Seguindo a série especial de reflexões, aqui trago não uma parábola, mas uma crônica da vida real. Há anos uma mulher concorreu a uma competição televisiva de procura de talentos, muito popular na Grã-Bretanha, o Britain's Got Talent.
O que aparento ser?!
Tratava-se de uma mulher desempregada, de 47 anos, uma fraca figura, mal vestida, cabelo maltratado, sobrancelhas tipo homem das cavernas, penteada sem gosto, e com um sentido de humor, digamos, estranho. Tinha tudo para sair do palco vaiada e humilhada. Não seria a primeira. Ela era uma figura feia. Patética. Digna de dó.
O que esperam de mim?!
Quando a plateia e o júri se preparavam para uma vaia monumental, mal ela abrisse a boca para cantar as primeiras notas, aconteceu o inimaginável: brotou de dentro dela uma voz notável, bem timbrada, colocada, afinada e expressiva que deixou incrédulos os presentes durante uns segundos decisivos. Depois a plateia rompeu em aplausos, tendo aclamado de pé a candidata a artista, que interpretou um tema não muito fácil: “I Dreamed a Dream” (Sonhei um Sonho), do musical Les Misérables.
O que eu realmente sou!
O passo determinado e firme com que entrou no palco parecia não se conjugar com o aspecto da senhora, mas era o único elemento que deveria ter feito desconfiar a assistência. Desconfiar da sua aparência rústica e quase boçal, e que, como bem sabemos mas quase sempre esquecemos, nem sempre o que parece é.
O que eu posso oferecer!
O preconceito (pré-conceito) foi assim destruído, desta forma violenta, frontal e decisiva, num meio de comunicação de massas como a televisão, onde quase tudo é artificial, e numa época em que se avaliam as artistas da música não pelos dotes vocais mas pelo corpo e a forma ousada como o expõem.
Moral da história
A personagem dessa crônica é a britânica Susan Boyle. Com ousadia, confiança e objetivo, Susan centrou-se em cantar e secundarizou o resto. Acreditou que o júri estava ali para avaliar os seus dotes como cantora e não como modelo. O seu passo firme pode querer dizer que, quanto a isso, estava à vontade. Sabia o que valia, de modo que nem pareceu surpreendida pela reação inicial de quase desprezo do público, nem pela reação subsequente, quando teve a oportunidade de a ouvir cantar, esta extremamente positiva.
Um dos cronistas da nossa praça jornalística classificou-a como “velha, feia e com sucesso; feia a conquistar um mundo de glamour, velha insistindo num sonho”. Não sei se Susan Boyle tinha mesmo o sonho de vir a ser cantora profissional - aliás, depois de sua apoteose, e do alvoroço sequente, ela meio que saiu de cena (Afinal, por onde anda Susan Boyle? E você, ainda se lembrava dela?) -, mas pelo menos levou a satisfação de ter levado um júri, uma audiência física, e milhões através dos ecrãs, a engolir o seu preconceito.
O vídeo deste acontecimento (abaixo), no Youtube, registra até aqui 13.052.654 de visionamentos. Misericórdia! É muito preconceituoso junto neste nosso mundo de meu Deus.
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