É preocupante o quanto a sociedade brasileira tem enorme facilidade em se esquecer dos fatos e tragédias, por mais marcantes que elas sejam. Casos que tomam repercusão midiática nacional e outros até mesmo internacional, logo caem no esquecimento da maioria de nós ou são substituídos por outros casos chocantes, dada a rapidez que os mesmos acontecem.
Em mais um capítulo da minha série especial de artigos Eu Não Me Esqueci, vou relembrar esse caso um tanto quanto recente, mas que já não é mais repercutido pela grande mídia/imprensa, ainda que tenha gerado uma grande comoção em nível nacional e atraído a atenção de órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU).
Em mais um capítulo da minha série especial de artigos Eu Não Me Esqueci, vou relembrar esse caso um tanto quanto recente, mas que já não é mais repercutido pela grande mídia/imprensa, ainda que tenha gerado uma grande comoção em nível nacional e atraído a atenção de órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU).
Relembre o caso
Câmera de segurança registra as últimas imagens dos garotos com vida
Há cinco anos, Lucas Matheus (8 anos), o primo dele, Alexandre da Silva (10 anos) e Fernando Henrique (11 anos) não retornaram depois que saíram de casa no domingo, dia 27 de dezembro de 2020, por volta das 10h30, para brincar no campo de futebol ao lado do condomínio onde moravam, no bairro Castelar, Belford Roxo, RJ.
Meses após o sumiço dos três garotos, uma ossada foi encontrada durante as buscas da polícia, mas a análise do Instituto Médico Legal (IML) concluiu que os restos mortais encontrados não eram das crianças e sim "vértebras caudais de animais". As buscas permaneceram, enquanto familiares aguardavam respostas.
Com intensa repercusão por parte da imprensa à época, o caso casou enorme comoção nacional e chamou a atenção da sociedade pela falta de informações e demora no avanço das buscas.
Em meio a informações desencontradas, ilações e hipóteses pouco frutíferas, existia um ruído constante que se relacionava com a presença da polícia no território e as dificuldades para realização das investigações em áreas controladas pelo tráfico de drogas.
Alguns indícios, de fato apontavam para esse entrave. A família, portanto, só recorreu nà polícia somente no dia seguinte ao desaparecimento. A polícia, então, começa a ouvir as testemunhas somente uma semana depois.
Com intensa repercusão por parte da imprensa à época, o caso casou enorme comoção nacional e chamou a atenção da sociedade pela falta de informações e demora no avanço das buscas.
Em meio a informações desencontradas, ilações e hipóteses pouco frutíferas, existia um ruído constante que se relacionava com a presença da polícia no território e as dificuldades para realização das investigações em áreas controladas pelo tráfico de drogas.
Alguns indícios, de fato apontavam para esse entrave. A família, portanto, só recorreu nà polícia somente no dia seguinte ao desaparecimento. A polícia, então, começa a ouvir as testemunhas somente uma semana depois.
Apenas em março do ano seguinte, foi que o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) apresentaria a imagem de uma câmera de segurança, na qual os meninos andavam pela calçada de uma rua em um bairro vizinho, registrada no dia do desaparecimento.
Outras hipóteses começaram a ser ventiladas, como a possibilidade de os meninos terem sido vítima de tráfico humano, para retirada de órgãos, porém, nada disso nunca foi levado à sério e as investigações quanto ao que podia ter acontecido Lucas, Alexandre e Fernando continuaram.
Perguntas sem resposta
Entenda as conclusões da polícia sobre o caso
A demora na resolução do caso pela polícia levou moradores e familiares a realizarem protestos cobrando respostas.
Meses depois, o caso ainda tem muitas perguntas sem respostas. Nos dias seguintes, familiares receberam uma série de pistas falsas sobre o sumiço — sem que nenhuma informação tinha levado ao paradeiro dos garotos.
Uma das dicas relatava que as crianças foram vistas comprando comida para passarinhos na Feira de Areia Branca, em uma praça de Belford Roxo. Essa informação serviu de pista para que a polícia, enfim, descobrisse o que de fato teria acontecido com os menores. É o que veremos na sequência.
O que se sabe oficialmente
Capturados por traficantes por causa de um suposto roubo de passarinhos, os três meninos de Belford Roxo passaram por uma sessão de tortura tão violenta que um deles morreu em decorrência da surra, segundo a polícia. Os outros dois acabaram executados por isso, tendo os corpos desovados em um rio da região.
Assim, a polícia fez uma operação no Castelar a fim de encerrar o inquérito da morte dos garotos Lucas Matheus, Alexandre da Silva e Fernando Henrique.
A ação visava a cumprir 56 mandados de prisão, sendo que, de acordo com as pesquisas que fiz sobre o caso, 31 foram cumpridos sendo que houve ainda duas prisões em flagrante. Veja a dinânimica à época dos fatos:
- A polícia indiciou cinco pessoas por participação nas mortes das crianças. Um sexto respondia em liberdade apenas por ocultação de cadáver:
- Edgar Alves de Andrade, o Doca, uma das lideranças do Comando Vermelho, foragido;
- Ana Paula da Rosa Costa, a Tia Paula, gerente de logística do Castelar, morta;
- Willer Castro da Silva, o Stala, gerente do tráfico do Castelar, morto;
- José Carlos Prazeres da Silva, o Piranha, chefe do tráfico do Castelar, morto;
- Uma quinta pessoa, presa, cujo nome não foi divulgado.
"Essa facção é a mesma que já torturou e matou jornalista, matou uma jovem menina e cortou ela porque não queria namorar um traficante, que matou um menino na Nova Holanda, que incentiva roubos de automóveis e cargas no Rio de Janeiro",
afirmou Ronaldo Oliveira, que era o subsecretário de Planejamento Operacional da Polícia Civil.
