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segunda-feira, 19 de julho de 2021

ACONTECIMENTOS — A CHACINA DE ACARI: QUEM MATOU, ONDE ESTÃO OS 11 CORPOS?

Já ouvimos ser dito inúmeras vezes que o Brasil é o país da impunidade. É muito difícil a gente encontrar alguém que porventura não tenha sido ou que não conheça alguém que tenha sido vítima de alguma ocorrência de violência. 

Exceto os crimes que ganharam a visibilidade midiática e, por isso causaram comoção nacional e mobilização pública, a maioria dos crimes acaba por virar apenas números nas estatísticas que medem a grassante e incontrolável escalada da violência. Só que, para as famílias das vítimas, por detrás de cada um número frio desses, tem muito mais que um nome: tinha uma vida!

Somente no primeiro semestre deste ano, 26.126 pessoas foram assassinadas no Brasil, segundo o índice nacional de homicídios criado pelo G1, uma ferramenta que permite o acompanhamento dos dados de vítimas de crimes violentos mês a mês no país. O número de vítimas é ainda maior que esse, porque a estatística não comporta os dados totais de três estados (Maranhão, Paraná e Tocantins), que não divulgaram todos os números.

Além do alto índice de violência, o país enfrenta outro problema grave: a impunidade. Segundo o relatório Meta 2 – A impunidade como alvo – Investigação de homicídios no Brasil, do Conselho Nacional de Justiça, apenas entre 5% e 8% dos homicídios no país são solucionados. Isso significa que mais de 90% ficam impunes e sem solução.

A baixa eficiência na investigação e a consequente impunidade são fatores que contribuem para o aumento do número de homicídios, de acordo com o relatório.

Apenas em setembro deste ano, 4.032 pessoas foram mortas no Brasil por crimes violentos. A quase totalidade dos crimes esclarecidos decorre de prisão em flagrante e da repercussão do caso nos meios de comunicação.

As delegacias de polícia dedicam-se apenas aos homicídios novos. A imensa maioria dos inquéritos acaba paralisada nas delegacias de polícia, em situação de arquivamento de fato, o que contraria a legislação processual penal, que estabelece a necessidade de proposta do Ministério Público e acolhimento pelo juiz para os casos de arquivamento.

A falta de verba para contratação de pessoas qualificadas, material e manutenção de delegacias e equipamentos contribuem para a violência e a impunidade no país. O caso que trago hoje neste capítulo da série especial de artigos, é um desses casos emblemáticos que marcaram os anais da história criminal no Brasil, mas especificamente, na década de 1990, quando ocorreram várias chacinas.

O caso


No dia 26 de julho de 1990, um grupo de onze pessoas de Acari viajou para um sítio em Magé, na Baixada Fluminense, RJ,  para passar o fim de semana. Segundo investigações, foram sequestrados por policiais e continuam desaparecidos até hoje. 

Segundo informações, encontravam-se no sítio de Suruí naquele dia, além das onze pessoas, a proprietária do sítio, Laudicena do Nascimento, com 71 anos, e seu neto de 12 anos (idades à época dos fatos), únicos sobreviventes que, no momento da invasão à casa em Suruí, fugiram pelo mato.
 
De acordo com Laudicena, Wallace convidara vários amigos que residiam na Favela de Acari para passar uns dias no sítio de sua avó, porém, quando eles lá chegaram, ela e seu filho Hédio disseram para Wallace que não havia lugar para comportar tantas pessoas. 

No depoimento de Laudicena, sua casa foi invadida por volta da meia-noite, por policiais encapuzados que lá permaneceram por cerca de uma hora, destruíram móveis à procura de dinheiro e joias, sempre ameaçando a todos com suas armas.

Após supostamente negociarem a libertação de todos por meio de um pagamento, levaram as onze pessoas como reféns para um local abandonado, entre estas, seu outro neto, Wallace de Souza Nascimento, de 18 anos, e seu filho Hédio do Nascimento, de 30. Foram obrigados a entrar em uma Kombi de propriedade de Hédio, sendo as três meninas colocadas em um Fiat. Nunca mais foram encontrados.

Apesar da queixa ter sido registrada na 69ª DP de Magé, nenhum policial compareceu ao local para fazer o levantamento do crime — iniciava-se assim todo um procedimento discriminatório em relação ao caso, acredita-se que pelo fato das vítimas serem pobres e, entre eles, haviam três rapazes com passagem pela Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (Wallace e Moisés, o "Moi" e Luís Carlos Vasconcelos de Deus, o "Lula", 32 anos).

