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quarta-feira, 13 de maio de 2020

COMPORTAMENTO — O AUMENTO DO SUICÍDIO EM TEMPOS DE ISOLAMENTO SOCIAL — 1


Precisamos falar de suicídio. Há alguns dias, o mundo artístico nacional foi abalado pela notícia do falecimento do ator Flávio Migliaccio, aos 85 anos, encontrado morto pelo caseiro do sítio onde morava no interior paulista. De acordo com a perícia, a causa da morte foi suicídio por enforcamento. O ator deixou escrita uma melancólica carta de despedida.

A cada 40 segundos 1 pessoa se suicida no mundo, dados fornecidos pela OMS no ano de 2016 que nos fazem refletir sobre o quanto é necessário falar sobre suicídio e entender a gravidade do problema. 

Pela seriedade e complexidade do tema, este artigo será dividido em dois capítulos. Vamos ao primeiro.

O suicídio nos tempos de pandemia


A Covid-19 mata, seguramente, mas encontrou um grande aliado no medo, no terror que agora oprime milhões de pessoas. De acordo com dados oficiais, nos últimos dias, na Itália, está sendo assistido um trágico fenômeno ao qual não foi dado até agora o suficiente destaque: os suicídios pelo coronavírus. Todo dia aumenta o número de pessoas que tiram suas vidas para não ter de enfrentar a doença. 

Mas, se engana quem pense que esse triste fenômeno está acontecendo apenas no país europeu. Aqui no Brasil também, embora não aja divulgação por parte da imprensa, o número de suicídios aumentou assustadoramente após o início da pandemia. De acordo com os especialista, esses casos são ainda mais potencializados pelo clima de medo, de incertezas e também pela depressão causada pelo isolamento social.

Potenciais vítimas


Entre os grupos de maior risco estão os adolescentes, nos Estados Unidos, em 2006, 1771 crianças e adolescentes de 10 a 19 anos de idade cometeram suicídio, o que tornou esta a terceira causa de morte nesse grupo etário (Schwartz et al., 2010). 

Na Europa, o suicídio é a segunda causa mais comum de morte entre adolescentes e adultos na faixa dos 15 aos 35 anos (WHO, 2010). No Brasil, na década de 90, entre 26% a 30% do total de suicídios consumados foram cometidos por jovens entre 15 e 24 anos (Cassorla, 1991). 

Além disso, o número total de suicídios entre os anos de 1998 e 2008 passou de 6.985 para 9.328, representando um aumento de 33,5%. Esse aumento foi superior ao do número de homicídios e acidentes de trânsito no país, que, no mesmo período, cresceram 19,5% e 26,5%, respectivamente (Waiselfisz, 2011).

No entanto, esses dados não representam a realidade, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que para cada tentativa de suicídio registrada oficialmente, existem 4 tentativas que não foram registradas. As falhas nas estatísticas ocorrem por diversos motivos, desde a causa da morte ser registrada como acidentes como por exemplo "acidente por ingestão excessiva de medicamentos", até a falta de precisão para saber se um acidente de trânsito foi uma fatalidade de fato ou uma tentativa de suicídio. 

Além de tudo isso ainda existe o preconceito da sociedade e da própria família, a dificuldade de aceitação e questões religiosas que interferem diretamente no assunto. 

Fatos e dados sobre o suicídio


A primeira causa de morte por atos de violência no mundo não são os acidentes de trânsito, os homicídios nem os conflitos armados, mas o suicídio. Esse dado desconcertante foi revelado em outubro de 2002, em Bruxelas, numa reunião da OMS para divulgar as conclusões do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. 

Ao lê-las (aparentemente pela primeira vez) para os convidados da cerimônia, o então primeiro-ministro da Bélgica, Guy Verhofstadt, não conteve o susto e, quebrando o protocolo, indagou incrédulo: 
"É isso mesmo?". 
A cena está na memória do psiquiatra criação de um serviço de prevenção de suicídios, que uma pesquisa anterior coordenada por ele comprovou ser altamente eficaz em várias cidades do mundo. Até agora ninguém consegue explicar o aumento tão abrupto, mas o fato é que no mundo todo, até mesmo em países em que as taxas de suicídio são tradicionalmente baixas – como o Brasil, sendo este, portanto, um dos mais complexos problemas de saúde pública da atualidade. 

É assustador o número de pessoas que precisam de ajuda para não sucumbir. As mortes por suicídio aumentaram 60% nos últimos 45 anos, segundo a OMS. Quase um milhão de pessoas se mata todos os anos – em um universo até 20 vezes superior de tentativas. Na maioria dos países desenvolvidos, a violência autoinfligida é a primeira causa de morte não natural. 

