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quinta-feira, 2 de junho de 2022

EU NÃO ME ESQUECI — O CASO ISABELA NARDONI

A morte da menina Isabela Nardoni, assassinada aos cinco anos pelo pai, Alexandre Nardoni, em um condomínio de São Paulo, em março de 2008, completou 14 anos no último dia 29 de março. 

Além do pai, a madrasta da menina, Ana Carolina Jatobá, foi acusada de participação no caso. Os dois foram condenados, somando as penas, a 56 anos e dez meses de prisão e cumprem sentença em regime semiaberto na penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo.

Relembre o caso


No dia 29 de março de 2008, Isabella foi jogada do sexto andar por seu pai, Alexandre Alves Nardoni. A menina, de cinco anos na época, estava sob tutela de seu pai em um sábado na cidade de São Paulo. 
Laudos da perícia dão conta de que Isabella sofreu agressões de Alexandre e de sua madrasta, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá no carro enquanto o casal e a criança estavam voltando para casa.

Vizinhos deram depoimentos de que no dia em que a menina foi jogada houve uma discussão em tom muito agressivo entre o casal. Há também relatos de vizinhos que ouviram gritos da criança, que pedia para seu pai parar.

De acordo com os peritos, ela estava sangrando quando chegou ao apartamento do pai. Havia gotas de sangue espalhadas pela casa e no colchão do quarto em que foi jogada. Também haviam marcas de enforcamento em seu pescoço compatíveis com a mão de sua madrasta. Além disso, havia sangue no tênis de Ana Carolina e no chinelo de Alexandre Nardoni.

Ana Carolina Jatobá foi condenada a 26 anos e oito meses de prisão por homicídio triplamente qualificado. Alexandre Nardoni foi condenado a 30 anos e dois meses. Os dois ficaram presos na cidade de Tremembé, no interior de São Paulo.

Repercussão midiática


O caso ganhou grande repercussão nacional e até internacional, pois se tratava de uma criança de cinco anos de idade que, segundo a polícia, foi estrangulada pela madrasta e atirada do sexto andar do prédio pelo pai. 

O casal negou a autoria do crime e produziu uma versão para o fato que, segundo a polícia e os peritos criminais, teria o objetivo de afastar a culpa e a suspeita que desde o princípio pesou sobre eles.

O julgamento do casal ocorreu em março de 2010, ou seja, dois anos depois da morte de Isabella, e o tribunal do júri ao final do julgamento considerou ambos culpados pela morte da criança. 

Uma grande massa acompanhou o caso tanto pela televisão, rádio, revistas e livros, quanto se deslocando diretamente a locais tais como o edifício do crime, as casas de parentes dos envolvidos, as delegacias e o fórum de Santana, principalmente durante os cinco dias de julgamento do caso.

O caso Isabella Nardoni ficará gravado na mente de muitos de nós por muito tempo. É um caso diferente, novo, a ponto de mobilizar uma sofisticada perícia criminalística, como na série CSI; e sensibilizar a atenção de advogados e promotores forenses. Esse crime aturdiu e ainda causa comoção na população brasileira.

Deixando todo sensacionalismo de lado, a morte desta criança recoloca o dedo sobre uma outra ferida, a meu ver, tão grave como essa do assassinato, que goteja rastros de sangue quase imperceptíveis à reação química do luminol. Refiro-me à violência doméstica.

Família em perigo


Últimas imagens da pequena Isabela com vida na noite do crime
A família sofre faz tempo com essa prática que se esconde sob uma capa de invisibilidade. Quando não deixa marcas físicas, o agressor sempre deixa traços latentes em sua vítima.

As tatuagens psicológicas, impressas na psique de crianças e adolescentes, se não detectadas e tratadas a tempo, se tornam um inferno dantesco, real e onipresente ao longo da vida dessas pessoas.

Esta constatação não é fruto de uma elaboração antropológica. É resultado de alguém que, ao longo de quase três décadas de fé cristã, já viu de tudo um pouco. Inclusive acompanhando pessoas em processo de degradação e violência familiar. 

Quando esse mal da violência se instala na família as crianças são o alvo predileto de pais e mães encolerizados, que buscam uma vítima para expiar seus insucessos profissionais ou amorosos.

Como cristão-protestante não posso ficar de fora desse ambiente de discussão presente na sociedade civil, às voltas com esse acontecimento trágico. Existe um clima fúnebre no ar, um sentimento de indignação e espanto por parte das pessoas. 

Indignação porque, de novo, a vítima se trata de uma criança. Espanto porque há indícios e provas cabais que apontam para o pai e a madrasta como os prováveis agressores.

É isso que tem consternado a todos nós e sensibilizado a sociedade brasileira. O povo, nas ruas, clama por justiça. Não quer impingir um julgamento precipitadamente. Mas se impacienta e fica irrequieto devido a forma e onde a criança Isabella morreu.

Certamente este caso não é mais um envolvendo a morte prematura de uma criança. O pano-de-fundo que embala a cena do crime tem a ver com rivalidade, ciúme, briga, violência e um assassinato, segundo os autos do inquérito. 

O que torna chocante o caso de Isabella Nardoni é o fato de que este crime ocorreu "num lugar quase insuspeito", "menos improvável" para a cena de um crime: a casa, o espaço doméstico. Esse reduto comunitário e seguro que convencionalmente denominamos família foi novamente golpeado.

Essa é a geografia dessa trama sangrenta. Isabella não morreu na rua, na praça, não foi sequestrada e morta no bairro em que morava. Seu crime se deu exatamente na esfera da família. Foi exatamente aí o lugar em que a tragédia se abateu, dentro e não fora dessa bolha supostamente protetora.

A forma como se deu e o lugar em que foi praticado tal crime põe em xeque o modelo que nutrimos acerca da família. Neste, a família surge designando uma unidade espiritual, fundada nos laços de consanguinidade. 

Representa, assim, um espaço de crescimento e de maturação dos seus membros. É concebida como um espaço em que deve reinar a segurança, o bem-estar, a harmonia, a proteção.

Porque não esquecer?


Edifício onde morava a família Nardoni.
A garota foi atirada do sexto andar.
Família, segundo a noção mais rasa que temos, é o espaço ideal para o encontro, conforto e fortalecimento do grupo. 

No caso de Isabella Nardoni, e de muitos outros lares no Brasil, a morfologia do crime se circunscreveu exatamente neste espaço. 

O núcleo doméstico, uma vez mais, foi desmascarado e se transformou num palco em que atos de violência e de crueldade ocorrem mormente dentro dele.

Os espaços domésticos vivem às moscas em nosso país, debaixo de uma falsa proteção. 

Gangrenam, estão fragilizados, ameaçados de morte. Quem, em sã consciência, poderia suspeitar que o lar, ou a família, acabaria por se tornar num ambiente marcado pela disputa, pela tortura e pelo horror? 

O que dá destaque a esse crime, ainda, é que ele aconteceu no interior de uma família de classe média de São Paulo, oriunda de advogados, cuja função é a de cumprir a lei e de estabelecer a justiça.

O lugar vivencial em que este crime aconteceu também desbanca uma outra tese, conforme a qual a violência ocorre com regularidade em lares situados nos "bolsões da miséria", os chamados "lares favelizados", os quais não possuem estrutura psicossocial para manutenção e cuidado dos seus pares.

Os lares desses desvalidos fora identificado como o epicentro a partir do qual e graças ao qual se irradiava a violência para além dos contornos urbanos. Hoje essa formulação é insustentável, já não diz mais nada. 

O caso Isabella Nardoni, assim como outros crimes iguais ao seu, demonstra que o fenômeno da violência familiar e urbana não pode ser entendido hermeticamente, mas de modo pluridisciplinar.

Os altos índices de violência doméstica — que atingem milhares de crianças, é transfronteiriça. Sequer tem cor, raça, estratificação social, credo religioso. Espraia-se por todos os lados, perpassando todos os níveis da cultura e família brasileiras.

Minhas considerações acerca desse caso


Analisando panoramicamente esse tipo de problemática, o da violência familiar — que está presente nas "melhores" e "piores" famílias - quantas Isabellas de classe média urbana ou não, ontem e hoje, não são arremessadas pela insensibilidade e frieza das famílias? 

Quantas não são jogadas pela janela da fome? Estranguladas pela violência em nosso país? Lançadas pela janela da discriminação? Abandonadas, exploradas e marginalizadas pela própria família? Quantas não são obrigadas a serem adultas antes do tempo, muitas das quais obrigadas a dizer o que não querem, a serem "artistas mirins", ou no farol, a trabalhar feito gente grande?

Nossa sociedade não tem dado às crianças o direito de serem o que são. Não se criam ambientes salutares para que cresçam e sejam felizes. Cansamos de tanta violência contra crianças, adolescentes, mulheres. 

Precisamos impedir e denunciar os crimes contra esses grupos de pessoas. É hora de denunciar os crimes velados, os pecados acobertados, que são praticados pelos adultos no interior das casas, ora contra os pequeninos, ora contra a mulher, de uma forma oculta e silenciosa.

Acima desse espírito denunciador, temos também que conscientizar as pessoas para que se desarmem, que abram mão da cultura da violência, que impregna o espírito do nosso tempo. Precisamos dizer a elas que evitem pagar na mesma moeda. 

