"Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências" (Romanos 13:14).
Quando se fala de concupiscências o mais comum é que as pessoas pensem em coisas como vícios, prostituições, desonestidade e outros comportamentos semelhantes.
Obviamente, pensar assim está correto, mas neste texto eu desejo ir um pouco além dos comportamentos mais aparentes no tema das concupiscência e falar sobre algumas que não são tão evidentes quanto as citadas acima, mas que são tão ou mais aceitas, praticadas e cultivadas normalmente e naturalmente pelas multidões tanto no mundo como em algumas congregações.
Porém, antes de falar sobre elas deixe-me clarear nosso entendimento dando uma definição simples, básica e específica do que são as concupiscências.
E o que elas são?
O desejo é a força que move o ser humano. Como escreve o escritor francês Antoine de Saint-Exupéry (✰1900/✞1944):
"se quiseres construir um navio, não comeces por dizer aos operários para juntar madeira ou preparar as ferramentas; não comeces por distribuir tarefas ou por organizar a atividade. Em vez disso, detém-te a acordar neles o desejo do mar distante e sem fim. Quando estiver viva esta sede meter-se-ão ao trabalho para construir o navio".
Há no coração humano um desejo insaciável, e quiçá o nosso grande mal seja o de querermos "saciar nossa sede" tão somente no prazer carnal e material, pois assim acabamos por matar o desejo e esgotar o mistério de amor presente no coração humano.
A luxúria como sinônimo de desejo, concupiscência, prazer carnal, gozo etc. é um dos "pecados capitais" mais visado. Se por um lado há os que tentam negar, condenar, "lançar ao inferno" todo tipo de prazer. Há, por outro lado, aqueles que só querem curtir, gozar, embriagar-se de prazer, sem se perguntar pela vida e a felicidade do outro. Em ambos os casos parece não levar a sério o mistério de amor presente no coração humano que o faz transcender sua própria finitude para abrir-se ao infinito que inabita em nós.
O pecado da luxúria ganha a cada época e cultura um colorido diferente. Na era do erotismo, como a nossa, tende-se a exaltar a luxúria como a única fonte de felicidade e realização humana. Porém, reduzir o desejo humano ao prazer carnal seria limitar ou mesmo matar a alma desejante presente em cada ser humano.
Somos liberdade corpórea. Mas este corpo de carne é afetado pelo acontecimento encarnação-redenção.
"Acaso ignorais que vosso corpo é templo do Espírito Santo que mora em vós e que recebeste de Deus" (2 Coríntios 6:19).
Nessa perspectiva paulina, o corpo é santuário (shekinah) do Espírito. Essa habitacão do Espírito modifica profundamente a relação da pessoa com seu próprio corpo, pois somos convidados a cuidar do nosso corpo como dom de Deus, templo do Espírito. O corpo não só recebe sentido na relação com o outro, mas o cristão é convidado a desapropriar-se dele mesmo, para se dar a outrem como dom, como dádiva.
A concupiscência no contexto da sexualidade
A sexualidade humana não se reduz a uma necessidade biológica, como
"...os alimentos são para o estômago..." (1 Coríntios 6:13),
mas como doação do corpo, como símbolo do homem todo, supõe a oferenda de toda a pessoa, que não se realiza na luxúria, na prostituição. A realização sexual autêntica não consiste em utilizar o outro para alimentar uma urgência de prazer ou vazio psicológico, mas para viver uma comunhão a níveis mais profundos, no cuidado e na responsabilidade pelo outro.
Como afirmava o filósofo Xavier Lacroix (✰1947/✞2021):
"...na relação com as coisas, certamente, a dimensão consumidora predomina: nesse sentido o gozo é alimentação, ou exploração. Mas quando se trata do corpo do outro, na volúpia erótica, tomar e dar, egoísmo e altruísmo são indissociáveis.A alteridade do corpo do outro é sem cessar lembrada a mim, e é dessa alteridade que gozo, ao mesmo tempo gozando da proximidade. A volúpia é experiência ao mesmo tempo da alteridade e da 'mesmidade' da carne, no outro como em mim, em mim como no outro" ("O corpo de carne — As dimensões éticas, estéticas e espirituais do amor", 1992, p. 64, Edições Loyola).
Neste sentido, a sexualidade humana alcança um novo paradigma que podemos chamar de realidade teologal, no qual o sujeito, com seu corpo sexuado, é visto não só como carne, mas como corpo espiritual chamado a realizar livremente sua vocação de se orientar a Deus, no cuidado com o outro.
