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quarta-feira, 5 de abril de 2017

JANIRES: PROFETA, POETA, REVOLUCIONÁRIO... OU SIMPLESMENTE SERVO

Dizem que os brasileiros são "sem memória". Dadas as devidas proporções isso é bem verdade. E quando o assunto é no meio dos crentes eu ouso dizer que a falta de memória é crônica. Muitos crentes só não são desmemoriados por aquilo que vai ao encontro de suas conveniências. Agem assim com Deus, com sua Palavra e, consequentemente com seus pares. 

O problema é que a essa desmemoriação alimenta a inadmissível ingratidão. Tenho certeza que muitos crentes - principalmente os dessa geração - não se lembram e/ou nunca sequer ouviram falar desse saudoso irmão, que já descansa no Senhor e cuja atuação ministerial foi um divisor de águas na história da música cristão contemporânea.

Mais que um nome, uma história



Na historiografia da música evangélica brasileira há um seleto grupo de álbuns que se distinguiram por representar uma inovação ou ainda, uma ruptura, um deslocamento de paradigmas tanto musicais quanto de comportamento ou expressão. Poderíamos citar entre outros, o álbum "Drogas Matam" de 1972 dos Jovens da Verdade que com uma temática pra lá de atual e composições brasileiras introduziu a música evangélica na temática social de tal forma que do ponto de vista do assunto, ainda permanece contemporâneo e socialmente engajado. 

Poderíamos citar o próprio "Entrei no Templo" de Ozeias de Paula pelo alcance e representatividade para o povo evangélico a ponto de varar gerações e não se pode omitir impunemente o aclamado e decantado "De Vento em Popa", álbum do Vencedores Por Cristo, grupo já consolidado que num arroubo de vanguardismo grava um álbum somente com composições nacionais em ritmos brasileiros, algo inusitado e inédito na época (1977) e cuja qualidade recebeu reconhecimento para além dos arraiais evangélicos. Lembrando que falamos de uma época assaz distante de todas as facilidades tecnológicas.

"Mais Doce Que o Mel"


Mas por falar em vanguardismo, poucos foram tão ousados quanto o Rebanhão, banda carioca que em 1981 em plena ditadura militar, faz um disco cheio de arrojo e irreverência, chegando algumas vezes à acidez para desvelar a verdadeira face do homem perdido e, ao mesmo tempo, mostrar uma luz no fim do túnel. Era o disco "Mais Doce Que o Mel", primeiro álbum do grupo, que inovou desde a capa, trazendo a foto dos integrantes em pose bem descontraída, trajando vestes despojadas e o vocalista Janires com a camisa desabotoada, mostrando o peito nu, um "escândalo" para o ortodoxo e conservador cenário evangélico da época.

As duas versões da "polêmica" capa
A capa inclusive sofreu "veto da censura dos crentes" e passou a ser vendida com uma tarja tapando o peitoral cabeludo do ousado Janires. Ou seja, além de toda a polêmica com relação a parte musical, até a capa foi motivo de críticas pelos crentes da época por trazer Janires com a camisa aberta aparecendo o peitoral. A gravadora acabou "mexendo" na capa em outras tiragens para diminuir (um pouco) a polêmica.

E se podemos reduzir o espectro da nossa observação partindo do nível do fenômeno para o nível pessoal, então não poderíamos achar outro além de Janires Magalhães Manso ou apenas Janires (1953-1988).

Seu ministério


Tendo formado uma banda homônima em São Paulo, Janires se uniu a um grupo de jovens músicos e formou o Rebanhão que escreveria seu nome na história da música evangélica. Suas composições chocavam tanto pelo ritmo avançado para os padrões de sua época, quanto pelo conteúdo das letras que atiravam contra a mídia de massa, desgraças sociais, alienação religiosa, problemas de administração pública, poluição do meio-ambiente, entre outros. Ou seja, um verdadeiro chute na religiosidade.

Mas a iniciativa não ficou sem resposta. Por conta de sua figura constituir uma ruptura dos padrões evangélicos vigentes (suas roupas eram sempre simples e informais, sua abordagem era despojada de qualquer erudição que afastasse o homem simples da imediata compreensão da palavra, sua linguagem era clara e direta), fora logo boicotada por parte da liderança evangélica que não via toda essa "inovação" com bons olhos. E o Janires? Nem aí!