No Brasil, ela ocupa a terceira posição – aqui as taxas de mortalidade por acidentes de trânsito e homicídios estão entre as maiores do mundo. Outra mudança que vem sendo observada é a faixa etária de quem comete suicídio. Historicamente mais comum entre os idosos, o ato vem crescendo entre pessoas de 15 a 44 anos. 

Considerando apenas os homens da mesma faixa etária, esse índice aumentou 20 vezes. Em qualquer idade, o suicídio é muito mais frequente no sexo masculino. Além de tentarem menos, as mulheres geralmente usam métodos menos violentos e, portanto, menos letais, explicam os especialistas. Uma exceção ocorre na zona rural da China, onde o autoenvenenamento por agrotóxicos é a primeira causa de morte não natural entre mulheres de 15 a 35 anos. O acesso ao método faz muita diferença. Nesses lugares, é muito comum guardar os pesticidas na cozinha da casa. 

Doença psicossocial 


Mas o que leva alguém a tirar a própria vida? Até o século 16 o suicídio era uma questão religiosa ou filosófica, condenado ou glorificado dependendo de circunstâncias e conveniências. Quem primeiro afirmou que a tentativa de se matar era produto de doença mental foi o psiquiatra francês Jean-Étienne Dominique Esquirol (1772/1840), em meados do século 19. 

Anos depois, o também francês Émile Durkheim (✩1858/1917), considerado um dos pais da As pesquisas têm avançado pelos caminhos da epigenética, ou seja, pela compreensão das interações entre DNA e fatores ambientais que incidem sobre o organismo durante a infância, alterando a expressão de alguns genes por toda a vida estivesse associada ao comportamento suicida. 

Mas viu-se que em muitas famílias com casos de depressão ao longo de várias gerações há raríssimos ou nenhum registro de alguém que tenha se matado. Hoje se sabe que apenas 15% dos deprimidos tentam se suicidar. A chave para o mistério está no que os especialistas chamam de binômio impulsividade/agressividade, um traço de personalidade que também tem forte caráter hereditário, mas cuja carga genética é independente daquela associada à depressão. 

Como resumem os especialistas, junte na mesma pessoa depressão, impulsividade/agressividade e adversidades da vida e você tem um suicida em potencial. O comportamento impulsivo e agressivo é ainda mais importante para explicar o suicídio entre jovens, bem como em pessoas que o fazem com métodos violentos, como queda livre ou arma de fogo, explica o psiquiatra Gustavo Turecki, da Universidade McGill em Montreal (Canadá), um dos maiores especialistas em genética do suicídio. 
"Os altos índices observados na Ásia também estão claramente associados a maior prevalência de impulsividade/agressividade nesse povo"
acrescenta ele. 

Nascido na Argentina, criado no Brasil e formado médico pela antiga Escola Paulista de Medicina (atual Unifesp), Turecki está radicado no Canadá há décadas, onde coordena o Centro de Estudos de Suicídio da McGill, criado por ele em 2003. 
"O suicídio é um problema bem grande aqui. Quebec (província francófona cuja capital é Montreal) tem as mais altas taxas do país",
diz. 

Em junho de 2009, o pesquisador foi convidado a apresentar suas pesquisas em conferência da Fundação Nobel, na capital sueca, evento que aponta os assuntos mais cotados para o prêmio Nobel de Medicina nos próximos anos. 
"Não há genes que fazem as pessoas se suicidarem"
esclarece Turecki. 
"O que existe é uma carga genética que aumenta ou diminui certos comportamentos de risco associados ao suicídio." 
O binômio impulsividade/agressividade é um dos mais estudados até agora. Apesar disso, nenhum cientista encontrou genes responsáveis pelo fenômeno – um sinal de que ele é bem mais complexo. 

As pesquisas têm avançado pelos caminhos da epigenética, ou seja, pela compreensão das interações entre DNA e fatores ambientais que incidem sobre o organismo durante a infância, alterando a expressão de alguns genes por toda a vida. 

Turecki descobriu, por exemplo, que pelo menos 30% dos suicidas foi vítima de abuso físico ou sexual ou de algum tipo de negligência por parte da família. O dado vem de um banco com cerca de 300 cérebros que ele mantém em laboratório. Mais da metade é de suicidas e o restante, Mapa-múndi do suicídio Lituânia e Rússia são os países com as mais altas taxas de mortalidade por suicídio: cerca de 40 óbitos por 100 mil habitantes por ano. 

