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quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

SERTANEJO UNIVERSITÁRIO: DECRETADO O FIM DA MÚSICA BRASILEIRA DE QUALIDADE

O anúncio de que a funkeira "poderosa", Anitta e o rei dos homens frouxos - aqueles que é "só fazer assim, que eu volto"  —, Luan Santana, foram os ganhadores do prêmio de melhores cantor e cantora do Brasil, respectivamente, me despertou a atenção para os rumos que a música brasileira há algum tempo vem tomando. É uma acelerada derrocada rumo às profundezas do abismo do bom senso, da inteligência, da cultura e da coerência.

O começo do fim


É certo que vem de longa data que amamos a música pop americana (estadudinense), assim como um dia eles também amaram a nossa. Eram tempos em que Caetano Veloso, Roberto Carlos, Gal Costa, Pixinguinha, Edu Lobo, Vinícios de Morais, Milton Nascimento, Beto Guedes e tantos outros monstros da música nacional conviviam pacificamente com a tão amada música pop americana, ora entrando nos "embalos de sábado à noite", ora desfrutando num belo hall a imensidão da mais genuína música brasileira. Na época da bossa nova, inclusive, eramos nós que exportávamos boa parte de uma cultura genuinamente brasileira, como João Gilberto, Gilberto Gil, Dorival Caymmi, Emilio Santiago, Legião Urbana, Elis Regina e tantos outros testemunharam.

Mas o que sobrou?


Ultimamente vemos o quanto de articulados e unidos num só objetivo o povo americano é. São unidos até na mentira e no vandalismo de espionar o público alheio. Certamente o estado americano não "cochila" para nada. Google recebeu incentivo estatal. Os esportes daquela nação recebem força estatal gigantesca. O cinema, recebe enorme força estatal, ainda que não aparente. O Facebook recebe gigante apoio estatal. A música e a cultura americana certamente recebe incentivo estatal sem precedentes e o Obama ficou contente ao nos visitar e ouvir as nossas rádios. Somente os loucos não veem (ou ouvem?) isso.

Mas, e no Brasil? Qual ação coordenada é feita para preservar sua cultura e, por conseguinte, suas divisas? Qual incentivo cultural é realizado para se tentar ao menos preservar a riqueza da diversidade cultura mundial fomentando uma cultura local?

Hoje em dia mais de setenta por cento do rádio, certamente, representa a cultura vinda de fora, que cada vez mais cresce e não existe uma ação efetiva do Estado para isso tentar reverter. Ao menos tentar imitar, um milimetro que fosse, as ações coordenadas do Governo dos Estados Unidos para fomentar as coisas deles. Ora, cada vez que escutamos uma Beyoncè (Argh!) no rádio, por exemplo, é necessário esclarecer que essa música representa royalties (dinheiro) que está sendo enviado para o exterior!

Hoje, segundo noticias, foi dado um passo muito importante junto ao Congresso, c a desoneração da carga tributária sobre as produções musicais. Mas, porque essa parte fundamental da cultura brasileira, que é o controle dos direitos autorais, ainda se encontra em mãos privadas? Por meio de associações? Através do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)? Nos últimos anos o deslumbre dos governos com o poder acabou "cegando-os" dessa realidade? 

Muito embora a riqueza e cultura americana deva, certamente, muito a um grande país mais ao Sul, esse "país mais ao sul" poderia ser o "sexto" entre os "five eyes" (termo que define a espionagem moderna) acaso não cochilasse tanto. Poderíamos dar as mãos aos nossos irmãos americanos novamente. Do jeito que está, contudo, eles certamente têm desprezo por nós e continuarão nos chamando de "gigante adormecido" consoante recente propaganda do Tio Sam.

O pesadelo da imbecilidade cultural


Recordando os tristes anos de 1990, que é considerada a década perdida da música brasileira, o império da axé music na indústria fonográfica nacional proporcionou algumas das mais constrangedoras composições que alguém, su­postamente um ser racional, já foi capaz de escrever. 

Naqueles idos, expressões do quilate de “vai dançando gostoso, balançando a bundinha” tornaram-se símbolos de uma geração destruída pelo assédio constante da lógica hedonista do “prazer carnavalesco ininterrupto, curtição acéfala e exibicionismo de corpos plasticamente esculpidos na academia”. 

Era o princípio de uma tendência irrefreável, que só se acentuaria ao longo dos anos na música brasileira: a substituição do cérebro pelas nádegas. Era o começo da MIB: Música Imbecil Brasileira. O acrônimo de uma geração de jovens destruída pela estultice.

O grau de estupidez a que os ouvidos humanos foram submetidos nessa “idade das trevas” das rádios do País pode ser muito bem representado num dos hits do mais emblemático dos grupos surgidos no período. Refiro-me ao É o Tchan e a sua antológica “Na boquinha da garrafa”, sucesso radiofônico absoluto, cujas coreografias foram repetidas incessantemente em programas de auditório dominicais, com suas dançarinas calipígias “engatando” bem-sucedidas carreiras nas capas de revistas masculinas e no mundo das sub-celebrity. Vejamos: “No samba ela gosta do rala, rala. Me trocou pela garrafa. Não aguentou e foi ralar. Vai ralando na boquinha da garrafa. É na boca da garrafa. Vai descendo na boquinha da garrafa. É na boca da garrafa”.

A letra dispensa comentários e, por si só, revela a mais absoluta falta de respeito próprio, menos de quem compôs e produziu o grupo — um empresário na tarefa de lucrar na indústria do kitsch —, mais da parte de quem anotou na sua biografia momentos de supremo constrangimento “ralando na boquinha da garrafa”. Dá-se o dilema: quem é pior, o que consome esse lixo ou quem o produz? Os dois?

