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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

DISCOS QUE EU OUVI - ESPECIAL: OS 30 ANOS DO ÁLBUM "A REVOLTA DOS DÂNDIS" - ENGENHEIROS DO HAWAII




Eu não nasci no Rio Grande do Sul, então, não por  natureza eu defendo a banda - na verdade, o trio - Engenheiros do Hawaii, assim como a maioria das bandas do chamado "rock gaúcho". Engenheiros, Nenhum de Nós, Bidê ou Balde, Wander Wildner, fizeram parte da exposição do melhor que o rock nacional apresentou no cenário musical à partir da aclamada década de 1980, os meus dourados anos 80.

É daquelas coisas que as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos ouviam, que os pais tinham os discos pela casa, que as galeras cantavam em rodas de violão. Mas mais que isso, eram artistas que vira e mexe faziam shows pelas nossas cidades, pois eles iam para todas as bibocas dos estados.

"A Revolta dos Dândis" 


já mostra sua tratativa de erudição logo no título, retirado do livro "O Homem Revoltado", de Albert Camus. 

Dândi, no século XVIII, seria aquele sujeito de muito bom gosto e inteligência, porém, que não pertencia à nobreza. Nessa auto-proclamação da banda como "os dândis do sul", a crítica jogou pedras no que chamou de elitização de suas composições e citações. 

Há realmente no disco e na obra posterior da banda uma busca constante por o que se chamaria de "alta cultura", buscando essa intersecção entre o pop rock e todas essas referências. É um cenário muito próximo do que Caetano Veloso sempre expressa em suas canções e que também é visto por muitos como um pedantismo e uma arrogância de intelectualóides. 

De qualquer forma, já em seu disco de estreia, "Longe Demais das Capitais" (1986), os Engenheiros já demonstravam essa verve literária, comunicando-se com a obra de Umberto Eco e John Donne, portanto é natural que aqui eles flertem com Camus, por exemplo.


"Eu me sinto um estrangeiro..."


"O Estrangeiro", é o romance mais conhecido de Albert Camus, foi lançado em 1942, tendo sido traduzido para mais de quarenta línguas e recebido uma adaptação cinematográfica realizada por Luchino Visconti em 1967.

Faz parte do "ciclo do absurdo" de Camus, trilogia composta de um romance (L'Étranger), um ensaio (Le mythe de Sisyphe - O mito de Sísifo) e de uma peça de teatro (Calígula) que descrevem o aspecto fundamental de sua filosofia : o absurdo.
Albert Camus

Influenciado pela filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre, apesar de Camus rejeitar tal rótulo para seu romance, o livro mostra o personagem Meursault. A princípio um ser indiferente ao mundo e às coisas a sua volta – mesmo se estas tais coisas alterem o rumo de sua vida – e que só ao final passa por uma tomada de consciência.

Na filosofia de Sartre o homem primeiro existe e depois se define, ou em suas palavras 
"A existência precede a essência e a governa". 
O homem seria livre para fazer suas escolhas e até a falta de decisão já caracteriza uma escolha.
Da esquerda para a direita: Carlos Stein, Carlos Maltz
e Humberto Gessinger

Do primeiro disco para o segundo, o caminho não demorou a ser escolhido, e não foi uma estradinha qualquer e sim uma auto-estrada: 'Infinita Highway'. Essa música é uma das minhas preferidas de todos os tempos e gêneros e mostra uma sonoridade que seria a marca registrada do grupo, juntamente com as letras sonoras e sarcásticas. 

"...Hey mãe! Eu tenho uma guitarra elétrica..."


O trio gaúcho começou quase por acaso, montado para participar de um festival da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Humberto Gessinger (voz e guitarra), Carlos Stein (guitarra), Marcelo Pitz (baixo) e Carlos Maltz (bateria) eram estudantes de arquitetura e o ano era 1985.

O nome era uma provocação aos estudantes de engenharia da UFRGS, e é apenas mais um capítulo na eterna rixa entre estudantes de arquitetura e de engenharia. E o que era para ser apenas uma brincadeira acabou caindo no gosto do público de Porto Alegre e as oportunidades surgiram, culminando com a gravação do primeiro álbum já em 1986.


Dândis revoltados


O segundo álbum dos Engenheiros do Hawaii "A Revolta dos Dândis", lançado em 1987, mostra uma sonoridade bem diferente daquela mostrada no primeiro disco, com toques de rock progressivo, de rock alternativo e reminiscências sessentistas, além das letras críticas com rimas sonoras que considero deliciosas, além também, como já dito anteriormente, de uma forte influência da filosofia existencialista de Jean Paul Sartre e dos livros de Albert Camus. Coisa de nerds? É, pode ser! Obrigado pela parte que me toca.
O nome do álbum, e de duas de suas músicas, foi tirado do livro "O Homem Revoltado" de Camus, onde dá nome a um dos capítulos. Camus aparece também em várias referências a "O Estrangeiro". Sartre aparece em 'Infinita Highway' com a frase 
"a dúvida é o preço da pureza"
e tome mais existencialismo em 
"Mas não precisamos saber pra onde vamos / Nós só precisamos ir..."
da mesma música.