Em boa parte da Ásia, os números são muito altos. No Brasil, a taxa de mortalidade por suicídio é considerada baixa, de 4,6 por 100 mil habitantes em 2006. Ainda assim, o suicídio mata quase duas vezes mais que a tuberculose e quase tanto quanto o câncer de colo de útero e a infecção por HIV/Aids (Fontes: OMS e Ministério da Saúde). > 13 por 100 mil 6,5 - 13 por 100 mil < 6,5 por 100 mil sem informação sociologia moderna, defendeu no livro "O suicídio", de 1897, que o ato é resultado de uma sociedade que perdeu seus valores tradicionais, seus objetivos, sua identidade. 

O filósofo alemão Karl Marx (✩1818/1883) também se dedicou ao tema, descrevendo três casos de pessoas que sacrificaram a própria vida, segundo ele, vítimas da opressão e da luta de classes. De acordo com especialistas, todas essas teorias apresentam alguma razão. O suicídio é visto atualmente como um transtorno psicossocial de causas múltiplas, em que fatores biológicos, psíquicos, sociais e culturais interagem de forma complexa, aproximando ou afastando as pessoas do abismo psíquico. 

A doença mental não tratada está presente na maioria dos casos, principalmente na forma de depressão e de transtorno bipolar. O abuso de drogas, principalmente do álcool, é um ingrediente bastante comum. 
"Essas pessoas estão tão deprimidas que perdem a capacidade de se enxergar no futuro"
descreve o psiquiatra Neury Botega, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. 

Sua experiência no atendimento a sobreviventes de tentativas mostra que a maioria não queria de fato morrer. Geralmente é um ato de desespero depois de uma grande perda, fracasso ou traição. Segundo ele, o fato de mulheres se matarem menos provavelmente se deve a aspectos culturais que fazem com que elas tenham mais facilidade para expressar e dividir suas angústias. 
"O homem tende a manifestar sua frustração se afogando na bebida"
afirma. 

Uma das formas de entender o que passava na cabeça de um suicida é por meio de autópsia psicológica. Depois de alguns meses da morte, pesquisadores entrevistam pessoas da família, amigos e colegas

Prevenir é possível 


Se de um lado neurocientistas e geneticistas procuram entender a complexa teia de fatores que dão origem ao ato suicida, de outro, médicos e epidemiologistas unem esforços para por em prática programas de prevenção. Algo que já se comprovou simples, barato e eficaz. Um dos principais objetivos do projeto, conhecido como Supre-Miss (Estudo de Intervenção sobre o Comportamento Suicida em Múltiplos Locais, na sigla em inglês), foi avaliar a eficácia da chamada intervenção breve na redução de novas tentativas de suicídio. 

A estratégia consiste numa sessão de aconselhamento a pessoas que chegaram ao hospital após terem tentado se matar, seguida de telefonemas a intervalos de algumas semanas durante um ano e meio. Participaram 1.867 pacientes. Ao final do período de intervenção, a mortalidade por novas tentativas de suicídio naqueles que foram acompanhados foi dez vezes menor que no grupo-controle. Um resultado excelente, segundo os psiquiatras. 

Ainda de acordo com eles, o que se percebe é que essas pessoas precisam muito desabafar e conversar com alguém sem serem julgadas, o que geralmente é difícil dentro da família. 

Registros dão conta que em 2009 foi feito um grande esforço para lidar com a epidemia de gripe H1N1 e, como resultado, não se obteve nenhuma morte. Em compensação, 21 pessoas se mataram. Os profissionais estavam despreparados para aquela situação. Será que o mesmo ocorre hoje na pandemia mundial do novo coronavírus?

Divulgar ou não divulgar, eis a questão


Eliminar o suicídio dos veículos de comunicação tampouco é uma solução adequada, acredita Botega. 
"Alguns manuais de redação recomendam simplesmente não noticiar, mas isso acaba reforçando o tabu em torno do assunto, coloca-se o problema debaixo do tapete. E as pessoas pensam que suicídio não é um problema"
adverte o psiquiatra. 

Para ajudar a imprensa a lidar com o tema de forma mais equilibrada, focada na prevenção, a Associação Brasileira de Psiquiatria publicou em outubro de 2009 um manual dirigido a veículos de comunicação, disponível no site da entidade (www.abpbrasil.org.br). Botega aproveita para destacar outros dois equívocos em relação ao tema. 

O primeiro é a noção difundida de que as pessoas se matam mais no inverno, quando na verdade, em todo o mundo, os suicídios são mais frequentes na primavera e no verão. O segundo se refere aos sinais e avisos que uma pessoa dá antes de se matar e que em geral a família desconsidera. 
"Existe aquela ideia de que 'cão que ladra não morde' ou de que a pessoa está querendo apenas chamar atenção"
afirma. 
"É preciso levá-la a sério"
frisa. E estender-lhe a mão. Antes que seja tarde.
[Fonte: por Unespo, Luciana Christante]
A Deus toda glória.
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E nem 1% religioso.

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