De tempos em tempos o meio evangélico é surpreendido por uma nova onda na qual boa parte dos irmãos e irmãs se lançam de cabeça. Uma das novas manias (são tantas) são os livros de autoajuda para o público cristão. Basta entrar numa livraria e você poderá vislumbrar inúmeros títulos que abrangem as mais variadas áreas: namoro, casamento, sexualidade, traumas emocionais, etc. Tem até os livros de autoajuda para líderes aprenderem estratégias de como encher suas igrejas, de com administrá-la e de como lidar com as questões financeiras.
Mas, o que uma pessoa busca ao ler um livro de autoajuda? É possível encontrar, efetivamente, alguma ajuda nesse tipo de literatura?
Uma das faces da moeda
Especialistas em psicologia e religião explicam que a autoajuda diz respeito a “textos que visam desenvolver capacidades objetivas e subjetivas”. O autor Steve Salerno afirma que a autoajuda não está relacionada apenas ao “bem viver” individual, mas, também, ao aprimoramento de habilidades em benefício do outro, ao desenvolvimento do autoconhecimento e à busca, com o apoio de outras pessoas, por soluções para problemas em comum dentro de um determinado grupo (como Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos dentre outros).
Os especialistas chamam a atenção ainda para a crítica em torno da literatura de autoajuda e citam o autor Pedro Demo, que diz que se trata de uma leitura marcada pela ingenuidade, porque quem lê um livro dessa categoria “acredita que vai resolver o problema quase que instantaneamente”. Psicólogos acreditam que as críticas contra a autoajuda baseiam-se no discurso ilusório que alguns títulos podem trazer, aqueles que sustentam a impressão de que existe um alguém – no caso, o autor do livro – capaz de dar receitas sobre como vencer determinados problemas. Esse tipo de livro sustenta o que chamam de “discurso da certeza”, em que sentenças imperativas parecem apontar soluções certeiras: “faça”, “seja”, “sorria”, “dê”. “Uma das críticas grandes que se faz é uma universalização da vida. É como se dissessem (os autores): ‘o que serviu pra mim, serve pra todo mundo’. Isso é um elemento negativo”, explicam os psicólogos.
Os especialistas também alertam para o risco do tratamento exageradamente simples dado a determinadas patologias em alguns livros de autoajuda. Você tem um texto falando assim: ‘vença a depressão em dois dias’. Esse tipo de abordagem abre espaço para críticas à autoajuda como gênero literário. Porém, os mesmos especialistas dizem que existem benefícios nesse tipo de literatura. Em pesquisa realizada com 768 evangélicos descobriu-se que muitos leem livros de autoajuda na busca de solução para problemas pessoais. Ou seja, esse livro vai ocupar, de alguma maneira, um lugar que está vazio nas igrejas, ou vazio na vida das pessoas: de um bom amigo ou um bom conselheiro.
No meio cristão, mais precisamente entre líderes teológicos, uma resistência em relação à autoajuda surge por conta da premissa que parece implícita nesse tipo de literatura de que as pessoas têm condições de encontrar em si mesmas o poder para mudarem as próprias vidas (o que excluiria a necessidade de Deus). Psicólogos defendem, entretanto, o benefício desse tipo de literatura enquanto uma alternativa às lacunas, como a ausência ou dificuldade de se comunicar problemas pessoais (para uma pessoa que não quer expor os próprios problemas, buscar ajuda em livros pode ser a alternativa mais viável).
A outra face da moeda
Teólogos conhecem bem a importância de termos livros sérios em nossa própria língua. Além de muita leitura da Bíblia, precisamos também aprender a valorizar a leitura de bons livros (qualquer bom livro, não apenas evangélico, pois sim, há muitos livros excelentes que são especificamente evangélicos, ou de qualquer cunho religioso) como forma de abrirmos nossa mente, crescermos, irmos a outros lugares, conhecermos outras vidas, aprendermos com o exemplo alheio, criarmos senso crítico e resistência intelectual a ideologias que tentam nos engolir e por aí vai... Certamente, temos muita literatura boa à nossa disposição. Temos aqui que reconhecer o trabalho sério de várias Editoras Protestantes que se esforçam em colocar no mercado livros essenciais para nossa edificação e amadurecimento.
