Morreu nesta quinta-feira (20/01) a cantora e compositora da música brasileira Elza Soares, aos 91 anos, de causas naturais. Ícone da música brasileira Elza se tornou uma artista singular, de voz inconfundível e incomparável. Ao longo de mais de seis décadas de carreira, cantora lançou 34 discos e se manteve na ativa e engajada politicamente até o fim da vida.
Vida cantada
Dia 08 de março de 2020, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, em uma semana os espaços de lazer estarão fechados e o convívio público estará restrito (ou pelo menos deveria ter sido assim) por conta da maior pandemia mundial desde a gripe espanhola de 1918.
Enquanto isso não ocorreu, no palco do Auditório Araújo Viana em Porto Alegre, uma mulher negra cantava com toda a potência de sua voz:
Aquelas palavras, ecoadas na melodia forte de Elza Soares emocionaram o público presente profundamente. A sensação de finitude martelava as cabeças como a ideia proferida pelo filósofo alemão Ludwig Feuerbach (☆1804/♰1872) de que
"a morte é um fantasma, pois só existe quando não existe".
Elza estava ali, Elza existia, Elza superou tudo e, aos 89 anos, sabia muito bem o que dizia ao cantar que
'...Tem um Brasil que soca / Outro que apanha'.
Elza apanhou muito dos homens e da vida.
O nascimento de uma estrela
Histórias de uma vida
Aos cinco anos de idade, Elza diz ter visto São Jorge, prometeu ao Santo que seria uma "menina boazinha" se ele pedisse ao pai que não batesse mais nela. Eis que o santo respondeu que ela iria apanhar mais da vida do que do próprio pai.
Foi forçada a casar aos 13 anos. Em meio a um relacionamento marcado pela violência doméstica e sexual, perdeu dois filhos por desnutrição.
Viúva aos 21 anos, teve uma filha sequestrada (recuperada apenas 30 anos depois) e encarou o preconceito de Ary Barroso (☆1903/♰1964) quando, em 1953, foi se apresentar em seu programa de calouros usando um vestido largo da mãe ajustado com alfinete e uma sandália velha.
Soltou a voz e cantou
'Se eu quiser fumar eu fumo / Se eu quiser beber eu bebo / Não me interessa mais ninguém / Se o meu passado foi lama / Hoje quem me difama / Viveu na lama também'.
Os versos de "Lama", música de Paulo Marques e Aylce Chaves, cantado por uma jovem negra que em nenhum momento se deixava abalar lhe renderam a nota máxima e a pergunta feita pelo apresentador:
"De que planeta você veio?"
A resposta foi:
"Do planeta fome".
A partir daquele momento parecia que a sua fome de ser feliz seria saciada.
Elza e Garrincha
Uma conturbada história de amor
Conheceu Garrincha (☆1933/♰1983), por quem se apaixonou. Foram amantes e após um ano nessa relação, Elza exigiu que Mané escolhesse ou ela ou a sua esposa.
O "gênio das pernas tortas" ficou com ela. Casaram, viveram o preconceito de uma sociedade hipócrita e a violência da Ditadura Civil-Militar.
Elza havia cantando no Comício da Central do Brasil em apoio às Reformas de Base. Teve sua casa metralhada e com medo foi para o exílio. Voltou e deu à luz a Manoel Francisco dos Santos Júnior, o Garrinchinha, único filho do casal, que viria a falecer aos 9 anos.
Nos anos em que esteve com Garrincha, Elza atingiu a glória musical. Cantou e encantou mundo à fora. Porém, em casa viveu o drama de um marido alcoólatra e violento. Separou-se em 1982. Garrincha viria a falecer em 1983, vitimado pela cirrose hepática.
Superação
Nos anos que se seguiram à morte de Mané e do filho, Elza, deprimida, diminuiria o ritmo de sua carreira, contudo, não a abandona. Dá a volta por cima, reconstrói a vida, encontra um novo amor, mas não casa
("Para quê? Amor não precisa de conveniências").
Entra no novo século denunciando que
e afirmando
''Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim'.
Promove o encontro das melodias de Lupicínio Rodrigues (☆1914/♰1974) com Baiana System, BNegão e Flávio Renegado, da MPB com o Rap Nacional, das periferias dos séculos XX e XXI.
Agrega na luta contra o "Planeta Fome" (álbum de 2019), as lutas contra o machismo, o racismo e a homofobia. Canta o desejo de querer
"ver o seu povo de cabeça em pé".
Lança 5 álbuns, ganha um Grammy Latino, é eleita a voz do milênio, pela BBC de Londre, ganha também um título de Doutora Honori Causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, uma homenagem da Escola de Samba Unidos do Cabuçu e outra da Mocidade Independente de Padre Miguel, bairro onde nasceu.
Assim, Elza Soares, a mulher do fim do mundo, gestada no Planeta Fome, que transformou as dores, as injustiças, a violência e até mesmo o amor em potência criativa, venceu todos os seus desafios em nove décadas de intensidade e superação.
Canta, Elza, até o fim...
Em março do ano passado, Elza Soares comemorou ao tomar a segunda dose da vacina contra a covid-19. E ao mesmo tempo lamentou por tanta gente que morreu sem receber a imunização em tempo.
"Essa doeu! Não na carne, mas no peito. Doeu e dói, quando penso nas pessoas que não terão a mesma chance de tomar a vacina a tempo. Quantas famílias sonharam com essa cena, mas não deu tempo. Queria comemorar (a segunda dose), mas não seria justo. Meu coração tá com vocês."
Em 2016, aos 85 anos, ela desfilou por uma hora com o bloco Ilú Obá de Min, conduzida pelo centro de São Paulo.
"Ser negra, mulher e brasileira é para mim um grande orgulho e minha maior missão. Que todas as mulheres sejam homenageadas. Somos a grande força do mundo e nosso caminhar é sagrado.
Me sinto pequena quando recebo homenagens, mas esta me faz gigante, pois é a celebração de toda mulher brasileira. Todo meu amor e axé para as mulheres do Ilú",
disse.
Conclusão
Ao longo da vida, sobretudo nos últimos anos, a cantora dedicou sua voz a causas sociais, raciais e feministas.
Um de seus últimos trabalhos foi o disco "Deus é Mulher". Por isso, em 2019, Elza recebeu título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Assim, foi a primeira vez que uma artista mulher e negra recebeu essa distinção na universidade. Elza é uma das lendas da canção brasileira e uma das vozes mais icônicas e eloquentes na luta contra o preconceito, a discriminação e o racismo.
Sem dúvida alguma, Elza Soares foi uma artista singular e merece ter seu nome escrito nas estrelas, aliás, não é exagero dizer que ela é uma delas.
[Fonte: Claudemir Pereira, por Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro "Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964)"]
A Deus toda glória.
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E nem 1% religioso.
O uso correto da máscara não precisava ser obrigatório, por se tratar de uma proteção individual extensiva ao coletivo. É tudo uma questão não de obrigação, mas de consciência.
Respeite a etiqueta e o distanciamento sociais e evite aglomerações. A pandemia não passou, a guerra não acabou.
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