Temos de apelar ao bom senso dos indivíduos, assim como Cristo apelou à consciência de Pedro, depois de ter decepado a orelha do soldado Malco. 
"Abaixa a espada, Pedro. Pra que tanta violência? Desarme-se, renuncie ao espírito vingativo! Quem usa da violência, quem dela se banha, pelas mãos da violência morrerá" (Paráfrase de Mateus 26:52).
Em Cristo não há espaço para vingança, marcas de sangue, ocultamento de cadáveres. O homem precisa parar de ser o devorador de si mesmo. Precisa parar de se violentar e estancar o sangue que jorra da própria carne. Chega de agir barbaramente, de encurtar a vida e o tempo das pessoas, sobretudo o das crianças.

É preciso, por outro lado, cuidar das famílias que passam por situações de agressão e violência. A igreja precisa ser um espaço terapêutico. Necessitamos cuidar ou encaminhar pessoas machucadas para tratamento médico, psicológico ou pastoral, dependendo de que caso for. 

Precisamos defender crianças exploradas, maltratadas pelos pais, tios(as), irmãos(ãs), sobrinhos(as). Precisamos orar pelas famílias brutalizadas e sem motivação para prosseguir.

Não quero crer que um pai arremessou sua filha pela janela de seu apartamento tomado por uma onda de impulsividade. Tal ato é reprovável até para os que atiram latas de cerveja da janela dos prédios. 

Porém se ao término do inquérito policial ficar comprovado que a madrasta asfixiou a menina e seu pai a arremessou viva do sexto andar do prédio em que moravam, aí só ficará patenteada a minha suspeita e consternação: a família toca uma melodia agônica, uma nota de medo, agonia e dor.

Se realmente essa família assassinou essa criança, e todos os laudos apontam para isso, caso me perguntem como a família pode ser definida hoje, darei uma resposta ao modo socrático: só sei que nada sei, ela escapa a toda definição. 

Não tenho mais respostas prontas para perguntas como essas, aparentemente simples e triviais. É bem provável também que, daqui a pouco, acima de nossas revisões normativas e conceituais tenhamos de repensar, fundamentalmente, as nossas práticas familiares.

Conclusão


Alexandre Nardoni em entrevista à revista IstoÉ — 09/08/2013
Por fim, é interessante notar que a mídia, de modo geral, porém especialmente a televisiva por alcançar de maneira instantânea grande parte da população, tem buscado ocupar um papel de promotora de justiça, a partir de um jornalismo dito investigativo ou de programas que têm como foco fazer denúncia de irregularidades nas esferas do público e do privado, almejando restituir assim a lei, a lei, como dissemos, de um pai falido, quando ocorre um crime. 

No entanto, como anteriormente abordado, somente a justiça na figura, por exemplo, do juiz, dos jurados, da sentença, pode restaurar a ordem simbólica, substituir esse pai que falhou, sendo então o terceiro elemento interditor. No entanto, a realidade mostra que a justiça não chega a todos e não se faz presente em relação a todos os crimes praticados pelos homens, ou ainda, ela tem seu próprio ritmo de tempo para se concretizar na realidade. 

Anna Jatobá, em entrevista à revista Istoé — 09/08/2013
Nessa lacuna, entre a queda e a possível restituição da lei, entra então a mídia, ora se mostrando como a única solução para que as autoridades se sintam pressionadas a darem uma resposta mais rápida para os casos, ora se antecipando a própria justiça e decretando sua própria visão do que é justo ou injusto, do que é certo ou errado, na maioria das vezes, interpretando de forma rígida as situações, funcionando, portanto, mais como vingança do que como justiça, pois geralmente não há espaço para o contraditório, para outras interpretações, outras versões, principalmente daqueles que estão sendo acusados.

Para os espectadores, pode não restar alternativa, sendo que frequentemente é mais satisfatória uma interpretação dos fatos do que nenhuma, ainda mais se essa interpretação concorrer para a realização de desejos sexuais/agressivos por parte dos espectadores, fato que, coincidentemente, na maioria das vezes, sobrevém.

Espero que o caso Família não seja arquivado com o encerramento do caso Isabella Nardoni. Mas que esse caso retifique que a família está doente, está mal, e que necessita de um corte, de um tratamento, de uma intervenção rápida e imediata. Deus nos ajude a tratar e a cicatrizar as feridas familiares, para que continuemos a acreditar e apostar as nossas fichas nela.

Torço para que a mãe dessa menina refaça seu caminho, renove suas forças e encontre meios para superar um luto que não é só dela. Esse luto é nacional. É de todas as famílias que são assoladas pela violência doméstica, que sonham com uma família na qual não sejam aviltadas as malhas da esperança, que lutam para que não sejam cortadas as redes (finas) de proteção.

Caso Isabela Nardoni, eu não me esqueci e você?

[Fonte: Enfoco, por Saulo Junior; Universidade Metodista de São Paulo, por Jesus Tavernard Júnior docente no Instituto Metodista da Amazônia (IMAM); Pepsic Periódicos Eletrônicos em Psicologia, por Gustavo Adolfo Ramos Mello Neto, Telry Shodyi Nakamura]

A Deus toda glória.
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