Os desaparecidos e suas respectivas idades à época:


  • 01] Viviane Rocha da Silva, 13 anos — filha de Márcia da Silva;
  • 02] Hudson de Oliveira Silva, 16 anos — filho de Euzilar Joana Silva Oliveira;
  • 03] Edson Souza Costa, 16 anos  —  filho de Teresa de Souza Costa;
  • 04] Rosana Souza Santos, 17 anos  — filha de Marilene Lima de Souza (falecida em 15/10/2012, vítima de tumor no cérebro) e namorada de "Lula";
  • 05] Cristiane Souza Leite, 17 anos — filha de Vera Lúcia Flores Leite (falecida em 10/08/2008) e namorada de "Moi";
  • 06] Antônio Carlos da Silva, 17 anos,  —  filho de Ana Maria da Silva;
  • 07] Luiz Henrique da Silva Eusébio, 18 anos, o "Gunga" — filho de Edméia da Silva Eusébio (assassinada no dia 15/01/1993 ao sair de um presídio no Centro do RJ, onde buscava informações sobre o caso, mais detalhes abaixo);
  • 08] Wallace Oliveira do Nascimento, 18 anos  —  filho de Maria das Graças do Nascimento;
  • 09] Moisés Santos Cruz, 26 anos, o "Mói"  —  filho de Ednéia Santos Cruz;
  • 10] Hédio Oliveira do Nascimento, 30 anos — filho de Laudicena Oliveira do Nascimento (falecida);
  • 11] Luiz Carlos Vasconcelos de Deus, 32 anos, o "Lula"  —  filho de Denise Vasconcelos.

Fatos que antecederam o desaparecimento


Segundo testemunhas, no dia 14 de julho de 1990, policiais fardados do 9º BPM invadiram a casa de Edméia, mãe de um dos desaparecidos no dia 26 de julho, prenderam Moisés, Viviane e Edson   —   também sequestrados no dia 26   —   exigindo o pagamento de CR$ 5 milhões e, que se a quantia não fosse paga, matariam todos. 

Mais tarde, reduziram o valor para CR$ 2 milhões, sendo pagos CR$ 1 milhão e 800 mil por Luís Carlos Vasconcelos   —   também desaparecido em 26 de julho. Alguns acreditavam que, por não terem completado o pagamento, armaram esse "passeio" para Magé.

Os suspeitos


A reportagem do Jornal O Dia, de 12 de setembro de 1993, noticiava que foram reconhecidos por fotos como autores desta invasão e extorsão os soldados Carlos Alberto de Souza Gomes, Eduardo José Rocha Creazola, o "Rambo", Evaldo Barbosa do Nascimento, Paulo Roberto Borges da Silva e Wilton Elias da Cunha, todos do 9º BPM de Rocha Miranda   —   3 três destes suspeitos de participação na Chacina de Vigário Geral, em 29 de agosto de 1993. 

Segundo um relatório, todos estes faziam parte de um grupo de extermínio denominado "Cavalos Corredores", supostamente liderado pelo, então, comandante do 9º BPM, Coronel Emir Larangeira, especialmente criado para o combate ao tráfico de drogas.

O grupo denominava-se "Cavalos Corredores" por sua entrada na favela fazendo barulho como se fosse uma tropa, espalhando terror pelas vielas, invadindo casas, extorquindo e agredindo pessoas. Uma reportagem do Jornal O Dia divulgou trechos de um documento do Serviço de Homicídio da Baixada Fluminense acusando o coronel Emir Larangeira de chefiar o referido grupo e de se proteger atrás da imunidade parlamentar. 

Algumas testemunhas, na época, acusaram vários policiais de extorquir moradores e violentar meninas, além de crimes de morte, bem como, denúncias de desvio de armas apreendidas do tráfico para serem utilizadas por grupos de extermínio formados por policiais militares.

Segundo Emir Larangeira, em entrevista publicada pelo jornal O Povo, só existe uma explicação para o crime: teria sido praticado por uma quadrilha rival, pois, na véspera do fato, um rapaz de alcunha "Jacaré", que estava junto com o grupo, com a desculpa de que estava com saudades do filho, resolveu ir embora do sítio. "Jacaré" estaria se unindo a uma nova quadrilha, em Parada de Lucas e, na verdade, dera as coordenadas para que seus novos parceiros executassem o crime.