Quanto ao exibicionismo a que me refiro como caracterizador do período, este se notava na quantidade imensa de pessoas que passaram a trajar abadás multicoloridos qual uniformes denotativos de um suposto status citadino jovem, com os símbolos do “carnaval fora de época”. 

Havia mesmo uma hierarquia curiosa nas vestimentas: dependendo da cor do abadá, o sujeito era “playboy/patricinha” ou “pobre/povão”, pois já se sabia antecipadamente o preço elevado que se pagava para estar no bloco da “cervejada” ou dos “chicleteiros”, relegando o setor da “pipoca” para o vulgacho empobrecido. 

Foi também uma época de criatividade única no desenvolvimento de coreografias para as muitas “danças” que surgiam: do vampiro, da manivela, da tartaruga, do tamanduá, do morcego. Quase toda a fauna brasileira foi vilipendiada, digo, homenageada nessas composições.

A evolução da imbecilidade: Do axé para o sertanejo universitário


Nos anos 2000, no entanto, a axé music entrou em colapso no mercado. Os carnavais fora de época (micaretas) foram aos poucos desaparecendo pela perda crescente de público. Os grupos “clássicos” do período deixaram de existir não por brigas de seus integrantes, mas pela simples falta de shows. 

O mercado usou e abusou da axé music enquanto era lucrativa. Quando deixou de sê-lo, descartou-a, substituída que foi, nas rádios comerciais, pelo forró universitário e pelo funk carioca (cuja nomenclatura correta é “batidão” - mas do funk não vou falar neste artigo). 

Nem mesmo o movimento da “suingueira”, capitaneado por “pérolas” do nível de “Re­bolation”, associado a um amplo apelo midiático que tem por diretriz espicaçar os “sucessos do carnaval”, conseguiu ressuscitar o declínio inexorável daquele gênero musical moribundo.

Sertanejos universitários, desvendando o enigma da hecatombe de imbecilidade


O que essas duplas e solos cantam afinal? Que tipo de mensagem querem passar?

O sertanejo, do tipo universitário, é jovem, de posses, sai da faculdade com seu Camaro amarelo direto para a balada e “bota a galera pra ferver”. Há quem lhe custeie os estudos. E, ainda que ao final de quatro ou cinco anos saia da faculdade no nível de um analfabeto funcional, seus genitores são suficientemente influentes para arranjar-lhe uma boa posição na iniciativa privada ou mesmo no serviço público. O sertanejo universitário é sujeito destemido, porém sensível. Tem o dom da poesia in­crustado nas suas veias. Na balada, este santuário da “pegação da mulherada”, sente a verve aflorar com facilidade, produzindo versos riquíssimos. 

Contudo, talvez a característica mais significativa desta personagem — o sertanejo universitário — seja mesmo a preferência pelo “idioma da velocidade”. Sertanejo que é sertanejo universitário vita a prolixidade; é sucinto, direto, objetivo. Sua linguagem despreza floreios verbais, construções frasais longas, vocábulos de difícil entendimento. Dado o portento de seu talento poético, ele acentua a desnecessidade do vocabulário complexo, adepto que é da lógica do “dizer muito com muito pouco” ou do “falar fácil é que é difícil”. 

Conhecedor profundo da fonologia da gramática da língua portuguesa, ele lança mão do rico alfabeto fonético do idioma românico-galego e, conjugando-o com seu ideal filosófico de concisão e com as técnicas redacionais modernas que enaltecem o “texto enxuto”, passa a compor valorizando a mínima emissão de voz na entonação dos seus versos, economizando em palavras o que pode expressar, em seu entender, perfeitamente com vocábulos monossílabos. 

É daí que nasce a tendência manifesta das composições do estilo em priorizar a vocalização de uma única sílaba. Exemplificativamente, temos: “Eu quero tchu, eu quero tchá. Eu quero tchu tchá tchá tchu tchu tchá. Tchu tchá tchá tchu tchu tchá” e todas as outras pérolas semelhantes.

Conclusão


Por essas razões é que me sinto autorizado a declarar que, depois da hecatombe cerebral que a axé mu­sic proporcionou na década de 1990, contribuindo decisivamente na deseducação do povo brasileiro com seus versos de “balançando a bundinha” e “boquinha da garrafa”, o sertanejo universitário, gestado pela indústria fonográfica em crise, desponta como o meio mais fácil de lucrar em cima do desejo hedonístico, cotidianamente instigado pelos meios de comunicação, que impele o jovem a aproveitar a vida a qualquer preço, de qualquer maneira, custe o que custar — incluindo o próprio senso do ridículo daqueles aos quais falta massa encefálica para perceber o quão patético é idolatrar “artistas” incapazes de compor com vocábulos polissílabos. 

É quando aos olhos de uma garota, na balada, torna-se “bonito” ser um completo idiota - basta ter o corpo esculpido em alguma academia, um sem número de tatuagens pelo corpo, usar penteados medonhos, acessórios à gosto do freguês e, obviamente, as famigeradas calças apertadíssimas. Com o sertanejo universitário, a MIB entrou definitivamente na “era da imbecilidade monossilábica”. Enfim, eu me entristeço, mas não me assusto ao saber que Anitta [a diva do funk - aliás, cumpri o prometido, não falei dele] e [divo do sertanejo universitário] Luan Santana sejam os representantes do que de melhor há na música [imbecil] brasileira.

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