Outra característica de Janires era a legitimidade de seu envolvimento com o evangelho a ponto de, segundo testemunhos de contemporâneos, mesmo após alcançar notoriedade com seus trabalhos junto ao Rebanhão, poder facilmente ser encontrado pelas praças de cidades pregando e cantando o Evangelho. E não eram shows (essas apoteoses que vemos hoje em dia), era pregação mesmo. 

Conta Paulinho Marotta, ex-integrante da banda que Janires, quando revistado por um policial dentro de um ônibus, aproveitou a ocasião para falar de Jesus ao policial e aos passageiros e em outro acontecido, fingiu-se de louco para afugentar marginais que importunavam duas moças gritando "Jesus, Jesus!". Sim, Janires era muito louco. Contudo, era respeitado por muitas lideranças de diferentes confissões evangélicas e até na ala carismática dos Católicos.

Não possuía muitos bens materiais e conta-se que sempre procurava ajudar alguém com o pouco que tivesse. Tal fato é confirmado quando, após sua morte, todos os seus bens reunidos couberam em duas malas. Vivia da música, de artesanato e impressões em "silk screen".

Em seu passado tivera problemas com drogas, fora preso, mas em duas passagens por centros de reabilitação cristãos tivera contato com o evangelho e na derradeira vez, se decidiria por Jesus definitivamente. A partir daí, escrevera uma história que influenciaria gerações pregando sobre uma liberdade genuína possível só na pessoa de Cristo. 

O interessante de suas músicas é que nelas eram sempre mostrados os fracassos da sociedade, da política, o fracasso dos valores, do homem desvirtuado de Deus, mas sempre havia, na mesma canção a figura de Cristo, uma mensagem de redenção em contraposição ao fracasso. E pode-se constatar sem embargo que a mensagem era sempre o cerne de suas composições, não obstante ritmo e melodia envolventes, mas sempre submissos à mensagem.

Seu último trabalho com o Rebanhão foi o álbum gravado ao vivo (mais uma raridade para a época) "Janires e Amigos" nos estúdios da Rádio Boas Novas onde aparecem composições de cunho autobiográfico e composições biográficas de homens e mulheres engajados no evangelho como visto nas belas canções: "Baltazar: o artilheiro de Deus", "Helena" (uma homenagem à Helena Brandão, atriz brasileira, famosa pelos filmes de pornochanchadas, conhecida como Darlene Glória, à época convertida ao evangelho) e a comovente "Alex, o Baixinho Voador" (outra homenagem, dessa vez a Alex Dias Ribeiro, um dos fundadores do Atletas de Cristo, ex-piloto de fórmula 1).

Janires deixou o Rebanhão e veio para Belo Horizonte trabalhar com o ministério MPC, Mocidade Para Cristo e lá formou a Banda Azul que continua na ativa até hoje. Neste grupo, participou do primeiro álbum "Espelho nos Olhos" antes de morrer num acidente rodoviário entre o Rio e Belo Horizonte.

Banda Azul


Em novembro de 1986, antes de uma temporada nos E.U.A, Janires já lançava a semente daquele que viria a ser seu ultimo grupo musical: A Banda Azul.

Em companhia de Moisés Di Souza (Baixo), Eduardo Costa (Dubatera), Eduardo Santos (Duguita) e Guilherme Praxedes (teclados), surge a primeira musica composta no acampamento de final de ano da equipe da MPC... "Meninos da Rua". Com o "Som do Céu", evento de louvor e pregação realizado em abril de 1987, aqui na praça do Papa, comportando um público estimado em 15 mil jovens, o trabalho da banda ganha cada vez mais solidez e explode com "Canção das Estrelas". O entrosamento era notório e melhorava a cada momento, passando a ser uma atração extra a cada reunião. Convites começavam a ocupar a agenda, quase nunca bem utilizada, do "Rev. Jajá" (como era chamado por seus amigos e companheiros ministeriais).

A primeira Gravação e a mudança do nome!


