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terça-feira, 14 de setembro de 2021

QUAIS OS RUMOS DA MÚSICA GOSPEL NO BRASIL?

Recentemente, um vídeo do pastor e ministro de louvor Fernandinho gerou enorme polêmica ao ser repercutido nas redes sociais. Isso porque Fernandinho faz duras críticas aos cantores gospel que fazem feat (participações, duetos) em gravações de cantores "seculares" e vice-versa (veja o vídeo ➫ aqui).

Em apoio ao desabafo de Fernandinho, veio a pastora Sara Sheeva, filha de dois grandes artistas da MPB, o cantor e guitarrista Pepeu Gomes e a cantora (que também é pastora) Baby do Brasil (veja o vídeo ➫ aqui). Isto porque, obviamente, Fernandinho ganhou muitas críticas — vindas de crentes — por seu posicionamento.

De uma forma bem incisiva, Fernandinho criticou implicitamente a participação de Aline Barros, Bruna Karla e Isadora Pompeu no show do Criança Esperança, programa beneficiente exibido pela Rede Globo, na noite do dia 22 de agosto de 2021.

Paradoxalmente, a participação das cantoras gospel no tal programa causou uma avalanche de críticas — principalmente a de Isadora Pompeo, que cantou com o astro sertanejo Luan Santana, o famoso (e, na minha opinião HORRÍVEL) hit gospel "Ninguém Explica Deus" (veja o vídeo ➫ aqui).

Também recentemente, um pouco antes do vídeo de Fernandinho, outro episódio ganhou as discussões nas mídias digitais. A banda gospel Casa Worship, interprete do hit "A Casa é Sua" (veja aqui o vídeo ➫ aqui) — música que há alguns meses figurou dentre uma das mais tocadas nas igrejas em todo o Brasil —, durante a realização de um culto dominical transmitido ao vivo pelas redes sociais da igreja (veja o vídeo ➫ aqui), cantou o refrão da música "I Gotta Felling" (veja o vídeo com a tradução ➫ aqui e o original ➫ aqui) do grupo norte-americano Black Eyed Peas, mesclando-a com outra conhecida canção gospel, do grupo autraliano Hillsong Worship, "Take It All" (veja o vídeo ➫ aqui) que por aqui também foi regravado por ela, Aline Barros, como uma das faixas do premiado álbum "Caminhos de Milagres" (MK Music, 2007) e ganhou o título de "Tudo é Teu" (veja o vídeo aqui). Polêmica? Para mais de metro!

Pois é, este quiproquó todo me serviu de inspiração para uma análise dos rumos que a música gospel tem tomado aqui no Brasil. Eu costumo dizer que tem música gospel que em sua essência é mais profana do que muitas músicas ditas "do mundo".

São composições onde a exegese bíblica e a contextualidade teológica passou muito longe, em letras fracas, vazias de conteúdo e com mensagens antoprocêntricas, onde o homem e a realização de seus desejos por um deus servil são o principal (e praticamente único) tema.

Isso sem contar aquelas em que erros teológicos e de interpretação bíblica, só para conseguir uma rima, são explícitos, grosseiros e primários. Compostas com o claro objetivo de entreter e/ou emocionar plateias, tais músicas são hits garantidos no mercado gospel e, claro, nos púlpitos de muitas igrejas, onde recebem o rótulo de louvor e adoração.

Conhecendo um pouco da história da música gospel no Brasil


O gospel ultrapassou barreiras e se tornou uma vertente recorrente nas lives de grandes artistas. Segundo dados do Spotify, plataforma musical de streamings, o Brasil teve um crescimento de 44% no número de ouvintes de música gospel. Em 2019, o estilo foi o segundo gênero musical que mais cresceu no país, ficando atrás apenas da música sertaneja.

O crescimento do número de evangélicos no Brasil — que hoje já chega a mais 31% da população, segundo pesquisa do Datafolha — colocou em evidência todo um nicho cultural voltado para o segmento religioso. Assim como o perfil dos fiéis se diversifica, as canções consumidas por esse grupo também passam por mudanças, na tentativa de conquistar novos públicos ou se desprender de antigos rótulos.

Ao longo das últimas décadas, o cenário gospel passou por diferentes transformações. Após a consagração de nomes como Ana Paula Valadão, Aline Barros, Fernanda Brum, Thalles Roberto, André Valadão, dentre outros e também inúmeras bandas e grupos (também chamados de "ministérios") novos ícones musicais vêm caindo no gosto do público mais jovem.

