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terça-feira, 28 de novembro de 2017

LIVRO QUE EU LI, FILME QUE EU VI - "ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA", JOSÉ SARAMAGO E FERNANDO MEIRELLES

Nessa edição especial, vou unir duas séries especiais de artigos que tenho aqui no Conexão: Livros Que Eu Li e Filmes Que Eu Vi, para fazer uma análise paralela sobre a adaptação do perturbador e psicológico livro, um dos clássicos na obra de José Saramago, feita para o cinema sob a batuta do cineasta brasileiro Fernando Meirelles. Neste artigo veremos as peculiaridades do livro e do filme, que, embora tenha sido muito bom, ficou longe de transmitir todo êxtase contido em cada página do genial Saramago.

O livro X o filme (?) 


Bom, para início de conversa, todos sabemos que as adaptações cinematográficas de obras literárias sempre deixam a desejar. É muito raro um diretor que consiga manter a fidelidade das páginas nas telas. Aliás, há muito o que se analisar sobre as dificuldades que um desafio desses deve apresentar, como ambientação, iluminação, cenário, uma trilha sonora que "evoque" o clima do livro, os atores que darão vida aos personagens... enfim, realmente não deve ser nada fácil. Entretanto, há adaptações que são um verdadeiro lixo e fogem completamente ao que o livro se propõe. 

"Ensaio Sobre a Cegueira" é um livro do autor português José Saramago (☆1922-✞2010). Após vários pedidos de adaptações, Saramago finalmente cedeu os direitos para um diretor brasileiro! O cineasta Fernando Meirelles, famoso pelo filme "Cidade de Deus", conseguiu os direitos e adaptou o livro para os cinemas em 2008. 

O livro conta a história de uma epidemia de cegueira que aos poucos atinge toda a humanidade, com exceção de uma mulher, interpretada no filme por Julianne Moore. Aos poucos o mundo se torna um caos, ninguém segue regra nenhuma, não há mais organização e além de tudo um grupo de cegos resolve se aproveitar dos outros. 

Nas palavras do próprio autor: 

"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. 
Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. 
Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso." 
Bom, o Saramago certamente conseguiu! Quem leu "Ensaio Sobre a Cegueira" sabe que não é fácil não, o autor mostra o lado mais cru da humanidade, e a leitura é realmente angustiante. Já o filme é visualmente muito bonito e consegue criar imagens caóticas da cidade, mas não sei, pra mim faltou essa angústia que o livro gera. 

O grande tabu do filme foi a cena do estupro coletivo. Após algumas exibições, Meirelles decidiu suavizá-la, já que algumas pessoas saíam no meio da cena. Não quero pagar de machão mas não achei a cena tudo isso! Talvez porque eu tenha imaginado uma coisa muito mais monster quando eu li, daí nem fiquei tão horrorizado quando vi no filme. Isso. aliás, foi discutido por alguns leitores. 

Ao lermos um livro, imaginamos sua história em nossa mente, por isso tanta gente sai decepcionada quando assiste à uma adaptação, já que elas mesmas já haviam adaptado em suas mentes (e claro que nossa versão sempre é melhor!). Eu imaginei a cena do estupro coletivo bem mais, digamos, "real" e perturbadora do que Meirelles mostrou em seu longa. 

As reflexões internas do livro 


Mas e aí, será que em terra de cego quem tem um olho é rei mesmo? Será que a natureza do homem é realmente má e são algumas regras de trânsito que nos mantêm longe do caos? O que você faria no lugar da única mulher que enxerga? 

Como digo constantemente, eu leio de tudo um pouco. Tudo bem que os gêneros preferidos são chick-lit, romance, fantasia e suspense policial, mas não tenho muito preconceito, não. Se a sinopse me interessou, lá vou eu mergulhar nas páginas, não me importando com quem é o autor. Claro que nomes conhecidos me chamam a atenção (Quando vejo um Stephen King novo enquanto não leio, não sossego), mas não ignoro um livro pelo escritor (Talvez pela capa feia eu ignore... Sim, eu julgo um livro pela capa!). 

