Uma das histórias mais conflitantes e confrontadoras da Bíblia, é a dos irmãos Caim e Abel, os primeiros filhos do casal Adão e Eva. É conflitante porque registra não só a ocorrência do primeiro homicídio, mas um crime cometido entre irmãos, um fratricídio. É confrontadora pois nos revela a clara aceitação de Deus pela oferta de Abel, da mesma forma que nos mostra a rejeição dEle pela oferta de seu irmão Caim. Quando lemos essa narrativa, é impossível não nos vir à mente a seguinte pergunta:
Porque Deus aceitou a oferta de Abel e rejeitou a de Caim?
Há muitas especulações nas interpretações teológicas referentes a esse respeito. Listo abaixo as principais linhas de pensamento:
- Deus se agradou mais da oferta de Abel porque ele tem uma clara preferência por sacrifícios que requerem o derramamento de sangue do que frutas e verduras. O sangue seria o elemento reconciliador entre Ele e os homens.
- Abel "fez exatamente o que Deus pediu" em oposição a Caim, que inventou algo de sua própria cabeça.
- A reação de Deus não tem a ver com o sacrifício, mas com o caráter dos dois homens. De acordo com 1 João (3:12), Caim sempre foi "malvado" e isso justificaria a rejeição que sofreu.
- A reação de Deus se justifica pela postura do coração de cada um dos irmãos na hora do sacrifício. Abel agiu com fé (Hebreus 11:4) ao passo que Caim não estava acreditando no significado de seu sacrifício.
- Deus preferiu Abel porque ele escolheu as primícias, o melhor do que tinha para oferecer, enquanto Caim não.
Não é o caso de se "escolher" opções. Obviamente, algumas dessas hipóteses podem ser compreendidas conjuntamente. Embora seja muito pequeno o registro sobre a passagem desses dois personagens no livro de Gênesis, elas são bastante enriquecidas pelas lições que deixaram para todos nós.
De acordo com os costumes daquela região, é normal que os nomes possuam uma interpretação. Entre outras, o nome Abel significa sopro, hálito e transitoriedade. Como a própria história se encarrega de mostrar, esse nome tem um cunho profético, uma vez que a vida desse personagem foi muito curta. O nome Caim, significa possuído, adquirido.
Eles foram os primeiros filhos de Adão e Eva e nasceram depois do pecado cometido pelos pais, envolvendo a serpente, provocando a sua expulsão do Éden. Isso não está querendo dizer que eles foram os filhos únicos do casal, por mais tarde a própria Bíblia se encarrega de afirmar que eles tiveram muitos irmãos (Gênesis 5:4).
Entendendo o contexto
O texto de Gênesis 4:1-7 relata a oferta que Caim e Abel apresentaram a Deus. Caim era agricultor e, Abel, pastor de ovelhas. Os dois ofereceram a Deus uma parte do fruto do seu trabalho.
Chamamos a atenção para alguns detalhes do texto bíblico. Como lemos no versículo 3, Caim
"pegou alguns produtos da terra e os ofereceu ao Deus Eterno".
No versículo 4 vemos que
"Abel, por sua vez, pegou o primeiro carneirinho nascido no seu rebanho, matou-o e ofereceu as melhores partes ao Deus Eterno".
Deus aceitou a oferta de Abel e rejeitou a de seu irmão. Logo temos a reação de Caim. Ele demonstra abertamente seu descontentamento com Deus. Caim deixou a inveja tomar conta de seus pensamentos. Transformou-se em um homem revoltado. Não aceitou a decisão de Deus.
Uma forma de interpretar esse texto poderia ser esta: Sendo Caim um agricultor, sua oferta representava o desejo de domínio sobre a terra. Abel, ao oferecer a ovelha, estava sinalizando o plano de redenção de Deus: a ovelha representaria Jesus Cristo.
Porém, essa interpretação não explica plenamente por que uma oferta foi aceita, e outra não. Mas então, qual o motivo para Deus aceitar uma oferta e rejeitar outra?
Caim não foi julgado pela oferta em si, mas pelo modo como andava a sua vida. Como estava seu coração? Qual era o seu real objetivo? Deus vê o coração e sabe das nossas intenções. Sabe quando a oferta é dada com alegria ou por obrigação. Uma oferta pode vir com a intenção de manipular, de barganhar.
Características pessoais
Diferente de Abel, que dedicou-se ao pastoreio de ovelhas, seu irmão Caim mostrou preferência pela atividade com a terra (4:2). Enquanto Abel mostrava-se um homem dócil, pacífico, cumpridor de seus deveres, Caim apresentava-se como uma pessoa temperamental e violenta.
A diferença entre as ofertas
De acordo com o início do capítulo 4 de Gênesis, vemos os irmãos procurando agradar a Deus com ofertas de sacrifício daquilo que possuía: Caim, que era lavrador, trouxe o melhor da terra para oferecer ao Senhor, enquanto que Abel, que era pastor, sacrificou uma ovelha que representava a primícia do que possuía.
Para começar, essas ofertas não eram motivadas por pedido de perdão por pecados, mas apenas atos voluntários de adoração, diferente do que mais tarde se configuraria as imolações de animais, uma vez por ano, buscando-se o perdão pelos pecados cometidos naquele período.