Podemos também encontrar ecos de um dos ídolos de Humberto Gessinger, o angustiado e atormentado baixista do Pink Floyd, Roger Waters. 

Enfim um álbum de um grupo que se destacou da maioria de seus contemporâneos e que considero um dos melhores do rock brasileiro e ao qual sempre recorro para pinçar algumas de suas marcantes frases como: 
"Só me acorde quando o sol tiver se posto" 
Elitistas ou intelectualóides, o fato é que os Engenheiros se comunicaram de forma certeira com o público médio e tocaram nas rádios de todo o país. Grandes hits como "Infinita Highway", "Terra de Gigantes" e "Refrão de Bolero" aparecem aqui e se tornaram clássicos da banda e da década de 1980. 

Com um pano de fundo que deixava latente as tensões da Guerra Fria e de uma democracia recém-nascida no Brasil, é curioso como aquele deslocamento e toda a tensão do disco segue extremamente atual, pois seguimos sendo "estrangeiros, passageiros de algum trem", portanto, é natural que as composições do jovem Humberto (na época com 22 anos) ainda reverberem nos fones de ouvido dos adolescentes. Pelo menos dos que têm o bom gosto e o bom senso que os levem além do famigerado funk e seus abomináveis ícones.

Essa não-participação, esse distanciamento é verdadeiramente comunicável com a nossa juventude, seja na década de 80, seja na atualidade. E, para aqueles que moram distantes do eixo Rio-São Paulo, é sempre reconfortante ouvir a banda que mora longe demais das capitais.

Conclusão


As contracapas do disco na versão vinil (esq) e CD (dir).
Para terem noção da atemporalidade do disco, é só saber que 'Terra de Gigantes' é um sucesso na trilha da novela infantil "Cúmplices de um Resgate" (2015/16), do SBT, onde foi cantada pelo dublê de ator e cantor João Guilherme, pequeno astro teen que é filho do cantor sertanejo Leonardo.

Quem diria que o disco chamado de pretensioso e, até mesmo, fascista, ainda ressoaria em novelas infantis 30 anos depois? Para alguns, isso é apenas sinônimo de que já vivemos no futuro distópico que os sci-fis dos anos 80 previam, mas acredito que isso é apenas a representação de que precisamos abandonar o preconceito e olhar novamente para os Engenheiros do Hawaii com bom coração. 

Humberto Gessinger e companhia têm seus tropeços e há momentos em que não ousaria defendê-los – por exemplo, em seu novo EP, Humberto faz parceria com Tiago Iorc -, mas o fato é: as bobagens de uma carreira tão longa como a do Humberto não podem macular o que de fato é um disco de qualidade.

"A Revolta dos Dândis" é fundamental para muita gente e tem uma importância inegável para o rock nacional. Para o rock gaúcho, então, é uma "bíblia" tão básica quanto Os Replicantes. Aproveitem a celebração de aniversário do disco para uma revisão, pois em seu universo oitentista há um olhar interessante e sagaz sobre cultura pop, sociedade moderna e um existencialismo que ainda diz muito sobre o nosso tempo. Ouçam sem pré-julgamentos.

O trio que gravou esse disco é composto por: Humberto Gessinger (voz e baixo), Augusto Licks (guitarra) e Carlos Maltz (bateria).
  • Curiosidades 
O formato LP desse disco apresenta também algumas curiosidades, como por exemplo a letra da música 'Sweet Gardênia', que segundo Carlos Maltz (baterista e fundador da banda) nunca chegou a ser gravada.
'Sweet Gardênia' (Letra): 
Ele trabalhava num posto de gasolina
Ela era a filha mais belaDa família mais finaUm dia eles se encontraramNuma dessas esquinasE nada aconteceu(Nada aconteceu) 
Ele trabalhava o dia inteiro na oficina
Ela ficava em casa(Casa com piscina)Um dia eles se encontraram(Um dia de neblina)E nada aconteceu(Nada aconteceu)
O encarte do LP apresenta também erro na letra da música 'Infinita Highway', no trecho cantado por Humberto Gessinger a letra é a seguinte: 
"Cento e dez, cento e vinte, cento e SESSENTA só pra ver até quando o motor aguenta..."
Porém, no encarte do LP (e também no encarte do CD) a letra é a seguinte: 
"Cento e dez, cento e vinte, cento e QUARENTA só pra ver até quando o motor aquenta..." 
  • Faixas
Todas as faixas compostas por Humberto Gessinger, exceto a indicada. 
  • Clique ➫ aqui e ouça o disco completo.
Lado A
  1. A Revolta dos Dândis I
  2. Terra de Gigantes
  3. Infinita Highway
  4. Refrão de Bolero
  5. Filmes de Guerra, Canções de Amor
Lado B
  1. A Revolta dos Dândis II
  2. Além dos Outdoors
  3. Vozes
  4. Quem Tem Pressa Não Se Interessa (Humberto Gessinger; Carlos Maltz)
  5. Desde Aquele Dia
  6. Guardas da Fronteira
Ah, sim o carimbo, claro:
A Deus toda glória.
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E nem 1% religioso.

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