Tal realidade está envolvida num dinamismo de abertura à relação concreta com o outro que também é assumido como outro corpo espiritual. É o homem inteiro que ama, corpo e espírito. Lacroix é enfático ao afirmar:
"...eros sem ágape, ágape sem eros são duas maneiras simétricas de negar a encarnação. Ora, sucede que a recusa da encarnação é também a recusa do dinamismo espiritual" (idem, p. 174).
Desta forma, o sujeito é capaz de assumir livremente a transformação de seu desejo em amor, sob a promessa de "vir-a-ser" na sua semelhança divina na encarnação, pela qual Deus toca o corpo e faz dele lugar de relação, de dom e de decisão guiada pelo amor responsável.
O corpo é lugar da relação, do dom e da decisão. No contexto espiritual, o corpo humano não é um instrumento de prazer, mas o local do nosso chamado ao amor, e no amor autêntico não há espaço para a luxúria e para a sua superficialidade. Os homens e mulheres merecem mais!
Para nós cristãos, o simbolismo do corpo é enriquecido e ampliado. Pois nos relacionamos com Cristo, em seu corpo que a Igreja, entendida de modo realista, a partir da comunhão. Como afirma Cirilo de Alexandria (✰376 d.C./✞444 d.C.):
Para nós cristãos, o simbolismo do corpo é enriquecido e ampliado. Pois nos relacionamos com Cristo, em seu corpo que a Igreja, entendida de modo realista, a partir da comunhão. Como afirma Cirilo de Alexandria (✰376 d.C./✞444 d.C.):
"Por seus sacramentos, meu corpo é enxertado sobre o corpo de Cristo, Deus me atinge na minha corporeidade".
A Concupiscência em um contexto mais amplo
Concupiscências são toda e qualquer coisa dentro de nós, em nossa mente e coração, que esteja sem controle.
Portanto, absolutamente todos os desejos, vontades, expectativas, interesses, ambições, vaidades, objetivos, metas e sonhos que estejam dentro de nós sem que tenhamos domínio sobre eles constituem-se como concupiscências, e como tal, serão vastamente usadas pelo espírito do mundo como fonte de tentações que nos enganarão, influenciarão e produzirão pensamentos, mentalidades, crenças, palavras e ações completamente equivocadas, ainda que pareçam corretas para nós, e que nos desviarão da direção que Deus traçou para nossa vida, nos afastando de criar e solidificar um relacionamento puro, íntimo e firme com o Senhor; por isso está escrito:
"Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado..." (Tiago 1:14,15).
Ou seja, nossos desejos, vontades, expectativas, interesses, ambições, vaidades, objetivos, metas e sonhos, excessivos e sem controle, vão certamente nos atrair, seduzir, cegar e cativar ou escravizar de uma forma tal que passaremos a ocupar toda a nossa atenção e intenção para criar um estilo de vida de exageros e descontroles segundo a imagem e semelhança de nossas concupiscências, sempre cuidando em tentar satisfazê-las a todo custo.
Estes cuidados sem sentido, aleatórios, baseados nas nossas concupiscências vão nos ferir intensamente, diversas vezes, tanto na mente quanto no coração; como espinhos que crescerão cada vez mais, sufocando nossa fé e nos impedindo de frutificar adequadamente, como Deus deseja que façamos; como foi escrito:
"E o que foi semeado entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução das riquezas sufocam a palavra, e fica infrutífera" (Mateus 13:22).
E como é que nós podemos agir para não perdermos o controle e sermos influenciados, dominados e dirigidos por nossos próprios desejos, vontades, expectativas, interesses, ambições, vaidades, objetivos, metas e sonhos?
A Bíblia responde
Devemos fazer o que está escrito na primeira parte de Romanos 13:14, que diz:
"Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e não fiquem premeditando como satisfazer os desejos da carne" (grifo acrescentado).
E como fazer isso?
Conscientemente retomando e assumindo total controle de nossa vida, não deixando que nossos próprios desejos, vontades, expectativas, interesses, ambições, vaidades, objetivos, metas e sonhos se sobreponham àquilo que sabemos que é a vontade e os interesses de Deus para nós.