Priscilla Alcântara, ex-apresentadora infantil, representa bem essa modernização. Com milhares de seguidores em suas redes sociais, músicas com tom motivacional (que nem sempre fala diretamente de Deus), amiga de celebridades e visual tatuado, a cantora consegue fazer sucesso entre quem não é necessariamente evangélico também. O vídeo da música "Girassol" (parceria com o humorista e influencer Whindersson Nunes), por exemplo, conta com mais de 12 milhões de visualizações na plataforma de vídeos YouTube (veja ➫ aqui)

O boom gospel


No início do século 20, as comunidades negras dos Estados Unidos, sobretudo as ligadas à Igreja Batista, transformaram os cultos em verdadeiros shows de música gospel — palavra de origem inglesa que significa, em livre tradução, "palavra de Deus", e também denomina o Evangelho nessa língua. O talento dos artistas, no entanto, ficava restrito ao público religioso.

Nos EUA, isso provocou a multiplicação de artistas evangélicos a partir das décadas de 1950 e 1960 — e no Brasil também. Mas foi com o crescimento do evangelismo neopentecostal, a partir dos anos 1980, que o estilo ficou mais solto, mais pop. Daí em diante, os cantores gospel não precisaram mais abandonar o segmento religioso para fazer sucesso. Surgiu um verdadeiro mercado gospel capaz de levar os artistas à fortuna.

No livro "A Explosão Gospel um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil" (Mauad X, 232 páginas, 2007) — excelente: li e recomendo —, a pesquisadora Magali Cunha aponta a banda Rebanhão (escrevi artigos sobre a banda Rebanhão ➫ aqui) como uma das pioneiras do processo de popularização do movimento no Brasil, com com composições iam do baião ao rock progressivo, ao samba-funk e todas falavam de Deus, introduzindo instrumentos como a guitarra elétrica e tambores de percussão (ambos, instrumentos então considerados "do diabo"). 

Uma enorme ousadia para época, que, claro, não foi bem aceita pela ala mais conservadora dos evangélicos. O ex-vocalista, Janires Magalhães, chegou a ser preso por tráfico de drogas e passou por uma casa de reabilitação, onde se converteu ao cristianismo (escrevi artigo sobre ele ➫ aqui).

O cantor morreu num acidente de trânsito aos 35 anos. Mas o legado da Rebanhão não seria esquecido. Em 1986, um casal de evangélicos fundou a Igreja Renascer em Cristo e destinou o espaço à apresentação de bandas sem restrição de gênero musical. 

A iniciativa atraiu principalmente o público jovem, que usava a igreja para desenvolver seus talentos. Esse foi o caso da banda Oficina G3, vencedora do Grammy Latino em 2009. Nessa época, rock e pop tinham má reputação entre os cristãos mais conservadores.

Música ou mercado gospel?


No Brasil, o termo originado de um tipo de canto religioso das comunidades negras dos Estados Unidos é comumente utilizado para denominar qualquer canção com conteúdo cristão.

Sendo assim, a classificação é capaz de abranger os mais variados ritmos existentes, sem configurar como um gênero musical específico.

Com o crescimento do mercado gospel, a Globo criou o festival Promessas em 2011, o maior do gênero. Cassiane, Thalles Roberto e Fernanda Brum foram alguns dos figurões do gospel a marcar presença diande um público de 20 mil pessoas.

A guinada da emissora para os evangélicos não foi um simples ato de boa-fé. Muito antes pelo contrário! Nas últimas duas décadas, a Som Livre, gravadora da Globo, tem contratado grandes artistas gospel, como a banda Diante do Trono e a cantora Ludmila Ferber (ambos jão têm mais vínculo com o selo). Mercado não falta para ser disputado.

Outro caso que vale ser destacado, é o da transição da banda Catedral, que 1998, rompeu um bem sucedido contrato de quatro anos com a gravadora gospel MK Publicitá (atual MK Music) e assinou com a Sony Music. A fase do Catedral na Sony foi de enorme sucesso.

Com um estilo bem mais pop, pop romântico e letras que não tinham especificamente um viés religioso, o Catedral deve vários clipes gravados, premiados e muito veiculados na extinta MTV Brasil. Após anos de embates judiciais, idas e vindas no gospel, Catedral que também assinou contrato com a Line Records e a Warner Music, em 2019 "fez as pases" e assinou um novo contrato com a MK.

Minhas considerações


Alguns temas predominam, como a mercantilização da religião, o uso da mídia e da cultura como forma de evangelização, a ocupação do espaço público e a tentativa de construção de uma unidade entre os evangélicos e a construção de identidades, sobretudo entre jovens.

Enfatizando a relação entre mercado e religião, esferas tratadas como separadas, a maior parte dos estudos dá pouca atenção às características específicas deste mercado de música, assim como aos agentes que o compõem. Esses trabalhos partem, conceitualmente, do pressuposto de que tais esferas deveriam necessariamente ser separadas, o que impede de observar as tensões entre elas.

Metodologicamente, eles se resumem ao nível macro das estruturas, sobretudo das igrejas e comunidades religiosas, e pouco olham para os grupos e os agentes individuais em suas produções de sentidos nos níveis médio e micro de análise. De fato, artistas, compositores, produtores, religiosos, lojistas e consumidores de música gospel aparecem sem agência, meros epifenômenos da estrutura, como cultural dopes.