O vai-e-vem das investigações


Em outubro de 1995 os jornais noticiavam que um ex-PM, identificado apenas como "C", apontou o Rio Inhomirim como o local onde os corpos foram abandonados pelo policiais, liderado pelo ex-detetive João da Silva Bistene, o "Peninha"   —   considerado o xerife da área, relatando que os policiais pegaram as pessoas no sítio, levaram as armas e o dinheiro e, depois, estupraram, mataram as meninas e esquartejaram os rapazes, jogando-os posteriormente no rio. Apesar disso, os policiais acreditavam que o local da desova era o Cemitério de Bongaba, em Piabetá, Magé, local onde foi encontrada a Kombi do filho de Laudicena.

A única pista do desaparecimento que os policiais tinham era a tal Kombi KK 5526, com a parte traseira queimada e manchas de sangue no seu interior, encontrada próximo ao cemitério de Bongaba em Piabetá. 

A perícia, no entanto, fora inconclusiva, pois, constava que o veículo era utilizada para o trabalho de Hédio, que vendia carne de porco, o que poderia justificar a quantidade e sangue encontrado no veículo. Tudo, obviamente, sem a devida investigação.

Em março de 1999, mais uma vez, denúncias reafirmaram que os corpos estariam no cemitério clandestino de Mongaba, exatamente onde tinha sido encontrada a Kombi do filho de Laudicena. As mães Vera e Marilene repassaram a denúncia a uma promotora de Magé que, a princípio, queria um geólogo para detectar as ossadas; este cobrou R$ 3.800 para realizar o trabalho   —   dinheiro que nem o Ministério Público (MP) e muito menos as mães tinham   —, tendo sido, contudo, conseguido rapidamente com o Ministro da Justiça, na época, Renan Calheiros (Ele mesmo!).

As mães de Acari


O movimento Mães de Acari surgiu na década de 1990, inserido no âmbito de muitas incidências de chacinas no Brasil. Formado por 11 mulheres negras   —   a maioria residente na Favela de Acari, Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro.

As mães das vítimas da chacina de Acari são: Edméia da Silva Euzébio, Marilene Lima de Souza, Vera Lúcia Flores Leite, Teresa de Souza Costa, Laudicena do Nascimento, a Dona Cena (mãe de Hédio  e avó de Wallace), Maria das Graças do NascimentoEuzilar Joana Silva OliveiraAna Maria da SilvaMárcia da SilvaEdnéia Santos Cruz e Denise Vasconcelos. É preciso ressaltar que essas mães são referenciadas como 
"as precursoras na luta contra o extermínio de jovens negros e a violência policial. Fizeram sua voz e sua luta ser ouvida no Brasil e no mundo. Muitas delas faleceram sem ter tido justiça"
As Mães de Acari refletem e dão ensejo às muitas estratégias de resistência face ao extermínio estrutural da população negra e periférica. Fazendo frente às políticas de segurança pública, essas mulheres emergem contra esse modo de intervenção violenta do Estado, apresentando a maternidade como um signo em disputa. 

O luto, fruto da violência, não permite pausas. É vivenciado na luta por memória, justiça, verdade e reparação. Esse luto, substantivo e verbal, é inscrito pelas alianças mobilizadas com o intuito de cobrar do Estado brasileiro o reconhecimento pelas mortes de seus filhos, interrompido pela luta por esclarecimento dos fatos, pela busca de diligências investigatórias efetivas e pela tarefa imensurável de preservação das trajetórias e histórias das vítimas. 

Eis o luto das mães e familiares, que carrega os corpos negros imemoriais, não registrados por uma sociedade pautada pelos valores civilizatórios racistas. O luto que também pode ser considerado histórico. O luto político. 

Assassinato de Edméia


Edméia da Silva Euzébio, 48 anos, era moradora da favela de Acari, era ex-presidiária, ex-mulher de traficante, que se envolveu em delitos no passado, levara um tiro na perna e teve dois filhos: Rosângela e Luiz Henrique Euzébio da Silva, o "Gunga", que foi sequestrado no sítio em Magé. Em 1990, Gunga, com 18 anos, estava prestes a servir o Exército. Às vésperas da convocação, arrumou as malas e viajou para o sítio com os amigos e nunca mais voltou.