Precisamos entender, que nos é lícito sim ter desejos, vontades, sonhos..., entretanto, é fundamental entender que Deus não tem absolutamente nenhum compromisso com nossas vontades, pois, a única com a qual se compromete, com a dEle, a única descrita como "boa, agradável e perfeita" (Rm 12:2)
Devemos fazer uma análise interna, profunda e detalhada, para, com clareza, determinarmos limites razoáveis e prudentes para absolutamente tudo o que está dentro de nós; limites esses os quais jamais nos permitiremos ultrapassar, por mais que o espírito do mundo através da sociedade ou mesmo das congregações afirme que devemos fazê-lo, ou tente nos convencer.
Devemos limitar tudo o que está dentro de nós, mesmo sendo coisas lícitas, pois assim elas jamais terão controle sobre nós; como o apóstolo Paulo fazia e ensinou certa vez quando disse:
"...Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma" (1 Co 6.12b).
Este é o pensamento de uma pessoa que não tem cuidado da carne em suas concupiscências; este é o pensamento de um legítimo cristão.
Esses limites internos, conscientemente estabelecidos por nós, tendo os conceitos, princípios, valores, virtudes e exemplos de Jesus Cristo como padrão e modelo, são o que nos manterão afastados dos cuidados mundanos, que são justamente aquelas paixões internas sem controle citadas anteriormente que chamamos de concupiscências.
Limitar a ação delas em nosso interior é o que vai evitar que exista excesso de desejos, excesso de vontades, excesso de expectativas, excesso de interesses, excesso de ambições, excesso de vaidades, excesso de objetivos, excesso de metas, excesso de sonhos, etc; e, sem estes excessos nós teremos a capacidade e condições, de cada vez mais, simplificar nossas expectativas e interesses, equilibrar nossos desejos e vontades genuínas; descobrir nossos verdadeiros sonhos, que são aqueles gerados pelo Altíssimo em nós e não aqueles criados ou inseridos em nosso interior pela sociedade ou pelas congregações; reduzir e eliminar vaidades e ambições; e alinhar definitivamente nossas metas e objetivos com aquelas que Deus traçou para nós; ou seja, estaremos neutralizando todas as nossas inclinações mundanas e entrando em plena harmonia com a direção que o Criador determinou para nós.
Conclusão
Este é, também, o processo que a Bíblia chama de crucificar a própria carne, como foi dito em:
"E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências" (Gálatas 5:24).
Permitir que existam desejos, vontades, expectativas, interesses, ambições, vaidades, objetivos, metas e sonhos descontrolados dentro de nós pode até fazer com que consigamos vitórias que a sociedade mundana julga importantes e invejáveis, mas ao mesmo tempo gera uma quantidade massiva e absurda de insatisfações, frustrações, peso e uma gama gigantesca de todo tipo de dores e angústias internas e externas, totalmente desnecessárias para qualquer indivíduo.
Por outro lado, manter os cuidados mundanos de nossas concupiscências sob controle, com intensa e constante vigilância disciplinada, levando-os completamente cativos à obediência de Cristo, permitirá que sejamos verdadeiramente inspirados pelo Espírito de Deus, e isso nos dará maior poder e domínio sobre todas as paixões da nossa própria carne (mente e coração); e, consequentemente nos fará produzir pensamentos, sentimentos, emoções, mentalidades, crenças, palavras e ações de equilíbrio, retidão e justiça, totalmente alinhadas com nossa verdadeira vocação e natureza em Cristo, e, plenamente dirigidas pela boa, perfeita e agradável Vontade do Criador.
Esta forma de agir é extremamente empoderadora (usando aqui um termo atualmente tão peculiar, mas, um tanto quanto controverso e paradoxal), e também é o que Gálatas 5:16 se refere quando diz:
"...Andai em Espírito e não cumprireis a concupiscência da carne."
A sexualidade e todos os demais desejos carnais, portanto, assumidos como dom, ternura, cuidado e doação é caminho de maturidade humana no qual a pessoa se compreende como ser separado e ser relacional, chamada ao compromisso e ao cuidado com o outro, num amor sem ambiguidade (Rm 13).
A Deus toda glória.
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade.
E nem 1% religioso.
O uso correto da máscara não precisava ser obrigatório, por se tratar de uma proteção individual extensiva ao coletivo. É tudo uma questão não de obrigação, mas de consciência.
Respeite a etiqueta e o distanciamento sociais e evite aglomerações. A pandemia não passou, a guerra não acabou.
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