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sexta-feira, 20 de outubro de 2017

"A FORÇA DO QUERER": A VIDA COMO ELA É?


Nessa semana o Brasil se despediu de "A Força do Querer", mais uma novela produzida e exibida em 173 capítulos pela Rede Globo. Desde o sucesso estrondoso de "Avenida Brasil", novela exibida de 26 de março a 19 de outubro (179 capítulos) de 2012, que catapultou a carreira de novelista do autor João Emanuel Carneiro e eternizou a personagem Carminha, a terrível Carminha, interpretada brilhantemente pela atriz Adriana Esteves para galeria das grandes vilãs, merecidamente ao lado de Odete Roitman (inesquecivelmente interpretada pela veterana atriz Beatriz Segall, em "Vale Tudo", de Gilberto Braga e Aguinaldo Silva - 1988/89) e Nazaré Tedesco (magistralmente interpretada por outra veterana, a atriz Renata Sorrah, em "Senhora do Destino", de Aguinaldo Silva - 2004/05), a emissora não conseguia emplacar um grande sucesso em seu já clássico horário nobre de novelas. Aliás, a Globo já vinha amargando alguns fracassos no horário das 21 horas, como "Salve Jorge" (de Glória Perez - 2012/13) e a polêmica, controversa e rejeitada "Babilônia" (de Gilberto Braga - 2015), que foi literalmente derrotada pelo sucesso "Os Dez Mandamentos" (de Vivian Oliveira), da Rede Record. 

E desde o fracasso de "Salve Jorge", Glória Perez, conhecida por emplacar outros sucessos no horário, como "O Clone" (2001/02) e "Caminho das Índias" (2009), vinha devendo uma novela a altura de sua fama como uma das principais autoras da Rede Globo e, apesar dos temas polêmicos como a transexualidade, sereismo, jogo patológico, cosplayer, e o tráfico de drogas, certo é que Glória conseguiu tornar sua novela "A Força do Querer", como um dos maiores sucessos da televisão no ano de 2017, deixando para sua substituta uma dura missão de manter os altos índices do ibope. 

A trama escrita por Gloria Perez cravou 48,8 pontos de média e 51 de pico e 65% participação, batendo recorde, segundo dados consolidados do Ibope da Grande São Paulo. Com esse índice, "A Força do Querer" teve a maior audiência desde o último capítulo de "Avenida Brasil", que registrou 52 pontos em 19 de outubro de 2012. 

Isto quer dizer que, apesar dos acalorados debates que a novela gerou, principalmente nos círculos evangélicos, por causa do tema ideologia de gênero, um dos principais fios condutores da trama de Glória, dessa vez, 80% dos lares brasileiros (e alguém duvida que grande parte desses lares eram de crentes?) estavam ligadinhos na novela, para acompanharem o desfecho de seus personagens. 

A novela é uma obra de ficção, isto todo mundo sabe, mas, até onde ela imita, reflete ou influencia a vida real? 

A imitação da vida real entrelaçada na ficção 


A possível diluição de barreiras entre os domínios da ficção e da realidade tornou-se o assunto preferido da imprensa. Não é de hoje que os jornais editam cadernos especiais com uma variedade de ensaios a respeito de como os brasileiros misturam ficção e realidade. O tema também já foi pauta de teses de inúmeras fileiras acadêmicas. Vira e mexe há publicações chamando atenção para a responsabilidade das novelas na difusão da violência. Nesse já antigo debate, a Rede Globo e as novelas, especificamente, apareceram como possíveis influenciadoras da sociedade. 

Quando se estabelece a dúvida sobre a novela imitar a vida ou a vida imitar a novela é possível que a melhor resposta seja o título deste artigo. A novela é uma imitação da vida, inspira-se nos costumes e histórias reais, mas ao mesmo tempo, os ficciona. Se resgatarmos o surgimento e um pouco da história da novela no Brasil, 'Sua Vida me Pertence', primeira novela; '2-5499 Ocupado', a primeira com transmissão diária e, a ainda lembrada e citada hoje, 'O direito de Nascer', podemos citar Élide Fogolari no livro 'O visível e o invisível no ver e no olhar a telenovela', que se refere à novela "como narrativa ficcional que aproxima a história narrada ao mundo vivido dos indivíduos". 