O português José Saramago não é um autor que eu tenha desejo pelas obras, apesar de já ter ganhado o Prêmio Nobel da Literatura. Mas achei que seria bom ler pelo menos uma para poder formar uma opinião sobre ele. Minha escolhida foi uma dos mais famosas: "Ensaio Sobre a Cegueira". E, apesar da estranheza inicial pelo modo como é escrita, gostei. 

José Saramago foi meio malvado com os leitores: Escreveu parágrafos que se alongam por páginas, frases com 58 vírgulas, 25 linhas e sem pontos finais, além de que as falas dos personagens não são marcadas por travessão, estão perdidas no meio do texto (Pense no desafio de se adaptar isso para o cinema: Ponto para Fernando Meirelles.). 

Fora que ninguém tem nome. As pessoas são denominadas pela sua aparência física ou profissão. No início fiquei meio perdido e me incomodou o estilo da narração, mas a história é interessante e diferente, então acabei me acostumando e relevando esse fato. A leitura fluiu rápido mesmo assim, porque fiquei extremamente curioso sobre o final. Não leria vários livros desse estilo, mas foi bom para mudar a rotina. 

Em "Ensaio Sobre a Cegueira", num local e num tempo não especificados, as pessoas começam a perder a visão sem nenhum aviso prévio e sem dor. Não de uma forma convencional, "enxergando" tudo preto, mas como se tivessem sido mergulhados no leite ou em uma névoa branca (já deu pra perceber o toque sutil no psicológico humano?). A doença, que ninguém sabe do que se trata, começa a se espalhar virando uma epidemia. 

Os primeiros infectados são colocados em quarentena, trancados em um manicômio abandonado para que a cegueira não se espalhe. Uma mulher que ainda enxerga finge ter ficado cega para que possa acompanhar o marido. O leitor tem a percepção do ambiente narrado por causa dos olhos dela. Sim, o leitor se torna um cego sendo guiado pela prisma de visão da mulher. É ou não sensacional: enxergando o mundo com os olhos e a sensibilidade dos outros. 

Com cada vez mais cegos trancafiados naquele local horrível, sujo e sem cuidado maior do governo, o manicômio vira um caos. Os instintos mais animalescos vêm à tona, transformando as cadeias brasileiras num paraíso perto daquilo. As necessidades mais básicas passam a ser prioridade. O mundo sem enxergar não possui frivolidades nem divertimento, só uma urgência em sobreviver a qualquer custo. Qualquer custo mesmo. José Saramago não economiza na descrição da sujeira, da podridão tanto humana quanto de resíduos reais e do desespero. O leitor vai se sentindo com um peso no peito, uma agonia pelos personagens, pelo mundo. 

José Saramago deixa uma dúvida no ar: Ele falava sobre a cegueira literal ou sobre não enxergar o seu redor? No livro não há grandes explicações sobre o caso, então fica à cargo do leitor fazer a interpretação que quiser. 

O filme e o livro 


Em 2008, depois de muito recusar e de dizer que "o cinema destrói a imaginação", José Saramago deixou que o diretor brasileiro Fernando Meirelles transformasse "Ensaio Sobre a Cegueira" em filme. Filmado em São Paulo e em Montevidéu, o resultado é extremamente parecido com o livro e dá a mesma sensação incômoda e claustrofóbica que a obra de papel. Não é um filme comercial, se tornando às vezes lento. 

A fotografia do longa é toda em tons brancos, claros e saturados, uma referência à cegueira branca. Julianne Moore é a mulher do médico que enxerga tudo e Mark Ruffalo o médico, um dos primeiros a ficarem cegos. A brasileira Alice Braga (sobrinha de Sônia Braga) também está no filme, como uma das companheiras de manicômio do casal, assim como o mexicano Gael García Bernal, na pele do odioso e ditatorial companheiro de quarentena. Ótimo elenco escolhido a dedo. 

Conclusão 


Já assisti a esse filme algumas vezes e já li o livro umas dez vezes (se não me engano), só posso dizer que apesar de haver umas sutis diferenças na história simplesmente não desconstrói o enredo original do livro, ou seja, as alterações não são tão grandes. 