O que se sabe até o momento
Enquanto o caso permanecia longe de solução, esse quadro de morosidade sugeria um problema que vai além das pautas jornalísticas: por quais razões o cuidado com a infância é reduzido no discurso corrente a uma relação de causa e efeito? O que nos leva a tratar o desaparecimento como episódico e, consequentemente, dissociado de um debate sobre políticas públicas de proteção à infância?
Nos casos de desaparecimento de crianças, o assunto costuma se encerrar quando são concluídas suas causas e os efeitos, momento em que a pauta é confinada nas margens dos arquivos policiais e midiáticos.
Todavia, se o que foi comoção ontem está suscetível a se perder como pauta hoje, teríamos uma hipótese que não pode ser explicada apenas pelas dinâmicas do fluxo de produção de notícias.
Em claras palavras, se o caso de desaparecimento de crianças segue o mesmo roteiro de esclarecimento e arquivamento, nossa hipótese é a de que o núcleo gerador de comoção, isto é, as crianças, já ocupavam as margens do visível antes mesmo de desaparecerem.
Significa dizer que a violência perpetrada contra crianças periféricas é episodicamente visível porque essas crianças são habitualmente invisíveis aos olhos públicos.
Assim, como sociedade, ficamos condenados a esse círculo vicioso, no qual a violência contra as crianças assume a forma de "mais um caso" destinado ao arquivamento.
Invisibilidade social
Costumeiramente, observamos acusações de que o Estado é negligente ao não possuir estratégias de desvitimização. Mas ser negligente é o mesmo que ser desatencioso, descuidado e, de fato, não é isso que percebemos.
Existem procedimentos, aparatos legais, instituições e equipamentos burocráticos capazes de garantir os direitos dessas crianças. A palavra "negligente" realiza a crítica do Estado baseada em uma suposta ausência ou omissão, no entanto, sua forma de atuação está mais próxima de uma atuação fantasmagórica: aparece nas ações repressivas e desonera-se nas ações de cuidado e preservação da vida.
É nesse sentido que somente é possível pensar em infâncias invisibilizadas sob a condição de uma invisibilidade proposital, fruto de uma forma de gestão das populações pelo Estado.
Sob esse prisma, podemos considerar que o desaparecimento dos meninos de Belford Roxo não é acontecimento aleatório ou episódico, mas inscrito em um conjunto de políticas voltadas para uma direção bastante específica: a de consentir a morte pela vulnerabilização da vida.
Dessa forma, crianças de periferias tendem a continuar desaparecendo, enquanto o Estado segue desvinculado da responsabilidade direta. Atualmente no Brasil, a EC 95/2016 é um exemplo de política que reflete uma escolha do Estado de não promover a segurança e vida, como é seu papel, visto que os orçamentos de áreas fundamentais como Saúde, Educação, Assistência Social e Segurança Pública estão contingenciados.
Assim, diferentes dimensões da vida seguem precarizadas, contabilizadas nas pautas como "casos" e acumuladas nas margens como destroços de sofrimentos entre os vulnerabilizados.
Conclusão
Quando três crianças desaparecem, suas famílias e a sociedade contam com um recurso indispensável para a solução do problema. A prestação de um serviço público oferecido pelo Estado sob a forma de instituições encarregadas de garantir a segurança é apresentado publicamente pela instauração de um instrumento de apuração da existência de ilegalidades, o inquérito policial.
Além de constatar ilegalidades, o documento possui um caráter processual cujo objetivo é investigar o fato e a procedência de sua autoria. Em termos práticos, o que aconteceu, como aconteceu e quem foi o responsável pelo desaparecimento dos meninos — essas são as principais perguntas que orientam a investigação e que nutrem a esperança de solução. Em tese, trata-se de um procedimento apresentado como universalmente oferecido a todos os cidadãos.
Já na prática, o debate fica por conta da relação presença versus ausência do poder público. De um lado, pensamos nas periferias como territórios abandonados e esquecidos. De outro ponto de vista, a atuação do poder do Estado, inclusive sobre áreas periféricas, poderia ser defendida por aqueles que reconhecem no trabalho de professores, de agentes de saúde, de assistentes sociais e de representantes das forças de segurança pública sua ação efetiva.
Em comum, debate-se a ideia de que o Estado atua de forma insuficiente, condição admitida entre representantes públicos e a sociedade. Como resultado prático, enquanto parte da sociedade não percebe a atuação dos serviços públicos, ou identifica na principal forma de atuação a truculência policial, outra perspectiva justifica sua forma de atuação como determinada pelos limites das condições de trabalho oferecidas.
Assim, diante do desaparecimento das crianças em Belford Roxo, o Estado é cobrado e, ao mesmo tempo, acusado de ser negligente, uma vez que não ofereceu garantias capazes de protege-las. Assume uma postura de reparação, de uma instância que não esteve presente no ocorrido, mas que precisa estar presente no curso de sua investigação.
Até aqui, observamos o caso policial citado a partir da atuação do Estado. No entanto, a inversão do olhar permite considerar a violência contra a infância a partir da margem, lugar onde a visibilidade é parcial, duvidosa e imprecisa. Nesse ponto, reside a dupla condição das infâncias precarizadas: são visíveis de fato e invisíveis de direito.
Os restos mortais de Lucas, Alexandre e Fernando até hoje não foram encontrados. E as nossa vidas seguem seus cursos, mas, certamente, as das famílias desses garotos... Eu não me esqueci, e você?
[Fonte: O Globo; Le Monde Brasil Dipomatique, original por Eduardo Oliveira é doutor em Ciências Sociais e professor; BBC Brasil]
Ao Deus Perfeito Criador, toda glória.
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E nem 1% religioso.

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