A ênfase no caráter instrumental da música gospel em processos de mercantilização, evangelização e visibilidade da religião no espaço público deixa em segundo plano também as disputas para a aceitação dessas manifestações culturais como sagradas, por parte das igrejas, ou como expressões artística, por parte da mídia e do mercado.

A maior parte dos trabalhos, exclui também os sentidos propriamente religiosos que essa música aciona como mediadora do sagrado nas experiências dos sujeitos. No atual estado da arte dos estudos sobre a música gospel, ganhos podem advir de pesquisas com foco nos agentes, e não simplesmente nas estruturas. Contudo, isso não é negar as estruturas.

A igreja e a indústria da música são também agentes em interação, que oferecem os espaços que organizam os significados que são gerados e articulados por outros agentes, na vivência da religião de forma institucionalizada ou de forma difusa.

São ainda pouco trabalhadas as diferentes visões de mundo presentes em diferentes subgêneros musicais. Embora a maior parte dos estudos afirme que a música gospel brasileira é composta por qualquer ritmo musical com conteúdo religioso, minha pesquisa de campo, em consonância com outras pesquisas realizadas com foco em determinados subgêneros, mostra que esses subgêneros não são igualmente aceitos pelas instituições e, ainda, que são hierarquizados por questões estéticas e sociais.

Se examinarmos, por exemplo, o cast das oito principais gravadoras que trabalham com a música gospel brasileira, veremos que mais de 83% dos artistas são classificados dentro dos subgêneros musicais louvor e adoração, pentecostal e sertanejo, os mais aceitos por uma variedade de denominações. Subgêneros que poderiam ser considerados como de nicho — o rap gospel, o funk gospel, o forró gospel, o samba gospel, o rock gospel, o white metal, a MPB gospel, o reggae gospel — circulam de uma maneira mais periférica e estratégica nas atividades das igrejas e possuem uma série de características (em termos de sonoridades, de temáticas, de espaços de circulação, de performances, de éticas etc.) que contestam as fronteiras do sagrado e do profano, ao mesmo tempo em que compartilham com suas versões seculares aspectos que do ponto de vista estritamente religioso poderiam ser considerados mundanos, como o conteúdo de crítica social e de combate ao racismo presente no rap gospel.

Do mesmo modo, englobar evangélicos brasileiros em conceitos como "cultura gospel" ou "cultura evangélica contemporânea" e homogeneizar as práticas pentecostais contribui para essencializar as práticas religiosas, ajudando a criar as fronteiras que definem os "pentecostais" ou os "evangélicos", visão com as quais os agentes que se reconhecem nesses grupos precisarão dialogar para construir sua atuação no mundo.

No entanto, o foco nos subgêneros musicais e não na construção homogênea de uma música gospel pode mostrar que a ideia de unidade entre os cristãos também é contestada e que diferentes concepções sobre o sagrado, o religioso, o cristianismo e o papel da religião no espaço público são acionadas nas vivências religiosas através da música.

Conclusão


O fato é que, pelo menos enquanto cena cultural, o gospel brasileiro existe e possui muita força. De acordo com o levantamento da Associação de Empresas e Profissionais Evangélicos (Abrepe), é um mercado que movimenta R$ 21,5 bilhões por ano.

Os números vultosos vêm chamando a atenção de gravadoras e de serviços de streaming como o Deezer. A empresa francesa começou a investir mais no segmento, após verificar que ele era o segundo mais ouvido em sua plataforma, ficando atrás apenas do sertanejo.

A visibilidade que a música gospel brasileira adquiriu na indústria ampla da música a partir da primeira década do século XXI se refletiu no meio acadêmico, a ponto de Magali do Nascimento Cunha usar uma expressão "explosão gospel" para descrever o fenômeno social.

Neste mesmo período, houve uma intensificação da produção acadêmica brasileira sobre os produtos culturais e midiáticos cristãos, tendência que nos Estados Unidos já se configurava pelo menos desde a década de 1950.

Por fim, penso que rótulo gospel não se encaixa no tipo de som que o mercado homônimo tem oferecido no Brasil. Vejo uma grande limitação no gospel do Brasil. Como é uma cena dependente do que acontece lá fora nos Estados Unidos, ela é subserviente. Os artistas não têm liberdade para fazer uma música brasileira dentro do cenário evangélico, porque isso soaria muito extraterrestre.

Os trabalhos sobre música gospel se avolumam, avançando imensamente nosso conhecimento sobre esse fenômeno. Esse artigo buscou reconhecer esse trabalho, ao mesmo tempo em que apontar ainda novas trilhas.

A Deus toda glória.
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade.
E nem 1% religioso.
O uso correto da máscara não precisava ser obrigatório, por se tratar de uma proteção individual extensiva ao coletivo. É tudo uma questão não de obrigação, mas de consciência.
Respeite a etiqueta e o distanciamento sociais e evite aglomerações. A pandemia não passou, a guerra não acabou.

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