O filme tem uma qualidade incrível e a fotografia passa a impressão que temos ao ler o livro, tudo no filme tem uma aparência esbranquiçada o que salienta a cegueira branca. O ambiente em que a produção acontece também representa muito bem o que está no livro. 

Um ponto que me envolve com a narrativa de "Ensaio Sobre a Cegueira" é a angústia que sentimos das mazelas humanas e é incrível como tudo no filme repassou bem essa angústia. De fato tem cenas fortíssimas como a da violação das mulheres, a do supermercado, da igreja são profundas, envolventes, assustadoras. 

Se me perguntassem qual dos dois prefiro: livro ou filme eu diria que não tem diferença, mas como sou um leitor irremediável (caramba eu já li esse livro três vezes!!!) eu aconselharia ler a obra, mas para quem quer conhecer um pouco do universo saramaguiano, sem destrinchar as proezas estilísticas da narrativa do autor, o filme é uma boa pedida, já que a leitura exige muita atenção. 

Sem o uso dos pontos, vírgulas, parágrafos e travessões da maneira tradicional isso pode se tornar um empecilho ao leitor. Atrevo-me até dizer que para se ler Saramago o leitor deve ser mais proficiente, caso contrário se perderá na leitura e achará o livro enfadonho. 

Estou sendo sincero, pois apesar de amar esse livro, reconheço que há inúmeras pessoas que não conseguiram ler, eu mesma conheço várias pessoas que já tentaram e não conseguiram. 

Enfim, sem mais delongas, recomendo livro e filme. 

Pra quem quer mais aí vão umas dicas e curiosidades: 

  • No livro nenhum dos personagens tem nome, sendo chamados apenas por "Médico", "mulher do médico", "mulher de óculos escuros", entre outros, e isso foi mantido no filme. 
  • Uma das condições de Saramago para a adaptação foi a de que o filme não poderia ser filmado em nenhum país reconhecível. 
  • A Federação Nacional de Cegos protestou contra o filme, alegando que nele os cegos são retratados como "incompetentes, sujos, viciados e depravados", como disse o presidente da Federação, Marc Maurer. 

Ficha técnica do filme 


  • Título Original: "Blindness" 
  • Gênero: Drama, Suspense 
  • Direção: Fernando Meirelles 
  • Roteiro: Don McKellar, José Saramago 
  • Produtores: Aeschylus Poulos, Akira Ishii, Andrea Barata Ribeiro, Austin Wong, Barbara Willis Sweete, Bel Berlinck, Chris Romano (II), Claudia Büschel, Gail Egan, Larry Weinstein, Nicolas Aznarez, Niv Fichman, Sari Friedland, Sheena Macdonald, Simon Channing Williams, Sonoko Sakai, Tom Yoda, Victor Loewy 
  • Música: Marco Antônio Guimarães/UAKTI 
  • Supervisão do Elenco: Susie Figgis & Deirdre Bowen 
  • Produção: O2 Filmes / Rhombus Media / Bee Vine Pictures 
  • Distribuição: Fox 
  • Elenco: Mulher do Médico - Julianne Moore, Médico - Mark Rufallo, Mulher dos Óculos Escuros - Alice Braga, Primeiro Homem Cego - Yusuke Iseya, Mulher do Primeiro Homem Cego - Yoshino Kimura, Contador - Maury Chaykin, Velho da Venda Preta - Danny Glover, Rei da Ala 3 - Gael García Bernal, Criança - Mitchell Nye. 
  • Duração: 120 minutos 
  • Ano: 2008 

Ficha técnica do livro 

  • Título: "Ensaio Sobre a Cegueira" 
  • Autor: José Saramago
  • Editora: Companhia das Letras 
  • Edição: 1 
  • Ano: 1995 
  • Idioma: Português (de Portugal) 
  • Especificações: Brochura | 312 páginas 
  • ISBN: 978-85-7164-495-3 
  • Papel e impressão (miolo): Offset sobre papel pólen soft 
  • Peso: 390g 
  • Dimensões: 210mm x 140mm 

Reação de José Saramago após ver o filme:



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