Inicialmente as novelas foram traduzidas de produções argentinas e cubanas e, aos poucos, substituídas por produções brasileiras que trabalhavam os dramas da vida cotidiana, os conflitos, as falas do povo nas ruas, o jeito e o humor brasileiro que foi criando sua identidade e se afastando da teatralidade para adotar o naturalismo, onde o povo facilmente se identifica. A identificação acontece pelos enredos traçados para as novelas, que estão constantemente ligados àqueles vividos por qualquer cidadão comum: problemas familiares, violência, romance, dilemas existenciais, etc.

Na prática, a novela dá novos significados à vida e "permite" o público que assiste experimentar sensações, adotar palavras e estilos que a vida real não lhe permitiria. Ao ver a vida retratada e ficcionada na tela, o telespectador deixa de perceber os limites entre o real e a ficção e passa a incluir os personagens da novela no âmbito familiar, ou ainda, confunde o ator com o personagem interpretado e transfere para ele os sentimentos de empatia ou repulsa. A proximidade e, ao mesmo tempo, a identificação de afinidades fizeram das novelas brasileiras uma verdadeira extensão da vida, tornando-se o assunto nas rodas de conversa, na mesa de jantar ou mesmo nas filas de ônibus e supermercados. 

A tragédia da vida real 

A vida como ela é 


Como uma triste ironia do destino, em 1992 a própria Glória Perez foi vítima de uma tragédia que saltou do roteiro da ficção para a vida real, quando sua filha, a atriz Daniela Perez foi brutalmente assassinada a tesouradas pelo também dublê de ator Guilherme de Pádua e sua então esposa Paula Thomaz. Pádua e Daniela na época viviam o par romântico Bira e Yasmin, personagens da novela "De Corpo e Alma", escrita pela própria Glória Perez. 

Relembre o caso 


Na madrugada de 28 de dezembro de 1992, o Brasil foi surpreendido pela notícia da morte brutal, da atriz Daniela Perez, assassinada com 18 facadas aos 22 anos de idade. Daniela – que representava Yasmin, bailarina sensual, talentosa e decidida na novela De Corpo e Alma, então exibida pela Rede Globo de Televisão no horário das 20h – foi encontrada morta num matagal algumas horas depois de ter deixado os estúdios de gravação, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro. 

O crime atingiu em cheio o meio artístico carioca, isto é, o coração da indústria televisiva brasileira, uma das maiores do mundo e provocou intensos e emocionados debates. A possível mistura de fato e ficção foi considerada uma das causas da tragédia, tornando-se um dos principais temas da discussão pública. 

Logo na manhã seguinte, em seu interrogatório, o ator Guilherme de Pádua, 23 anos, confessou que matara Daniela. Em De Corpo e Alma Guilherme interpretava o namorado de Yasmin, Bira. O crime ocorrera poucas horas depois de Guilherme e Daniela gravarem a cena em que Yasmin rompia o namoro com Bira, personagem ciumento e controlador. 

À época, a especulação sobre como e quando fatos da vida real atingem a narrativa ficcional tornou-se um tema relevante na discussão pública, expressando os paradoxos de um gênero que, de seriado voltado para as mulheres e financiado e produzido por companhias de sabão, passou, ao longo de 20 anos, a fenômeno nacional de comunicação multiclassista e produto de exportação líder de audiência. Transbordando do campo definido como 'feminino' ao qual se destinava, a novela ganhou as primeiras páginas, as seções editoriais dos jornais diários e a atenção de parlamentares e juristas. 

O crime gerou repercussão nacional e internacional inédita. Mobilizou a indústria da televisão em suas diversas conexões com o público, o Judiciário, o Executivo, a imprensa local e estrangeira. As reverberações desse fato são um elemento valioso para nos ajudar a entender o significado da telenovela no Brasil dos anos 1970 aos anos 1990 – gênero que, durante esse período, capta e expressa redefinições nos domínios masculino e feminino, público e privado, da notícia e da ficção. 

É nessa condição que o caso Daniela Perez abriu esta reflexão sobre o papel da telenovela no Brasil. A notícia da morte de Daniela veio a público no mesmo dia – 29 de dezembro de 1992 – em que o Congresso Nacional confirmava o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, decisão que coroava meses de denúncias, investigações e manifestações populares contra o primeiro presidente eleito por voto direto após 25 anos de autoritarismo. Sintomaticamente, a morte da atriz recebera mais atenção na mídia impressa e eletrônica do que o afastamento definitivo do presidente, a essa altura já fora do governo. 

Naquelas circunstâncias, chegava-se a insinuar que Glória Perez, como autora da trama, teria responsabilidade na morte trágica e escandalosa da própria filha. Nesse debate, a Rede Globo e as novelas, especificamente, apareceram como possíveis causas da tragédia. 

