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sábado, 27 de junho de 2015

EDUCAÇÃO RELIGIOSA: PROSELITISMO OU LIBERDADE DE CRENÇA?

Recentemente houve uma discussão polêmica sobre o ensino religioso em escolas públicas. Aliás, tal polêmica não é nova. Eu, inclusive, sou contra. Mas, antes que algum irmãozinho me "demonize", eu vou explicar porque.

O que diz a Constituição


Apesar de estar escrito no Preâmbulo da Constituição de 1988 que ela foi promulgada "sob a proteção de Deus", o inciso I do artigo 19 é claro:

Artigo 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
§ I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Somos, portanto, um Estado laico. Na sua origem latina a palavra significa leigo, secular, neutro, por oposição a eclesiástico, religioso. Exatamente por isso a alínea b, do inciso VI do artigo 150, proíbe a tributação sobre "templos de qualquer culto" para não "embaraçar-lhes o funcionamento" do ponto de vista financeiro.

É de conhecimento público, todavia, o grande número de programas religiosos que é transmitido por emissoras de TV abertas e também as várias redes, tanto de rádio como de televisão, cujas entidades concessionárias são igrejas. Ademais, existe um grande número de retransmissoras (RTVs) que são controladas diretamente por igrejas.

Uma concessão pública que, por definição, deve estar "a serviço" de toda a população pode continuar a atender interesses particulares de qualquer natureza – inclusive ou, sobretudo, religiosos? Ou, de forma mais direta: se a radiodifusão é um serviço público cuja exploração é concedida pelo Estado (laico), pode esse serviço ser utilizado para proselitismo religioso?

Lembre-se que o § 1º do artigo 4º da Lei 9.612/1998 proíbe o proselitismo de qualquer natureza nas rádios comunitárias. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2566 de 14 de novembro de 2001 contra esta proibição aguarda julgamento há quase quinze anos no Supremo Tribunal Federal).

A norma que vale para as outorgas de rádios comunitárias não deveria valer também para as emissoras de rádio e de televisão pagas e/ou abertas?

Ensino religioso


O sistema escolar público atual tem cedido espaço para a violência, namoros sem limites sexuais, distribuição de camisinhas, alienação em relação a valores essenciais ao desenvolvimento humano e a inúmeros outros problemas. Não apresenta um programa eficaz de formação, que possibilite ao alunado um crescimento integral, não respondendo, consequentemente, às suas perspectivas pessoais, profissionais, sociais etc.

Um item que prevê o ensino de gênero, sexualidade e orientação sexual para alunos da rede pública é a mais recente polêmica. Representantes religiosos, são contra . Já defensores dos direitos dos homossexuais acreditam que esses itens devam constar no currículo escolar.

Ou seja, o negócio tá fervendo. Tal constatação põe em destaque as necessidades morais, espirituais e éticas de muitos estudantes e até mesmo de professores. A própria realidade escolar vem preocupando os pais dos alunos, sobretudo os mais pobres, os quais não têm condições de escolher um outro sistema de ensino que garanta o progresso de seus filhos em relação aos valores e convicções que lhes foram transmitidos de geração em geração. Optando pelo ensino público e confiando na parceria séria do Estado – que é laico, entretanto, não ateu, democrático e não ditatorial – os responsáveis esperam encontrar um ensino de qualidade, que abarque todas as áreas da pessoa e que esteja em consonância com os sagrados princípios tradicionais traçados pela família, os quais incluem os princípios religiosos.

Não há dúvida de que essas lacunas do Ensino Público, que vem gerando grande evasão escolar, segundo as últimas pesquisas, precisam ser preenchidas. Esta realidade não pode ser sufocada pelo debate atual, que visa camuflar tais dados, fazendo do Ensino Religioso plural um vilão que desvia o foco do debate acerca da qualidade do Ensino público.

Consideramos que o melhor meio para começar a tratar dessas questões é o resgate e a revalorização do ensino religioso plural, garantindo nesses estabelecimentos de ensino os princípios norteadores colocados por aqueles que têm a última palavra acerca da educação, isto é, os pais e não os legisladores. O Ensino religioso oferece chances preciosas de se criar em cada criança e adolescente o interesse crescente pelo amadurecimento em relação à educação recebida, inicialmente, na família, desenvolvendo sua capacidade crítica e a consequente abertura às realidades do mundo lógico, físico, social e transcendente. 

