Através de evidências arqueológicas, os pesquisadores examinaram primeiro o modo como as emoções emergiram em nossos antepassado seis milhões de anos atrás, quando o ancestral comum dos homens e dos chipanzés vivenciou o despertar dos primeiros sentimentos. Eram eles empatia em relação a outros animais e motivação para ajudá-los, ilustrados por gestos como, por exemplo, mover um galho para que passassem.
Depois, cerca de 1,8 milhão de anos atrás, o Homo erectus integrou o sentimento de compaixão com o pensamento racional através de ações como cuidar dos doentes e dedicar atenção especial aos mortos, demonstrando luto e desejo de suavizar o sofrimento alheio.
Entre 500 mil e 40 mil anos atrás, o sentimento evoluiu e os primeiros seres humanos, como o Homo heidelbergensis e o Neanderthal, já demonstravam compromisso com o bem-estar dos outros, o que pode ser comprovado através de uma adolescência longa e a dependência em caçar juntos.
Algumas evidências que reforçam a tese são os restos de uma criança com anormalidade cerebral que não foi abandonada e viveu até os 5 ou 6 anos de idade, e de um indivíduo com um braço atrofiado, pés deformados e cegueira em um olho que viveu por 20 anos.
De 120 mil anos atrás pra cá, a compaixão dos seres humanos foi estendida para estranhos, animais, objetos e conceitos abstratos, segundo a pesquisa.
Violência, uma doença contagiosa
Ao longo da história, nós humanos demoramos muito para entender as epidemias. Não porque não investíamos ou não nos preocupávamos. O problema é que fazíamos o diagnóstico errado. O mesmo acontece hoje com a violência. Se não conseguimos entender suas motivações, não entenderemos suas causas.
Pesquisadores concluíram que depois de uma década combatendo epidemias na África, perceberam que os mapas de densidade populacional que os ajudaram a explicar a disseminação delas no continente eram muito parecidos com os mapas que mediam casos violentos em Nova York e Detroit. Notaram então que a violência é uma doença contagiosa assim como a malária, a cólera e a tuberculose.
Ela se espalha por meio de brigas de rua, estupros, assassinatos e suicídios. Um tipo de violência provoca outro. É como um ciclo. Se quisermos revertê-lo, temos de atacar o germe antes que se espalhe e se torne uma infecção — e contamine outras pessoas.
Em 2000, deram início a um projeto-piloto de contenção da violência em Chicago, no distrito de West Garfield, na época um dos mais violentos dos Estados Unidos. Foram contratados interruptores de violência para atuar igual a agentes de saúde diante de casos iniciais de gripe aviária. Eles faziam visitas diárias a líderes de gangues e grupos violentos, além de seus amigos e familiares, e davam conselhos úteis como orientações para empregos.
Em um ano, West Garfield viu o número anual de tiroteios cair 67%. Com a expansão da iniciativa para toda a Chicago, o número de assassinatos caiu de 628, em 2000, para 435 em 2010. O sucesso levou o programa a ser expandido para outras 15 cidades americanas e outros sete países, incluindo o Iraque.
Com uma sociedade mobilizada e formadores de opinião bem preparados, podemos curar a violência. Assim, com estratégias pautadas em métodos científicos, quem sabe possamos ser vistos como a geração que encontrou a solução para um problema crônico. Do mesmo modo que os médicos do século 19 fizeram com a cólera ao descobrir que a doença não era produto de sujeira e imoralidade, e sim da atuação de um simples bacilo.
Mas, até que cheguemos a este nível de evolução iniciado lá nos tempos da caverna...
O massacre de Manaus
O ano de 2017 se abre à sombra de um novo massacre. Os acontecimentos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, são mais uma bomba que estoura por acúmulo de desumanidade. Estamos cultivando sementes envenenadas de violência.
"Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reação violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e econômico é injusto na sua raiz.
Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça. Se cada ação tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte" (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, 59).
Este foi mais um comentário digno de aplausos do Papa Francisco, ao comentar sobre essa barbárie que resultou na morte brutal de 56 detentos. As imagens horripilantes de pilhas de corpos despedaçados, mergulhados em um enxurrada de sangue estão circulando na internet e sendo compartilhadas em redes sociais. As vítimas, presos condenados por assassinatos, estupros e pedofilia. Os assassinos, presos condenados por envolvimentos em tráficos de drogas e líderes de associações criminosos: nada mais nada menos que seres humanos.
Muitos são os que estão aplaudindo, afinal, "esses caras não mereciam mesmo viver". Mas, será que algo que mereça aplauso? Como se alegrar ou ficar indiferente diante de cenas tão estarrecedoras? E as famílias das vítimas?