Nasce então a ideia da primeira gravação, e assim a antiga Banda MPC, muda de nome: Banda Azul.
Explicou ele com seu jeito singular de encarar a vida, que a razão deste nome para a Banda,
"era porque todos os seus componentes, tinham os olhos azuis" (menos ele, diga-se).
e invariavelmente, um inconfundível sorriso desabrochava em seguida.
Trabalhou arduamente, ao regressar de uma segunda viagem aos E.U.A, no novo disco que abriria caminho para a Banda Azul, nunca fora visto tão feliz, alegre e gordo.

O carinho na preparação e o cuidado na elaboração do novo LP já se faziam antever a bela qualidade do esperado lançamento. Gravara e entrara nos estúdios de gravação pela ultima vez. Não chegou a ver o LP pronto. Com a capa e tudo pra ser lançado. Mas, deixava nele o essencial: seu talento, sua voz, suas músicas, suas inimitáveis letras, sua poesia. "Espelhos Nos Olhos", já era histórico antes mesmo de ser lançado.

Janires Magalhães Manso, um incansável servo de Deus. Tinha muito planos e projetos para a Banda Azul, que tenho certeza, saberá cumpri-los como herança de seu "Band Líder" e irmão mais velho.

Conclusão

Reconhecimento!


Seu talento nato, dom de Deus, num misto de músico, poeta, repentista e pensador moderno, ainda que registrado em discos e fitas, por certo deixou aguda saudade e imensa lacuna. Poucos, muito poucos mesmo, souberam como ele empunhar a bandeira da "avant-garde" sendo ferido, muitas vezes, e sem ferir. Pelo contrário.

O texto abaixo é de uma matéria extraída da extinta  Revista Kerigma (Ano II, Nº 9) do publicada em 1988. Foi compilada por Moisés Di Souza, baixista, compositor e vocalista da Banda Azul. O autor é Francisco Santos (Xyco), que na época era Missionário da Mocidade Para Cristo/BH, amigo pessoal de Janires e da Banda Azul. É o resumo de um dos textos que considero mais completo sobre Janires.
"'Rolou o mundo. Percorreu vales de fundos sulcos. Andou errante, sem grilhões. Morreu livre. Este foi Janires'. 
Estávamos apreensivos!... Era 11 de janeiro de 1988. Estranhávamos a ausência do nosso irmão Janires, no primeiro 'Clubão' do novo ano. Os jovens já estavam todos lá. Superlotavam o local, quase mil pessoas. A Banda Azul aposta para dar início ao louvor. Havíamos orado momentos antes, inclusive pelo próprio Janires e pela reunião que em instantes iniciar-se-ia. 
O relógio marcava 19:30 horas. Tudo estava pronto. A equipe da MPC atenta. O som ajustado, equalizado. Checamos cada detalhe. A 'tchurma' toda lá. Só não sabíamos que o Janires também já estava lá...com o Pai. 
Como o fato aconteceu!... 
Aconteceu na madrugada deste dia, uma segunda feira cinzenta, em um trágico acidente com um ônibus da Útil fazendo o percurso, Rio-Belo Horizonte, que o nosso amado aportava o céu, com o seu imenso "coração veleiro". 
O filho mais velho de Dona Luzia, dos dois meninos que tivera, nascido em 22 de maio de 1953 na cidade de Vitória, no Espírito Santo, alçava vôo 'mesmo sem ser de asa-delta'. Havia chegado a hora de 'ir embora, viajar'. 
Por umas destas ironias que não se busca explicar, posto não ter residido por muito tempo em seu Estado natal, o Espírito Santo, bem como vitórias e derrotas, sempre estiveram presentes na sua vida atribulada e aventurada do nosso poeta. Vez que experimentara bem perto o poder de Deus em sua vida de andanças. Era um peregrino. Não era mesmo de ficar."
Em contraposição - e anos luz de qualquer comparação - a muitos dos atuais cantores evangélicos de prestígio, Janires viveu e morreu não possuindo muitos bens e nem deixando herdeiros, a não ser nós, os órfãos de sua incomparável arte. Seu principal legado foi o comprometido com o evangelho onde quer que fosse, fosse num palco, numa praça, num teatro ou numa rua qualquer. Até a eternidade, Rev. Jajá!

A Deus seja toda a glória! 

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