Trocando em miúdos


Aulas de religião na escola pública. Pode? Sim, de acordo com a Constituição brasileira e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), desde que não sejam obrigatórias para os alunos e a instituição assegure o respeito à diversidade de credos e coíba o proselitismo, ou seja, a tentativa de impor um dogma ou converter alguém. Mas faz sentido oferecer a disciplina na rede pública? Desta vez, a resposta é não, e os motivos são três. 

O primeiro tem a ver com a dificuldade de cumprir o que é determinado legalmente. A começar pelo caráter facultativo. O que fazer com os estudantes que, por algum motivo, não queiram participar das atividades? Organizar a grade para que eles tenham como opção atividades alternativas é o que se espera da escola. Porém, não é o que acontece em muitas redes. Nelas, nenhum aluno é obrigado a frequentar as aulas da disciplina, mas, se não o fizerem, têm de descobrir sozinhos como preencher o tempo ocioso. A lei não obriga a rede a oferecer uma aula alternativa, mas é contraditório permitir que as crianças fiquem na escola sem uma atividade com objetivos pedagógicos. 

A questão da diversidade, outro item previsto na lei, também não é uma coisa simples de ser resolvida. Como garantir que todos os grupos religiosos - incluindo divisões internas e dissidências - sejam respeitados durante o programa em um país plural como o nosso? Dados do Censo Demográfico 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que 64,6% da população se declara católica, 22,2% evangélica, 2% espírita, 3% praticante de outras religiões e 8% sem religião. 

O segundo motivo é de foro íntimo e tem a ver com as escolhas de cada um e com o respeito às opções dos outros. De que forma assegurar que o professor responsável por lecionar Ensino Religioso não incorra no erro de impor seu credo aos estudantes? Ou que aja de maneira preconceituosa caso alguém não concorde com suas opiniões? É fato que todos, educadores e alunos, têm o direito de escolher e exercer sua fé. Está na Constituição também. Não há mal algum em rezar, celebrar dias santos, frequentar igrejas (ou outros templos), ter imagens de devoção e portar objetos, como crucifixos e véus. Porém, em hipótese alguma, a escola pode ser usada como palco para militância religiosa e manifestações de intolerância. É bom lembrar que a mesma carta magna determina que o Estado brasileiro é laico e, por meio de suas instituições, deve se manter neutro em relação a temas religiosos. 

Quando isso não acontece, aumentam os riscos de constrangimentos e eventos de bullying. Por exemplo, pesquisas realizadas por mais de duas décadas comprovam que muitas crianças e adolescentes praticantes de candomblé, por causa de sua fé, foram humilhados pelos colegas e até por seus professores. Para evitar tais situações, a maioria omitia a crença na tentativa de se proteger.

O terceiro motivo para deixar o Ensino Religioso fora do currículo é a essência da escola. Cabe a ela usar os dias letivos para ensinar aos estudantes os conteúdos sobre os diversos campos do conhecimento. Há tempos, sabe-se que estamos longe de cumprir essa obrigação básica. Os resultados de avaliações como a Prova Brasil e o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, sigla em inglês) comprovam com clareza essa falta grave. Boa parte dos estudantes conclui o Ensino Fundamental sem alcançar proficiência em leitura, escrita e Matemática.

Conclusão


O Ensino Religioso possibilita aos alunos encarar e superar as duras realidades que vêm de fora e que acabam por dificultar sua capacidade de projetar-se num conceito mais amplo e digno de vida e de futuro.

Isso eu não questiono, entretanto, o problema começa na grande diversidade nas crenças brasileiras. Afinal, qual a religião deve ser a oficialmente ensinada nas escolas? A Católica - que ainda a maior em números? A Evangélica? A Espírita? As Afrodescendentes? (E ainda a questão dos filhos de pais ateus, que podem não querer esse tipo de ensino aos seus filhos.) Pois é. Obviamente que os representantes ou seguidores de cada um desses segmentos religiosos irão "puxar a sardinha para sua brasa". Está formado o cenário prosélito. Este e o motivo pelo qual eu sou contra o Ensino Religioso em escolas públicas. Ou se ensina todas as religiões vigentes no país - o que é tecnicamente impossível - ou não se ensina nenhuma e cada família que se responsabilize pela formação religiosa (e espiritual) de suas crianças.

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