Obcecada por encontrar seu filho, Edméia foi assassinada às 16h, com dois tiros na cabeça, ao sair do Complexo Penitenciário Frei Caneca, no Centro do RJ, após visitar Jorge da Silva, seu filho de consideração, na tarde do dia 15 de janeiro de 1993, mesmo ano em que aconteceram as chacinas da Candelária (julho) e de Vigário Geral (agosto). Testemunhas disseram que dois ocupantes de uma Parati vermelha com placa fria chamou Edméia e disparou.

Edméia foi morta na rua Júlio do Carmo, próximo à estação Praça Onze do metrô, enquanto Sheila da Conceição, de 25 anos, foi assassinada na esquina das ruas Carmo Neto e Afonso Cavalcante por ter testemunhado a execução.

Segundo as outras mães de Acari, ela comentara em seu depoimento na 10ª Vara Criminal do RJ, dez dias antes, que estaria recebendo ameaças e acusava Ubiratan da Cunha — que foi preso na Esmeraldino Bandeira nesta época —, Alberto Lacombe e Rubens "Jacaré" de terem participação na chacina de Acari, ajudando policiais civis e militares.

Edméia teria conseguido informações sobre a localização dos corpos dos desaparecidos em Acari. Os denunciados eram integrantes do "Cavalos Corredores" e estavam envolvidos com extorsões e outros crimes. Segundo Sueli Vieira, que trabalhava como parlamentar e foi localizada pelo coronel PM Walmir Brum, a reunião para matar Edméia teria ocorrido no gabinete do então deputado estadual Emir Larangeira, na Alerj— todos estes fatos foram noticiados pela mídia.

Arquivo morto, mas, não enterrado


O caso, que chegou a ser arquivado, passou por uma reviravolta em 2011, após o depoimento de nova testemunha. Ela contou que a reunião para matar Edméia teria ocorrido no gabinete do então deputado estadual Emir Larangeira, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). A data de julgamento dos acusados somente seria definida após o julgamento de possíveis recursos. Todos poderiam recorrer da decisão em liberdade. E, claro, o fizeram.

Em 2011, o Estado expediu a certidão de morte presumida de uma das vítimas, Viviane Rocha da Silva. Já em 25 de julho de 2010 ocorreu a prescrição desse emblemático episódio trágico do noticiário nacional: pessoas desaparecidas, corpos não encontrados, famílias destruídas, incerteza, angústia, assassinatos misteriosos, informações desencontradas, desinteresse, osquestração política, corporativismo, um sem número de substantivos, adjetivos e sentimentos, como impotência, humilhação, desprezo, negligência e esquecimento por parte das autoridades. Ao longo dos vários anos, o que essas mães ouviram das autoridades foi 
"não tem corpo, não tem crime".

Conclusão


À época, a mídia estigmatizou as vítimas, cunhando sobre elas paradigmas de criminalidade vinculados aos crimes contra o patrimônio e aos ilícitos de proibição de consumo e comercialização de entorpecentes. 

Uma das narrativas midiáticas atrelava a ocorrência do crime à tentativa dos sequestradores de extorquir dinheiro das vítimas e cobrar dívidas antigas relacionadas ao comércio de drogas. 

No dia 23 de julho de 2010, duas década depois dos fatos, centenas de pessoas se reuniram no Centro do Rio para realização da 17ª Caminhada em Defesa da Vida. A manifestação lembrou os 17 anos da chacina da Candelária e os 20 anos da chacina de Acari e reuniu várias organizações de defesa dos direitos do povo. 

Três dias depois, mais de 300 pessoas protestaram em frente ao Hospital de Acari contra o arquivamento da investigação da chacina de Acari. Essas foram demonstrações de que, mesmo com todos os obstáculos criados pelo Estado reacionário, a luta por justiça estava longe de chegar ao fim. 

Contudo, hoje, três décadas após a chacina de Acari, o crime não foi solucionado e os corpos das 11 vítimas nunca foram encontrados. Vida que segue, não para as 11 vítimas e suas famílias.


A Deus toda glória.
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E nem 1% religioso.
O uso correto da máscara não precisava ser obrigatório, por se tratar de uma proteção individual extensiva ao coletivo. É tudo uma questão não de obrigação, mas de consciência.
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