A Rede Globo procurou desviar o foco da discussão enfatizando a natureza criminosa de Guilherme de Pádua e colocando em sua pauta a inclusão da pena de morte no Código Penal Brasileiro. Porém, devido ao caráter polêmico da proposta, rejeitada pela Igreja católica e por personalidades liberais, entre elas a própria Glória Perez, deixou de lado o assunto. Glória, inclusive, prevendo, como viria a se confirmar, a ineficácia a médio prazo da condenação dos acusados, iniciou uma campanha nacional para mudar o Código Penal de maneira a evitar que assassinos réus primários pudessem gozar do privilégio da liberdade condicional. 

As especulações sobre o crime reduziram o caso a uma batalha melodramática do bem contra o mal que encobriu o debate sobre a responsabilidade da televisão – tema que seria retomado quatro anos depois, por ocasião da disputa entre o Poder Judiciário e as emissoras de televisão sobre o direito de transmissão do julgamento. A polêmica em torno da morte de Daniela Perez fortaleceu a noção de que as novelas influenciam e estimulam, positiva ou negativamente, comportamentos coletivos e individuais. 
  • Escrevi mais sobre o Caso Daniella Perez ➫ aqui.

Conclusão 


Importante para quem assiste novela é considerar que os temas abordados e a forma de abordá-los dependem da visão, da vivência e do incômodo que os temas sugeridos causam ou provocam no autor. É essa visão, juntamente com a interpretação do ator ou atriz, que é mostrada para o telespectador. Para tornar atrativos os desejos e pensamentos, todos os envolvidos precisam 'exagerar' as interpretações, criar textos e imagens de impacto e compor as cenas com imagens e cores que provoquem os afetos de quem assiste. 

Assim, o telespectador tende a envolver-se com essas formas de comunicação e tem dificuldade de distanciar-se e separar o "real" da "ficção" criada para envolvê-lo. Por exemplo, ao meu ver, Glória Perez não influencia ninguém sobre as questões polêmicas envolvendo o tema da transexualidade. O tema já está sendo debatido pela sociedade. Ela apenas aproveita-se de sua atualidade para abordá-lo em sua trama. 

A novela é uma obra audiovisual que resulta de um multiálogo e faz a mediação da relação entre produtores e receptores, incorporando uma gama de significados possíveis, nem sempre intencionais. Telespectadores podem compreender certos produtos de diferentes maneiras. Profissionais especializados em comentar televisão na própria tevê, no rádio, ou na mídia impressa, figurinistas, músicos que compõem trilhas sonoras, fãs, pesquisadores de mercado e outros profissionais podem ser considerados 'mediadores' nesse processo de produção de significados.

Assim, levanto algumas reflexões relevantes: 
  • Que mecanismos convencionais de produção e recepção se estabeleceram na história recente do País? 
  • Como essas convenções de produção e recepção captam e expressam mudanças em curso? 
  • Em que medida a história privada de personagens definidos nos marcos do melodrama se tornou referência para a definição de tipos ideais nacionais de comportamento? 
  • Como pensar as relações entre produtores, criadores, Estado e receptores?
  • Em que medida se estabelecem laços de cumplicidade entre consumidores e produtores que vão definindo de maneira sempre distorcida e desigual os significados produzidos? 
Por fim, a novela é uma ficção que trabalha com histórias da realidade cotidiana, cabe, por isso, ao telespectador a decisão de esforçar-se para criar as devidas distâncias e criar a sua própria opinião sobre o que assiste, sem deixar de apreciar a arte dos folhetins e a interpretação dos personagens. 

A Deus toda glória. 
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade.

3 comentários:

  1. Gostei e achei a forma como você aplicou essa matéria muito esclarecedora e, seria interessante se todos os brasileiros não assistisse mais qualquer programa dessa emissora, porque ela só apresenta lixo para a população.

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  2. Já que estamos no assunto, gostaria de solicitar a você que desse uma olhadinha pra mim como ficou o ibope da globo no dia 17/10/2017 quando ouve uma notícia circulando no ZAP para ninguém durante 24 hrs daquele dia assistisse à qualquer programação dessa maldita emissora. "se for possível" é claro.

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  3. Obrigado por sua participação, pr. Valter. É um enorme prazer tê-lo como um dos seguidores de minha página. Sobre o que me solicitou, eu enviei a resposta via WhatsApp. Um abraço.

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