo fogo para te enriqueceres, vestiduras brancas para te vestires, a fim de que não seja manifesta a vergonha da tua nudez, e colírio para ungires os olhos, a fim de que vejas (Ap 3:18)."

Mais uma vez temos aqui a graça de Jesus agindo em favor da igreja. O texto se equipara ao que encontramos em Isaías 55:1: 

"Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite."

Como podemos comprar alguma coisa do Senhor? Somente através da graça é possível obter dele ouro refinado, vestiduras brancas e colírio. A fala de Jesus assume o tom de um amável conselho.

"Eu repreendo e disciplino a quantos amo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te (Ap 3:19)."

O amor de Jesus não implica numa tolerância conivente. Quando se faz necessário ele nos disciplina, e faz isso ainda em amor (Hb 12:5-11). Os crentes em Laodiceia tinham abandonado o zelo pelas coisas do Senhor. O termo grego zelos em sentido figurado positivo (Jo 2:17; Rm 10:2; 1 Co 14:1; 2 Co 7:7,11; 11:2; Cl 4:13) implica em ardor, cuidado, fervor, características que deveriam ser buscadas pela igreja.

A necessidade de arrependimento é aqui também declarada. O arrependimento que possibilita novamente o perdão e aceitação de Deus é mais do que simples verbalização de frases prontas e impressionistas. O termo grego para “arrependimento” é metanoeo, que implica em mudança de pensamento ou mentalidade que resulta em mudança de sentimentos e atitudes. É uma mudança plena de uma condição que desagrada a Deus, para outra condição que o alegra. Arrependimento é tristeza diante do pecado, e não simples remorso (2 Co 7:10).

"Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo (Ap 3:20)."

Que imagem forte. O Senhor da igreja, que pela altivez e orgulho dos crentes fora dela excluído, graciosamente e pacientemente bate à sua porta buscando oportunidade de cear, comungar e celebrar. Em congregações, lares e vidas, o quadro se repete na atualidade.

Que o alerta e a promessa de Jesus aos crentes laodicenses possa reverberar e encontrar guarida em vidas autossuficientes, apáticas, indolentes e mornas:

"Ao vencedor, dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono, assim como também eu venci e me sentei com meu Pai no seu trono. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas (Ap 3:21-22)."


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