Por outro lado, é lamentável vermos o desperdício de dinheiro, tempo e energia com a impressão de tanta literatura ruim. E ela é ruim não apenas por não acrescentar nada a quem a lê mas, principalmente, por vender uma ilusão, por passar a sensação de ter contribuído com algo, na medida em que faz cócegas na alma, na medida que dá a impressão de ter servido como um “mapa do tesouro”. Livros do tipo “Dez passos para isto...” ou “Sete maneiras para aquilo...” (vindos especialmente da terra do Tio Sam) ao final, geram muita culpa e desordem emocional, pois, o leitor, em sua sinceridade, não achando o “tesouro” prometido, sente-se um fracassado e ainda mais desorientado e desanimado do que quando iniciou aquela leitura.
Fica uma pergunta simples no ar: Por quê ? Por quê apesar de tão ruim e tão falaciosa vende tanto ? Por quê o nosso povo, em sua maioria gente de bem e de boa fé, é tão facilmente levado por estas ondas?
Ocorre-me duas possíveis respostas: inicialmente, porque é da nossa natureza buscarmos respostas fáceis para situações difíceis da vida. Nenhum de nós gosta de remédio amargo ou grave. O problema é que não adianta tentar curar câncer com aspirina. Para a cura do câncer, geralmente receita-se cirurgia, quimioterapia e radioterapia. É assim: doença séria exige uma intervenção igualmente profunda. Creio que muitos dos problemas de ordem emocional enfrentados por nossos irmãos podem ser superados com aconselhamento pastoral, oração e espera paciente em Deus. Mas, em muitos casos também, além destas coisas, podemos precisar recorrer a profissionais da área de saúde para superarmos nossas dificuldades. Aqui, livro de autoajuda cristão é aspirina para câncer, mero placebo para a alma... O problema maior é que muitos não têm tempo para ler a Bíblia, mas encontram tempo de sobra para consumir esse tipo de literatura.
Em segundo lugar, desconfio que este tipo de literatura dá tanto “ibope” pela falta de conteúdo no púlpito. Pastores, de modo geral, são pessoas que estudaram mais que a média. Muitos possuem curso superior de Teologia. Muitos possuem outros cursos superiores além de Teologia. O problema, não é que não tenham tido acesso a cultura (salvo vários casos), a questão é que aquelas outras “ondas” têm chegado com força descomunal e quem não “pega sua prancha” corre o risco de ficar de fora e não ver sua igreja crescendo tanto quanto a do colega que nela está “surfando” com extrema desenvoltura. Junto com estas ondas vêm a literatura de autoajuda para cristãos.
“Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes novamente necessidade de alguém que vos ensine de novo quais são os princípios elementares da Palavra de Deus; assim vos tornas-te como necessitados de leite, e não de alimento sólido” (Hb 5:12). Boa palavra esta de Hebreus. Vale a pena ler o texto todo de 5:11 a 6:3.
Conclusão
Bem, como falei muito mal de um tipo de livro muito lido ultimamente, acho que seria bom encerrarmos dando uma dica daquilo que, ao meu ver, é uma boa leitura. Primeiro, um título religioso:
“Atravessar Problemas e Encontrar a Deus” de Larry Crabb (Ano: 1997; Páginas: 216; Idioma: português; Editora: Sepal) um dos livros que mais bem fez à minha alma nos últimos anos. E uma ótima obra secular é o
“Estação Carandiru” do Dr. Drauzio Varella (Ano: 1999; Páginas: 302; Idioma: Português; Editora: Companhia das Letras), certamente, ainda que não religioso, vai te ajudar muito mais do que muito livro cristão, na medida em que ele nos humaniza diante de uma realidade tão crua descrita nele (e quem já atuou em Capelania nos presídios e/ou penitenciárias saberá do que eu estou falando). Então, boa leitura, e que ela te ajude de verdade...
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