"E conhecereis a Verdade e Verdade vos libertará"
Certamente muitos nos bairros à margem das grandes cidades, também em Manaus, tentam conjugar o Evangelho com a defesa dos direitos humanos e propostas de esperança para pessoas que a sociedade já está encaminhando para o descarte.
Promover a justiça, socorrer a vítima, recuperar o preso é proteger a sociedade. Defender privilégios, alimentar a sede de vingança e segregar os condenados em contextos alienantes e desumanos é envenenar nosso próprio futuro.
Direta ou indiretamente, todos estamos condenamos a barbárie das facções que encomendaram mais essa chacina. O primeiro apelo à não violência é para cada pessoa privada de liberdade: mesmo se amontoada nessas "fábricas de tortura" que criam monstros, cada pessoa encarcerada tem ainda o dever de optar pela vida, gritar com dignidade e sem violência por justiça e respeito, preparar na conversão seu futuro.
Repudio a hipocrisia do Estado que descarrega suas responsabilidades sobre a guerra entre clãs rivais. O Brasil já foi denunciado à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) por superlotação e denúncias de maus-tratos nas cadeias.
Há meses estava se vislumbrando a ascensão dessa onda de violência no norte do País, mas o poder público foi totalmente omisso a respeito.
Temos a quarta população carcerária do mundo e, se continuarmos nesses ritmos, em pouco mais de 50 anos um em cada 10 brasileiros estará atrás das grades. O encarceramento em massa não pode ser a solução contra a violência de nossa sociedade!
Conclusão
Como cristãos, é indigno que fiquemos insensíveis a esse massacre. É preciso apelemos à sociedade inteira, e aos cristãos em particular por sua missão de testemunhas do amor, misericórdia e da graça: não vamos cair nós também na banalidade da violência, na espiral da vingança injetada pelo medo. Não sejamos cúmplices de soluções fáceis, que continuarão replicando essas cenas de morte. Já que não vi manifestação por parte dos líderes evangélicos, novamente volto a fazer da fala prudente e equilibrada do líder da Igreja Católica:
"Hoje, ser verdadeiro discípulo de Jesus significa também aderir à sua proposta de não-violência. Esta, como afirmou Bento XVI, 'é realista pois considera que no mundo existe demasiada violência, demasiada injustiça e, portanto, não se pode superar esta situação, exceto se lhe contrapuser algo mais de amor, algo mais de bondade. Este "algo mais" vem de Deus'.
E acrescentava sem hesitação: 'a não-violência para os cristãos não é um mero comportamento tático, mas um modo de ser da pessoa, uma atitude de quem está tão convicto do amor de Deus e do seu poder que não tem medo de enfrentar o mal somente com as armas do amor e da verdade. O amor ao inimigo constitui o núcleo da 'revolução cristã'".
Vamos acordar, Igreja e sair das cavernas da covardia, do encarceramento da omissão. Se a violência é uma doença, nós temos a cura. Cabe a nós uma palavra nova, corajosa, capaz de reconciliar essa sociedade a partir de estruturas mais justas e inclusivas.
"Então, dirá o Rei a todos que estiverem à sua direita: 'Vinde, abençoados de meu Pai! Recebei como herança o Reino, o qual vos foi preparado desde a fundação do mundo. Pois tive fome, e me destes de comer, tive sede, e me destes de beber; fui estrangeiro, e vós me acolhestes. Quando necessitei de roupas, vós me vestistes; estive enfermo, e vós me cuidastes; estive preso, e fostes visitar-me'.
Então, os justos desejarão saber: 'Mas, Senhor! Quando foi que te encontramos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te saciamos? E quando te recebemos como estrangeiro e te hospedamos? Ou necessitado de roupas e te vestimos? Ou ainda, quando estiveste doente ou encarcerado e fomos ver-te?'. Então o Rei, esclarecendo-lhes responderá: 'Com toda a certeza vos asseguro que, sempre que o fizestes para algum destes meus irmãos, mesmo que ao menor deles, a mim o fizestes'.
Mas o Rei ordenará aos que estiverem à sua esquerda: 'Malditos! Apartai-vos de mim. Ide para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos. Porquanto tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e nada me destes de beber. Sendo estrangeiro, não me hospedastes; estando necessitado de roupas, não me vestistes; encontrando-me enfermo e aprisionado, não fostes visitar-me'.
E eles também perguntarão: 'Mas Senhor! Quando foi que te vimos com fome, sedento, estrangeiro, necessitado de roupas, doente ou preso e não te auxiliamos?' Então o Rei lhes sentenciará: 'Com toda a certeza vos asseguro que, sempre que o deixastes de fazer para algum destes meus irmãos, mesmo que ao menor deles, a mim o deixastes de fazer'. Sendo assim, estes irão para o sofrimento eterno, porém os justos, para a vida eterna" (Jesus Cristo, Mateus 25:34-46, grifos meus).
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