Conforme já vimos, há especulações, entretanto, a Bíblia não diz o motivo, mas afirma que Deus se agradou mais da oferta de Abel. Alguns comentaristas acham que é porque o sacrifício de Caim não envolvia derramamento de sangue, porém mais tarde o próprio Deus ensinaria que abençoava tanto as ofertas de cereais quanto as dos sacrifícios de animais (Levíticos 6:14-23). Dessa forma, conclui-se que Deus julgou a intenção, a motivação de cada um, e não o que ofereceram.
Uma outra forma de se estudar essa opinião divina é que o sacrifício de Caim era resultado do seu esforço produzido, o melhor da sua inteligência, enquanto que Abel teve o cuidado de ofertar o melhor do seu rebando, a primícia, o primeiro resultado.
Se quisermos espiritualizar um pouco sobre isso, diríamos que a oferta de Caim foi resultado do seu esforço sobre a natureza, intervindo sobre o que já existia, enquanto que a oferta de Abel era de sangue, apontando profeticamente para a Graça, uma oferta que praticamente não dependia do seu esforço. A oferta de Abel apontava para a fé.
Se quisermos continuar espiritualizando, outros pensadores dizem que a oferta de Caim representa as religiões da terra, que buscam a justificação por meio de esforço pessoal e meritório, através das obras; já a oferta de Abel representava um sacrifício carregando a semente do cordeiro que foi ali sacrificado, materializado na crucificação de Jesus.
Como conhecemos os sacrifícios que mais tarde foram implantados através de Arão e dos levitas (Êxodo 12), entendemos que Abel se antecipou no tempo, oferecendo a Deus um sacrifício pessoal de um cordeiro, prefigurando Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1:29).
Quanto a Caim, percebe-se, pela leitura de Gênesis 4 que seu estado de espírito era bem diferente daquele de Abel. Achamos que podemos confirmar, por aí, que Deus atenta primeiramente para o ofertante e só depois preocupa-se com a oferta (Deuteronômio 30:6).
Testemunho para sempre
Abel foi o primeiro mártir da história bíblica (Mateus 23:35), o primeiro homem a morrer em circunstâncias violentas, morte provocada por outra pessoa (Provérbios 14:30).
Para começar, o fato de sua morte estar documentada na Bíblia Sagrada, já proporciona um registro eterno, um testemunho de Deus. Jesus também confirma esse marco histórico da morte de Abel, chegando a dizer que sua morte seria requerida da sua geração (Lucas 11:51).
Deus declarou para Caim que a voz do sangue de Abel clamava a Ele desde a terra (Gn 4:10), subindo até os céus, pedindo por justiça.
Alguém certa vez escreveu que enquanto o sangue de Abel apontava para cima, pedindo justiça, o sangue de Jesus apontava para baixo, oferecendo misericórdia. Foi assim que Abel tornou-se um precioso tipo profético de Cristo.
Conclusão
Sua oferta revela o seu caráter
Caim mostrou-se cheio de ira e desconfiança. A oferta de Abel foi aceita por Deus em virtude de sua fé (Hb 11:4). Ter fé é como andar de noite, no escuro, onde cada barulho pode virar um tormento. Se continuarmos a caminhar na escuridão, enfrentamos as dificuldades e vencemos o medo.
Caim se abateu, deixando que seus sentimentos o dominassem. Fé é sinônimo de confiança. Portanto, quando vamos ofertar a Deus, é importante dedicar as dádivas ao Senhor com fé e confiança. Somos acolhidos por nossa intenção de contribuir e não por nossa contribuição em si, pois Deus conhece as intenções do nosso coração (Lc 16:15).
A oferta da viúva pobre
Certa vez, Jesus estava no templo e viu quando uma viúva ofertou suas duas únicas moedas (Mc 12:42). A pobre mulher havia ofertado toda a sua vida, seu sustento, mostrando assim sua confiança total em Deus. O que diria Jesus em relação às nossas ofertas hoje?
A oferta é uma resposta ao amor que não impõe condições de Deus, que ofertou seu filho para nossa salvação. Deus, por seu grande amor, ofertou o melhor que tinha. Deu o seu único Filho por cada um e cada uma de nós.
Ofertando de coração, participamos do Reino de Deus. Esse Reino é refletido no cotidiano, quando gestos de solidariedade e amor são realizados em favor das pessoas que sofrem. Todo sinal de esperança e resgate da dignidade humana é reflexo do Reino de Deus.
Um sábio disse uma vez que há uma grande diferença entre as pessoas que ajudam por obrigação e as que ajudam por vontade. Quem ajuda ou faz algo por obrigação, geralmente está com o rosto fechado e, muitas vezes, o trabalho que faz precisa ser refeito. Quando alguém ajuda com vontade e alegria, faz um excelente trabalho porque o realiza com prazer, com gratidão e com amor.
Assim, concluímos, sem sombra de dúvida, que a qualidade, não o valor, da nossa oferta, revela a essência do nosso caráter.
[Fonte: Elevados, por Walmir Damiani Corrêa; Portal Luteranos]
A Deus toda glória.
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade.
E nem 1% religioso.
O uso correto da máscara não precisava ser obrigatório, por se tratar de uma proteção individual extensiva ao coletivo. É tudo uma questão não de obrigação, mas de consciência.
Respeite a etiqueta e o distanciamento sociais e evite aglomerações. A pandemia não passou, a guerra não acabou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário