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domingo, 20 de agosto de 2023

CONTÉM SPOILERS — "AMOR, ESTRANHO AMOR", DE WALTER HUGO KHOURY

(foto/divulgação)
Uma questão polêmica gera confronto entre diferentes pontos de vista sobre um mesmo tema. Capaz de motivar a escrita de um artigo de opinião, ela envolve, necessariamente, um assunto de interesse público, ou seja, uma demanda em que ao menos uma determinada comunidade esteja envolvida, e diferentes soluções ou respostas, cada uma das quais reunindo posições favoráveis e contrárias. Assim, trata-se de estabelecer — sempre por meio do debate — qual delas deverá ser assumida pela comunidade afetada.

Ou seja, em resumo, uma polêmica é um conteúdo onde se debatem ideias acerca de um tema que esteja em alta na sociedade. É uma discussão "rica" em conhecimento e apontamentos que geram divergências críticas, contrapontos e opiniões diferentes. Uma questão polêmica é sempre uma frase curta que pode ser uma afirmação ou uma pergunta. Essa frase deve levar o leitor a várias interpretações, deixando–o a tributar uma discussão que, quase sempre é divergente a de outra pessoa. 

Mas, a polêmica não se restringe apenas no âmbito do conceito literário, uma vez que ela tem o poder de direcionar (e até mesmo objetivar) atitudes no contexto social, determinando escolhas, nem sempre sendo elas as mais relevantes, prudentes ou sensatas. Por isso, quando nos vemos diante de uma polêmica é de primordial importância que conheçamos todos os lados dos que e do que nela estão envolvidos, para que, assim, possamos, então, agir em meio a elas, com um mínimo de equilíbrio, equidade e sensatez.
Polêmicas vazias, são frutos de mentes estéreis.

Características da questão polêmica

• Controversa: ideias opostas/contrárias à do outro. São opiniões divergentes. 
• Subjacência: que fica implícito (escondido). 
• Convergência: que segue numa mesma linha de direção. 
• Aberta: polêmicas que podem ser discutidas com intenções claras e rápidas. 
• Fechada: polêmicas que abrem discussão sobre temas mais centralizados em assuntos do cotidiano.
Este preâmbulo se fez necessário para eu introduzir os temas sobre o filme do qual irei falar em mais um capítulo da minha série especial de artigos "Contém Spoilers", pois, no quesito polêmica, esse filme tem quatro décadas que a alimenta: "Amor, Estranho Amor", dirigido pelo brilhante cineasta brasileiro Walter Hugo Khouri (✩1929/✞2003), com certeza, ainda que nunca o tenha visto, você, com certeza, já ouviu falar dele. Mas, será que o que ouviu falar realmente o define?

E, antes que você já vá torcendo o nariz, é importante conhecermos a obra em questão, cujo brilhantismo filosófico e psicanalítico foi esfumaçado pela polêmica de recortes feitos fora de seu contexto, só para se contrapor ao destaque na fama de uma então desconhecida modelo em ascenção, que à época era namorada de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé (✩1940/✞2023), determinada pseudo debutante a atriz, que anos mais tarde ficaria conhecida como "a rainha dos baixinhos", é imprescindível que conheçamos a biografia de seu criador.

Sobre o autor


Walter Hugo Khouri durante as filmagens 
de "As Filhas do Fogo", em 1978
(Foto: Acervo família Khouri)

As melhores mentes da arte parecem condenadas ao esquecimento, certamente por conta da demanda utilitarista que consome poéticas densas e as substitui por um regozijo raso e imediato. 

No cinema, essencialmente um produto da comunicação de massa, essa condição do sucateamento da memória é explícita. Se por um lado novos artífices se revelam a cada ano, com seus trabalhos crivados de uma identidade própria, por outro, figuras de renome que abriram caminhos às novas gerações parecem diluídas na ingratidão historicista.

É o caso do brilhante cineasta Walter Hugo Khouri, filho de pai libanês e mãe italiana, realizou mais de 20 longas desde a metade final dos anos 1950, atravessando modismos e movimentos que o colocaram à margem por conta de sua associação com um cinema menos revolucionário e mais existencialista. 
Os psiquicamente perturbados personagens de Khouri não refletem o grosso da população. Com exceções, são todos membros da classe burguesa, homens e mulheres atravessados por uma sensação de vazio inextinguível.
Entre a metade dos anos 1960 e final da década de 1980, houve em São Paulo um período de intensa produção cinematográfica independente. Essa produção ficou conhecida como cinema da Boca do Lixo, em referência à região onde eram localizadas as produtoras de tais filmes, um quadrilátero que inclui a rua do Triunfo e a rua Vitória no bairro da Luz no centro da cidade. Essa produção foi equivalente a aproximadamente 40% da produção nacional da época, sendo um grande sucesso de público e tendo ficado nacionamente conhecida como "pornochanchada".

Trata-se de um período eclético com produções de vários gêneros. Abrindo mão de uma coerência temática, foram produzidas comédias, dramas, policiais, faroestes, filmes de ação, kung fu, terror, entre outros, conteúdos diversificados, porém sempre pautados pelo erotismo.

Uma vez que esse cinema tinha que se auto-sustentar, a produção da Boca ficou marcada por filmes baratos que atingiam grande sucesso de público. Característica marcante desse cinema, o erotismo funcionava como regra para satisfazer o gosto popular. 
O convívio com elementos marginalizados, prostitutas e criminosos que ocupavam a região, estigmatizou o cinema da Boca como um cinema de baixa qualidade, com excesso de pornografia e narrativas que visavam o comercial.
Dentre essa produção comercial, destacam-se alguns cineastas com propostas mais autorais: experimentais e introspectivas. Obras que não deixavam de carregar os elementos de erotismo, porém utilizavam-no apenas como pano de fundo. Por exemplo, a produção autoral do cineasta Walter Hugo Khouri.

Khouri nasceu em São Paulo, no ano de 1929, e, como já dito, ao longo de sua carreira realizou 25 longas-metragens. Iniciou sua carreira trabalhando na produção do filme "O Cangaceiro" pela Companhia Vera Cruz e dirigiu seu primeiro filme independente em 1951, "O Gigante de Pedra". Como autor completo, escreveu o roteiro, dirigiu, operou a câmera e orientou a montagem dessa e diversas outras obras.

Características da obra Khouriana

Sua filmografia pode ser dividida em três fases principais, nas quais pretendia filmar a decadência moral da classe mais abastada da sociedade brasileira, além de transformar a estética de erotismo em um incômodo pessoal, psicológico.
Dessa forma, Khouri — diferentemente do que fora produzido no Cinema Novo — estabelece um estilo que descreve outra face do Brasil: 
o caráter existencial, a problemática dos indivíduos de classe média alta.
Em 2023, o cineasta paulista completaria 94 anos. Mas até o mais dedicado estudante de cinema, hoje, perguntará: "Quem foi ele?". A despeito de novas pesquisas que resgatam e reinterpretam a história do cinema brasileiro, a poética de Khouri amarga um ostracismo virtual imposto por anos de uma análise superficial de sua trajetória. 

Considerado cerebral e elitista, o cineasta é dono de uma das obras mais complexas, instigantes e plurais do cinema mundial, influenciadas pelo que de melhor houve na produção de filmes de vanguarda.
"Os filmes se fazem através de mim. Não sou eu quem os faço". 
Assim falava Walter Hugo Khouri, que estudou filosofia na USP, mas em vez de concluir seus estudos no extenuante ambiente acadêmico, optou por migrar sua percepção da aridez existencial para as telas do cinema. 

No início dos anos 1950, quando a cena paulista acumulava alguns dos melhores e mais ambiciosos estúdios, a saber, Vera Cruz, Cinematográfica Maristela e outros, o diretor debutou com uma produção já grandiloquente, "O Gigante de Pedra" (1954).

Ao longo dos anos 1970, Khouri teria de conciliar o recorrente exame psicológico com a demanda por um erotismo mais explícito. No entanto, não abriu mão do estilo que adotara e, com frequência, a lascívia da qual se valeu chega a sufocar o espectador, tamanha a brutalidade velada de um sexo fugaz que em nada serve aos instintos imediatos, mas revela o lado tenebroso das relações físicas fugidias. 

Esse torturante claustro dos impulsos da carne marca "As Deusas" (1972), em que o cineasta recorre a uma fenomenologia característica de filósofos como Merleau-Ponty (filósofo francês, ✩1908/✞1961). Um casal em crise e uma psicanalista sensual envolvem-se num processo de autoanálise involuntária, isolados num sítio, onde somente a natureza irá assistir a um processo relacional falho. 

Assim também é em filmes como "O Último Êxtase" (1973), "O Prisioneiro do Sexo" (1979) e "Convite ao Prazer" (1980) [Já assisti a todos!], todos protagonizados pelo mesmo Marcelo, de sua juventude à maturidade, em busca de uma transcendência pelo sexo, que se revela inalcançável.

Nos anos 1980, já um consagrado artífice, Khouri elevou sua provocação e seu estilo rebuscado aos limites possíveis dentro de uma indústria cinematográfica que começava a dar sinais de decadência irremediável. Com "Eros, o Deus do Amor" (1981), colocou o espectador na pele de Marcelo, em câmera subjetiva, e consolidou seu talento para fotografar a beleza feminina como jamais outro cineasta havia feito. 
Mas é a polêmica do filme seguinte, o protagonista deste artigo, "Amor, Estranho Amor" (1982), que ainda sustenta uma vaga lembrança de quem é Walter Hugo Khouri, talvez por um equívoco imperdoável das instâncias legais. Lembrado como o filme pornográfico de uma estrela do universo infantil, o filme não é nem pornográfico, nem a tal estrela é sua protagonista.
Muito longe disso, "Amor, Estranho Amor" é um filme sobre a memória fragmentária de um garoto que descobre o mundo dos adultos pela verdade da prostituição de sua mãe e da corrupção política que circula pelas alcovas de um prostíbulo de luxo, confrontada com a história recente de um Brasil dominado pelo totalitarismo varguista. 

A atribulada situação jurídica que culminaria no embargo do filme caminhou ao lado de uma condição lastimável de produção que assolaria o cinema brasileiro a partir do descumprimento das leis de reserva de mercado da extinção da Embrafilme, em 1990.

É possível destacar desse período o mais famoso filme de Khouri, "Noite Vazia", de 1964, onde estabelece o erotismo humano como uma forma de auto-flagelação, longe de uma exposição descompromissada e vulgar, o sexo em sua obra é cru, dói, e chega aos mais íntimos desejos do inconsciente humano.

Tal presença do sexo como elemento norteador dessas buscas existenciais é a condição que aproxima o diretor às fontes de financiamento da Boca do Lixo, fato esse que determina sua terceira fase, dos anos 1970 ao fim da década de 1980. 

Nesse momento o cineasta diminui seu estilo europeu, e investe na produção da chamada "pornochanchada", primeiramente para corresponder às exigências dos produtores da Boca do Lixo e de seu público. 

Apesar de assumir a lógica do erotismo explícito, Khouri mantém sua marca extremamente pessoal, obstinado a não abrir mão de sua visão de mundo. Utilizando o erotismo a partir do incômodo, o diretor garante o interesse do público, o investimento da Boca e a impressão de seu cinema autoral.

Auter ego?


Fato interessante da filmografia de Khouri é a presença de um personagem constante, Marcelo. O personagem é considerado o alter ego do diretor, movido principalmente pelo narcisismo masculino, busca uma afirmação sexual que vai além da conquista. Sua filosofia niilista é uma fachada que esconde seu verdadeiro interesse, a conquista sexual.

Após a Boca do Lixo, o cineasta realiza, no início da década de 1990, algumas co produções internacionais, como "Forever" (1990).

Walter Hugo Khouri morreu aos 73 anos, em São Paulo, no dia 27 de junho de 2003, deixando 26 filmes, ao menos dois roteiros inéditos e várias ideias inacabadas. 

Sua proposta revela a intensão de um cinema total, um tipo de produção composta de elos que se unem num projeto único. Em todas as suas obras, ouvimos recorrências na trilha sonora e entendemos a coincidência de personagens e ações. 

Ao longo dos próximos anos, seu acervo deverá servir a estudos de maior fôlego e a esforços para reabilitar essa poética tão plural e crítica como poucas produzidas no contexto histórico do cinema nacional.

Agora sim, conheçamos mais sobre o filme e o que há além da polêmica que ofuscou todo o seu brilhantismo como uma das grandes obras da sétima arte brasileira.

"Amor, Estranho Amor"

Algo bem mais que "o filme da Xuxa"


Xuxa, na premiere do filme (foto/divulgação)
O poder da ignorância. Durante anos, eu ouvi o tão propalado discurso de que uma Xuxa, ainda desconhecida e novinha (16 anos!), participara de um filme pornô e fizera sexo com um menino imberbe (12 anos!).
Durante este tempo todo, esta retórica foi alimentada pela própria apresentadora. Graças à sua sanha desenfreada em apagar qualquer vestígio de que um dia esta obra existira. Vergonha Arrependimento? Mais promoção? Não sei bem. Talvez, um pouco de tudo isso.
A questão, parece, é que ela sempre julgou ter uma imagem a zelar. Afinal, era a de "Rainha dos Baixinhos". Contudo, nesta história toda, quais são os fatos verdadeiros? O que é realidade e o que é lenda? 
O fato verídico é que, em 1982, ela contracenou, sim, com o então garoto Marcelo Ribeiro. A lenda é que, acreditem, não há nada de vergonhoso ou desonroso no conteúdo deste longa-metragem. Muito pelo contrário.
Em uma sexta-feira de fevereiro, dia 12, de 2021, 39 anos após seu lançamento nos cinemas, finalmente, após um imbróglio jurídico que se arrastava há décadas, "Amor, Estranho Amor", foi exibido na televisão brasileira. Coube ao Canal Brasil, da TV paga, a veiculação desse exemplar conhecido popular e equivocadamente como "o filme da Xuxa", assim nem tanto pela nem tanto relevante participação da tal "Rainha dos Baixinhos" no elenco, mas principalmente pela força que a celebridade fez ao longo dos últimos anos para apagar esse episódio de uma carreira que estava começando. 
Estima-se que entre 1991 e 2018 ela tenha gastado US$ 60 mil anualmente para continuar como detentora dos direitos autorais do título, desse modo tendo poder sobre sua circulação e, como neste caso, privando-o da possibilidade de encontrar novos públicos. 
Segundo relatos da própria Xuxa, ela foi convencida por seu então namorado na ocasião, Pelé, a participar da produção, vivendo a prostituta iniciante dada de presente ao menino de 12 anos, logo servindo para ele possivelmente ter sua primeira experiência sexual. 

Obviamente, os esforços censórios da apresentadora foram no sentido de preservar intacta a imagem cândida com seu público-alvo. De fato, ela não achava prudente deixar circular um trabalho em que contracena nua (praticamente o tempo todo) com uma criança, especialmente no período em que estava prestes a se lançar ao estrelato na TV.

Nada mais que uma coadjuvante em cena, Xuxa chegou ao cúmulo de mover uma ação judicial contra o Google, tentando obrigar a empresa a exterminar qualquer vínculo de seu nome com "Amor, Estranho Amor"

Primeiro, ela impôs a censura por intermédio do poderio financeiro. Segundo, buscou apagar rastros do trabalho, querendo o atirar no esquecimento. Mais recentemente, em 2018, abriu mão de pagar pelos direitos e até advogou publicamente a favor do acesso ao longa-metragem no qual contracena com os veteranos Vera Fischer, Tarcísio Meira (✩1935/✞2021) e Mauro Mendonça, entre outros nomes bastante conhecidos, como Wálter Foster (✩1917/✞1996). 

Aliás, numa entrevista concedida ao portal Papo de Cinema durante o 26º Festival de Vitória, Fischer comentou o assunto, sem papas na língua, quando perguntada: 
"Outros atores muito importantes também estavam naquele filme, como Tarcísio Meira , Íris Bruzzi e Mauro Mendonça. Foi um desrespeito com todos esses profissionais (ela se refere ao embargo). Além de ter ganhado o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Brasília, recebi também o Troféu Air France, que era um dos mais disputados naquela época. Ou seja, é claro que fiquei chateada, pois quero que, quem ainda não o assistiu, conheça essa obra".
Concordo plenamente com ela! Ainda bem que hoje, a obra está disponível para quem quiser conferir o quão rica ela.

Sim, o filme é muito bom!


A despeito da fama por conta da celeuma com a tal Xuxa Meneghel 
(sim, para mim, devido ao fato de eu a considerar artisticamente irrelevante, ela nunca deixou de ser uma tal), 
"Amor, Estranho Amor" é um filme de valor, sobretudo por sua coragem ao mesclar política e desejo. Tudo isso embalado num processo memorialístico que pode, inclusive, ser responsável por colocar em xeque coisas que vemos — pois, grande parte do filme é a projeção das lembranças do homem adulto em contato com um cenário importante ao período de seu amadurecimento. 

"Amor, Estranho Amor", como em vários provocativos filmes que Khouri fez nos anos 1970 e 1980, é atravessado pelo erotismo volumoso na nossa produção cinematográfica das épocas citadas, algo que, obviamente, em tempos de patrulhamentos e militâncias ideóligicas, seria inimaginável.

Freud explícito


Não há pudores quanto à nudez — inclusive a tão comentada de Xuxa, na cena em que se oferece ao assustado menino vivido por Marcelo Ribeiro —, tampouco com relação a abordar temas considerados tabu, como o Complexo de Édipo. 

Numa cena, após resistir às investidas de uma beldade seminua, o pré-adolescente se deleita com a visão da própria mãe tomando banho. Mas, o gesto está bastante distante da vontade simplista de escandalizar. Funciona mais como indício violento de impulsos íntimos interditados pela sociedade. 

Naquela circunstância, é um espelho para várias conjunturas de natureza diferente, mas de teor simbólico semelhante, tais como os próprios humores da coletividade diante das mudanças sócio-políticas que aconteceriam. 

Trata-se de uma obra ambientada na convulsionada época do Estado Novo, em que o realizador mistura diversos poderes e anseios ali investidos a fim de construir um panorama denso e sedutor, mesclados com imagem e trilha sonora soturnos. 
Aos que buscarem simplesmente o escândalo, um aviso: o filme é muito mais do que a fama adquirida de censurado.

A trama

Uma ode à Psicanálise

Trailer de "Amor, Estranho Amor" (YouTube)
Dirigido e roteirizado por Walter Hugo Khouri, "Amor, Estranho Amor" começa com Hugo (Walter Forster), um senhor de uns 70 anos, chegando a um velho casarão da elite paulistana. Uma vez dentro, vagando pelos cômodos, seus pensamentos voam no tempo e retornam ao distante mês de novembro de 1937, para um Brasil prestes a mergulhar na ditadura do Estado Novo.

Hugo percorre os cômodos vazios do casarão que nos anos 1930 abrigou um bordel de luxo, basicamente frequentado por grandes figurões da vida política brasileira daqueles tempos. Assim como em boa parcela dos filmes dirigidos por Khouri, um dos nossos cineastas mais sofisticados e infelizmente negligenciados, aqui a inocência é confrontada pela sexualidade exacerbada nesse lugar. 

Além disso, o erotismo é enquadrado como elemento importante dentro de um jogo de poderes que evade as fronteiras da propriedade e reverbera extracampo nos gabinetes do legislativo. O protagonista recorre à sua pureza da infância em busca de algo que perdeu pelo caminho.

Juntos, somos transportados e o observamos, criança (Marcelo Ribeiro), chegando ao mesmíssimo lugar. No entanto, conduzido pelas mãos da avó. Até aí, nada demais. Acontece que, como já dito, na tal residência funcionava um bordel de luxo gerenciado por Laura (Íris Buzzi). Lá, a mãe de Hugo, Anna (Vera Fischer), era a principal garota de programa. A preferida do doutor Osmar (Tarcísio Meira), o todo poderoso Governador de São Paulo.

Outra recém-chegada é Tamara (Xuxa Meneghel). Uma lindíssima jovem do interior de Santa Catarina que está ali para seguir os passos de Anna, assim como de todas as mulheres que um dia cruzaram os portões daquele casarão. Além disso, ela também está sendo preparada para ser dada como "presente" ao doutor Benício (Mauro Mendonça), o Governador de Minas Gerais, como parte de uma trama política do dr. Osmar, no sentido de conseguir solidificar o apoio de seu aliado, tendo, assim, chances de assumir o poder e o protagonismo na classe política vigente. 
Qualquer semelhança com o que se vê hoje em dia NÃO É mera coincidência.
É óbvio — e nem poderia ser diferente, afinal, falamos de um pré-adolescente no auge da descoberta de sua sexualidade — que, naquele ambiente de luxúria, Tamara e as demais meninas acabariam fascinando o jovem e povoando seus sonhos outrora inocentes.

Sem vulgaridade e contextualmente relevante


Cartaz oficial de lançamento do longa (foto/divulgação)
O sexo é uma arma para chegar ao poder em "Amor, Estranho Amor". Como qualquer político de alto coturno, Osmar sabe que o sexo e o poder formam uma dobradinha inseparável. Assim, com eleições presidenciais marcadas para o ano seguinte, ele almeja o cargo de supremo mandatário do Brasil. Só que, para isso, precisa do apoio de Benício. Revivendo, assim, a velha política do "café com leite" que ditou os rumos da república em seu início.

Então, após três dias de intensas rodadas de negociações e articulações, ele diz para Anna que proporcionar uma inesquecível noite de amor para o seu aliado será a maneira mais eficaz de garantir a solidez da futura união visando o pleito. As palavras não foram estas, mas o sentido sim.
Assim como quase todos as películas de Khouri, este exemplar possui sexo e nudez. De fato, eles podem, às vezes, soar gratuitos. Entretanto, não há vulgaridade. Aliás, quase no começo do filme, Tarcísio Meira e Vera Fischer realizam aquela que talvez seja a mais bela cena de amor do cinema brasileiro. 

Ao som de uma música cuidadosamente escolhida pelo maestro Rogério Duprat (✩1932/✞2006), fiel colaborador do diretor. Este momento é coroado por um choro copioso de Hugo que, em silêncio, viu tudo. Ainda sem entender seu significado real.

Estranho amor, mas belo

Já a tão propalada primeira noite do menino realmente ocorre. Agora, será que ele e a Xuxa de fato consumam o ato? Bem, eu vou me reservar ao direito de não revelar (Mesmo porque, penso que isso não faz absolutamente nenhuma diferença... não para mim!). 
Vejam o longa e tirem suas próprias conclusões. Se existe alguma coisa aqui que poderia gerar polêmica, esta é uma cena envolvendo mãe e filho com fortes questões edipianas. Aliás, estas são recorrentes na obra do cineasta. (Aliás, o incesto, aqui sugerido, é consumado em "O Prisioneiro do Sexo" (1979), filme de alta voltagem erótica em que Tarcísio Meira não apenas confessa o desejo de ir com a filha para cama, mas efetiva consensualmente o ato interditado.)
Seja pelos aspectos já citados, ou pela exímia direção de Khouri, que sobrepõe os olhares do velho e do novo Hugo e nos faz partícipe desta comunhão; ou ainda pela trilha sonora de Duprat, que remete os espectadores instantaneamente à década de 30; "Amor, Estranho Amor" é um longa-metragem vigoroso. Certamente uma obra-prima do cinema nacional que, às custas da ignorância alheia, foi difamado e completamente esquecido e/ou estigmatizado. Uma pena!
  • Em tempo: na época de seu lançamento, o filme rendeu o prêmio de melhor atriz para Vera Fischer, no Festival de Cinema de Brasília. Um sinal de que muita gente o recebeu sem preconceito.
Enfim, desliguem seus celulares e excepcional diversão.

Sim, vale muito a pena ver


Numa cinematografia aguerrida como a brasileira, não inscrita nos círculos hegemônicos de produção e distribuição, é infelizmente comum a demora à realização de filmes. 

Mesmo nomes importantes às vezes penam durante anos entre um êxito e outro, o que torna a trajetória de Walter Hugo Khouri ainda mais fascinante.

Os personagens de Khouri não refletem o grosso da população. Com exceções, são todos membros da classe burguesa, homens e mulheres atravessados por uma sensação de vazio inextinguível. Movidos frequentemente pelo desejo sexual, eles, contudo, não conseguem saciar uma fome que pouco tem a ver com a carne, no fim das contas, embora passe inevitavelmente também por ela. 

"Amor, Estranho Amor" apresenta alguns elementos recorrentes em seus filmes ou, quando não constantes, que já haviam aparecido como indícios da visão desse realizador.

As burguesias entediadas, traições como modo de chacoalhar a inércia, relações edipianas, a infância como repositório de lembranças reconfortantes (às vezes simultaneamente dolorosas), o cenário externo como projeção da dominante psicológica dos personagens, a insatisfação atingindo os picos da exasperação. 

Tudo isso, constantemente visto em outros longas do cineasta, está presente em "Amor, Estranho Amor". Walter Hugo Khouri criou personagens femininas fortes, cientes de seu poder e indispostas diante dos grilhões da sociedade machista. Também apresentou homens com comportamentos irresponsáveis, verdadeiros pilares de uma elite torpe e "umbigocêntrica". 

Seu olhar nunca esteve direcionado ao entendimento específico das tensões entre classes e gêneros. Pelo menos não tão abertamente. Evitou hastear panfletos, flâmulas ou o que os valha. Demonstrou interesse pelo aspecto humano identificável nessas fissuras, naquilo que não necessariamente está disponível a olho nu. 

De todo modo, deixou espaços generosos para o espectador estabelecer conexões íntimas com essas pessoas imaginadas, não demonstrando simpatia exagerada por elas, mas tampouco as "cancelando" por serem mesquinhas, exageradas, histriônicas, alienadas, classicistas, machistas ou violentas. 

Enfim, não sentencia tendo em vista os erros, mas faz questão de resgatar das profundidades esses lados menos bonitos das personalidades contempladas. Justamente por ir na contramão do cinema revolucionário  — no discurso e pretensamente na forma  — celebrado como essencial nos anos 1960, e por, à sua maneira, dançar conforme a música para seguir produzindo cinema, foi relegado ao segundo escalão dos cineastas. Absurdo, pois Khouri é digno de lugar cativo no Olimpo.

Conclusão

Ao filme o que é do filme


Certamente, "Amor, Estranho Amor" não merecia ter entrado no imaginário brasileiro como "o filme da Xuxa". Antes tarde que nunca, hoje — bendita seja a internet — temos  a oportunidade de assistir a ele em condições apropriadas — bem que, passada a pandemia, poderiam rolar exibições no cinema, né? 
Tomara que passe a ser valorizado pelos méritos, não pela mesquinhez de quem colocou acima da arte os moralismos e a vontade de manter ilibada uma [hoje já ofuscada pela implausibilidade do tempo] imagem junto ao público infantil.
 E, um conselho? Procure saber mais sobre esse gênio que foi Walter Hugo Khouri, alguém que fez filme de suspense ("O Anjo da Noite", 1974), flertou com o horror ("As Filhas do Fogo", 1978), fez um scif-fi existencialista sem efeitos visuais ("Amor Voraz", 1984), lançou filme quando o então presidente Fernando Collor de Mello inviabilizou o cinema por aqui ("Forever: Juntos para Sempre", 1991), além de muitos feitos alcançados. Aqui, criador e obra recebem, por honra ao mérito, o meu seleto selo de:

Ficha Técnica


  • Título original: Amor, Estranho Amor
  • Direção: Walter Hugo Khouri
  • Elenco: Marcelo Ribeiro, Walter Forster, Xuxa, Tarcísio Meira, Vera Fischer, Wálter Foster, Mauro Mendonça, Iris Bruzzi, Xuxa Meneghel e Marcelo Ribeiro 
  • Distribuição: Embrafilme
  • Data em que estreou: 01/11/82
  • País: Brasil
  • Gênero: drama
  • Ano de produção: 1982
  • Duração: 97 minutos
  • Classificação: 18 anos
[Fonte: Revista Cult, por Donny Correia é doutor em Estética e História da Arte pela USP, autor de Zero nas veias (Patuá) e Corpocárcere (Patuá); Instituto de Cinema, por Isabella Thebas; Papo de Cinema, por Marcelo Müller Jornalista, crítico de cinema e membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministra cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ e no Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017) e "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018). Editor do Papo de Cinema. Ultraverso, por Bruno Giacobbo]

Ao Deus Todo-Poderoso e Perfeito Criador, toda glória.
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blogue https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade.
E nem 1% religioso.

sábado, 29 de julho de 2023

PRONTO, FALEI! — O "EFEITO BARBIE" E A IDIOTIZAÇÃO DE UMA SOCIEDADE "IN MEMORIAN"

O [na minha opinião, famigerado] filme "Barbie", estrelado por Margot Robbie (assumo minha ignorância: a mim essa moça é uma ilustríssima desconhecida) — que estreiou nas salas de cinema brasileiras no último dia 20 —, e em apenas cinco dias de vendas, se consolidou como a maior pré-venda do ano na Ingresso.com, é o cerne para o texto desse artigo. 

A empresa também revela que, após o segundo final de semana de exibição da película, as expectativas de pré-venda foram superadas em 166 %. Ainda, o longa lidera o ranking geral das vendas da Ingresso.com no mês de julho e já se consagra como um grande sucesso.

Para se ter uma ideia, segundo o Google Trends — ferramenta do buscador Google que mostra os mais populares  termos buscados em um passado recente —, dentre os filmes mais aguardados para este ano, "Barbie" é o mais buscado pelos brasileiros na internet.

Mas parece que o universo cor-de-rosa da boneca já toma conta não só das vitrines das lojas, dos cardápios de restaurantes como também da vida e do intelecto dos fãs, entre adultos e crianças.

Adultos infatilizados


E é exatamente essa orda de adultos — homens e mulheres — vestidos de rosa que lotaram as cubículas salas de cinemas dos shoppings Brasil afora que me chamaram a atenção para este fenômeno que tem sido chamado de "efeito Barbie". Muito além de mera diversão, como gostam de resumir os mais simplistas, tal comportamento tem algo muito mais complexo e merece ser analisado.

Fuga da realidade


Lidar com sentimentos como medo, sofrimento e dor é um grande desafio na vida dos seres humanos e, por diversos motivos, nem todos estão dispostos a enfrentá-los. Contudo, os momentos difíceis são responsáveis por uma parcela significativa da formação de um indivíduo, incluindo seu caráter, maturidade e força emocional. É importante aprender a voltar para si a fim de se conhecer e entender o que sente e as emoções que isso gera.

A fuga da realidade é um mecanismo que muitos costumam usar quando não se sentem fortes o suficiente para enfrentar determinada situação, que pode ser, por exemplo, a perda de um ente querido, uma demissão, insatisfação com algo ou o fim de um relacionamento. Se você está passando por isso, saiba que o poder para superar os problemas está em seu interior e é perfeitamente possível encontrá-lo e fazer dele seu aliado para vencer seus fantasmas. É o que na Psicanálise chamamos de resignificação.

Em muitos casos, o ato de fugir da realidade se torna um vício e o indivíduo passa a nem analisar o que está acontecendo verdadeiramente. Porém, saiba que grande parte dos problemas que acredita ter pode ser mais simples do que imagina. Assim, se empoderar para encará-los vai possibilitar que encontre as soluções necessárias para resolver as questões pendentes e seguir em frente.

A fuga da realidade e o risco de adquirir uma compulsão


Uma pessoa pode fugir da realidade de várias formas, através de comportamentos que a distraia daquilo que está sentindo e promovam sensações de prazer e um breve esquecimento do seu incomodo. E, este é, sem qualquer sombra de dúvida, uma da explicação para esse lúdico transporte de tantas pessoas para o mundo cor-de-rosa da tal Barbie, o que foi impulsionado não só pelo acirrado marketing, mas também pelo roteiro e temática do filme.

É bastante comum que esse seja o início de vários tipos de compulsões, como as relacionadas ao abuso de álcool e outras substâncias alucinógenas, jogos de azar, transtornos alimentares e os relacionados a compras. Porque você acha que houve um verdadeiro tsunami de produtos relacionados ao tal filme invadindo todos os setores comerciais, até mesmo os do segmento alimentício 
(as mais famosas redes de fast food, encheram seus já indigestos e nocivos cardápios com guloseimas temáticas referentes ao filme — e coloridas sabe-se lá com quais recursos químicos).
Vale lembrar, ainda, que nem sempre a fuga da realidade se dá através de alguma atividade que provoque uma clara mudança de comportamento, como é o caso do uso de drogas. Atualmente, a tecnologia oferece diversas possibilidades para quem deseja fugir do que está sentindo, seja através de jogos eletrônicos ou das redes sociais, por exemplo.

Isso acontece porque, enquanto o indivíduo está realizando uma atividade que considere prazerosa, tem a sensação de que os problemas sumiram. Como consequência, do desejo de se sentir cada vez mais anestesiado e longe do sofrimento, começa, então, a repetir as mesmas atitudes, o que, muitas vezes, resulta em vícios e compulsões.
É necessário entender que fugir não fará com que o problema desapareça ou diminua, na realidade o que pode acontecer é que a situação se agrave. Enxergar os acontecimentos de forma racional é a melhor maneira de parar de sentir medo e ir em busca de soluções. Lembre-se que sempre é tempo para mudar algo que esteja te impedindo de ser feliz.

Fuga da Realidade e a fantasia

A fantasia passa a ser prejudicial quando se sobrepõe à realidade, e a pessoa se mantém presa na idealização, recusando-se a encarar o mundo externo e concreto. As crianças são especialistas em fantasiar, vivem no mundo da imaginação, onde tudo é possível.
Elas amam contos e historinhas, passam horas brincando e dando vida à bonecos inanimados, se identificam e se consideram super-heróis, afirmam ter superpoderes, e imergem num mundo paralelo onde podem ser fadas, duendes ou até mesmo um adulto. Nas brincadeiras de "faz de conta" se comportam como atores nas novelas e filmes, vestem o personagem e os interpreta dentro da sua capacidade de imitação.

Mas à medida que o tempo vai passando, e a criança vai se desenvolvendo gradualmente, ela percebe que o mundo não é tão belo e tão doce quanto se apresentava nos desenhos animados. Aos poucos, vai percebendo que o papai noel não virá trazer presentes no Natal, e que quem colocava o presente no lugar do dentinho, era a mamãe e não a fada do dente.
Imagine o estrago psicológico essa fuga pode fazer em um adulto? É uma completa idiotização crônica que ignora completamente os limites do esdrúxulo. É exatamente o que está acontecendo no caso do tal efeito Barbie.

Um mundo de responsabilidades


A criança começa a ser inserida num mundo de responsabilidades, e então o tédio passa a fazer parte de suas vidas. Agora ela não pode mais brincar o tempo inteiro, ela precisa estudar também, ir para a escola, dividir brinquedos, obedecer aos mais velhos, e a lista de obrigações só aumenta com o tempo, até chegar ao ponto em que os bonecos são deixados de lado, os livros de historinhas infantis são doados para uma biblioteca, as fantasias de super-heróis são guardadas no porão.

O psicanalista Freud (✩1856/✞1939) estudou sobre esse processo de amadurecimento, em que a criança deixa de ser regida pelo princípio do prazer e passa a ser regida pelo princípio da realidade. Ele afirma ser um processo que acontece à medida que os pais, familiares, professores e a sociedade em geral passa a integrar a criança na civilização e na cultura vigente.

É então que se ensina os valores morais, as tradições, os costumes e as regras presentes na vida adulta. Esse processo de amadurecimento gera sofrimento psíquico, porque agora não se pode mais realizar todos os desejos, e é nesse momento que a repressão começa a acontecer.
Enfim, fugir da realidade momentaneamente traz a falsa sensação de descarte dos problemas. Mas a fuga da realidade não dissolve os problemas, pelo contrário, os perpetua e intensifica. 
Empurrar a poeira para debaixo do tapete não faz com que a poeira deixe de existir, só a acumula, até chegar ao ponto de não ter mais como ignorá-la.
Portanto ao invés de evitar os problemas, os desafios e as dores na vida, é necessário compreender que a evitação dos mesmos gera ainda mais conflitos e dores, porque no fim o sofrimento é inevitável. A vida é cercada por problemas, e eles existem para serem solucionados.

Sendo assim, é importante compreender que quando se é adulto, se faz essencial assumir responsabilidades, tomar decisões e arcar com as consequências das mesmas. Fantasiar é bom, sonhar acordado de vez em quando traz sensações maravilhosas, mas é preciso abrir os olhos, pôr os pés no chão e abraçar a realidade com coragem.

O mundo irreal de Barbie vs. a inexorável realidade


Envolta em um mundo de beleza, riqueza e aventura, a boneca Barbie está imersa em uma pedagogia cultural, com o intuito de ensinar a supremacia de um tipo de corpo, etnia e comportamento. As representações da boneca Barbie na cultura lúdica e o modo como tem afetado a construção das identidades infantis, especialmente em relação à identidade de gênero e à diversidade cultural é um dos pontos que devem ser analisados na mensagem nada subliminar que este filme passa. 

Analisa-se o que há tempos estudos específicos têm revelado sobre as representações culturais dessa boneca. Para tanto, basta pesquisar como referencial os Estudos Culturais, tendo como marco teórico a abordagem Pós-Estruturalista de análise, tratando a boneca como um artefato cultural. Destacam-se seus efeitos produzidos pela mídia e pela configuração discursiva da infância.
A boneca manequim mais famosa do mundo, Barbie, envolta em um mundo cor-de-rosa, que evoca magia e fantasia, pode parecer apenas um simples e inocente brinquedo para entreter e divertir crianças. 
No entanto, ao se revisitar sua história, emergência e permanência no mercado de brinquedos, vê-se que sua produção está imersa em intenções pedagógicas, com o intuito de ensinar a supremacia de um tipo de corpo, raça e comportamento.
Estima-se que, desde a sua criação, um bilhão de bonecas Barbies foram vendidas em mais de 150 países. Com o status de boneca mais vendida do mundo, seu sucesso é sempre vinculado à beleza, à juventude e ao consumo. 

Devido às diversas adaptações visuais, à representação de diferentes etnias e ao discurso multiculturalista e "inclusivo", a boneca norte-americana acompanhou as mudanças de tendência em moda, beleza e comportamento e construiu uma memória da cultura ocidental. 

Nos seus mais de 50 anos de existência, a fabricante da Barbie, a Mattel, cria inúmeros artefatos midiáticos, utensílios, roupas, acessórios, cenários e a representação das diferenças com o intuito de aumentar as vendas da boneca, fomentando a cultura do consumo.

O dispositivo pedagógico da boneca Barbie


O brinquedo participa da construção da infância por meio de complexos significados e práticas produzidas não apenas por seus criadores e difusores, mas por aqueles que o utilizam. É possível entender o lugar da criança na sociedade através dos usos e significados atribuídos aos brinquedos. Por serem portadores de significados e valores culturais que revelam os discursos, concepções e representações da sociedade, revelam os conceitos de infância construídos historicamente pela cultura ocidental.

A cada momento histórico, forjam-se subjetividades próprias, pertencentes à cultura hegemônica consolidada.

Tendo em vista que as identidades infantis e suas representações são produzidas pelos discursos que se enunciam sobre ela, as representações sociais da infância são moldadas na e pela linguagem. A "virada linguística" concebe a linguagem como constituidora, em outras palavras: a linguagem forma sistematicamente os objetos sobre os quais narra. 

A cada época histórica forjam-se modelos hegemônicos, e certas narrativas são tidas como verdadeiras. As narrativas agora passam a ser vistas como formadoras do sujeito, dessa forma, elas produzem as identidades, partindo-se da ideia de que somos o que contamos e o que nos contam, sob a influência dos lugares, tempo e vozes que narram, fazendo com que a narrativa se torne responsável pela formulação dos processos identitários. 

Com a virada linguística, a verdade única deixa de existir, sendo substituída por verdades constituídas. Estas, a partir de então, são consideradas crenças, tendo como alvo de análise o processo pelo qual algo se torna verdade.

Mensagem ideológica

Uma diva para todes governar


Em meados da década de 1960, enquanto as diferenças, a pluralidade cultural e a inclusão social são temáticas que se tornaram centrais no panorama educativo nos últimos anos, a fabricante da boneca Barbie percebeu que o discurso da diversidade tinha grande potencial de marketing

Para a Mattel, diversidade consiste em tons de pele, países, línguas e hábitos alimentares diferentes dos da Barbie loura e branca. A pluralidade cultural foi relegada às amigas da Barbie, pois nada poderia retirar a supremacia da branca da boneca.
Alguns pesquisadores afirmam que Barbie não representa um modelo heterossexual, mas que possui um currículo queer. Barbie também foi revista sob o olhar da teoria queer, que fala de uma sexualidade transgressiva, não normatizada. 
Mesmo com seu visual "ultrafeminino", Barbie representaria a imagem de uma drag queen, com suas longas pernas, roupas purpurinadas, maquiagem colorida, tiaras brilhantes e inúmeros acessórios. 
Na década de 1990, Barbie e Ken passaram a ser ícones de lésbicas e homossexuais como, por exemplo o Earing Magic Ken. Segundo pesquisadores, o mundo da Barbie é bissexual, já que ela possui um duradouro relacionamento com Ken e com sua melhor amiga Midge. 

Inclusive, a revista de colecionador Barbie Bazaar, destinada aos adultos, possui artigos que tratam da controversa sexualidade de Barbie. Diversos colecionadores que se afirmavam como gays e lésbicas escreviam para a revista relatando sua identificação com as personalidades de Ken e Barbie. Muitas drag queens citavam a influência da Barbie em suas vidas. (Entendeu agora a jogada, né?)

Conclusão


Neste artigo, busquei argumentar como o "dispositivo" organiza-se, produz e incita o aprendizado de um conjunto de saberes e modelos comportamentais. Procurei mostrar como esse "dispositivo" promove linhas de subjetivação de modo que os infantis sejam convidados a falar de si e estabelecer uma relação reflexiva consigo mesmo através das brincadeiras com bonecas, além de despertar a reflexão sobre os males que podem causar aos adultos a constante (e muitas vezes indireta ou imperceptível) tentativa de fugir da realidade.

Pode ser desafiador convencer alguém de que aquele comportamento que está apresentando se trata de uma fuga da realidade. Contudo, sua ajuda pode ser fundamental para quebrar esse ciclo, que pode ser tão prejudicial para a saúde física e mental das pessoas. Vale lembrar que, em casos mais graves, procurar o suporte de um profissional é fundamental.

E você, como está a sua relação com a realidade? Acredita que já recorreu ao mecanismo de fuga como forma de se proteger? Reflita! Por fim, busque seu autoconhecimento de modo a entender como os acontecimentos e experiências passadas influenciam os seus sentimentos e comportamentos atuais. Isto é indispensável para você viver sua realidade sem atalhos e para conquistar uma vida mais plena, madura e feliz como merece.

A Barbie cumpre um papel educativo. Envolta em um mundo de beleza, riqueza e aventura, que supostamente valoriza a diversidade e as diferenças, Barbie está imersa em uma pedagogia cultural, com o intuito de ensinar a supremacia de um tipo de corpo, raça e comportamento, além da produção de subjetividades infantis. 

A pedagogia analisada da boneca mostra que a pressão da publicidade impressa e difundida através de diferentes artefatos incorpora valores e modelos que são ubíquos na sociedade atual. O marketing por trás das Barbies étnicas, que pretendem representar minorias da sociedade, reforça as representações estereotipadas e a exclusão de determinados grupos. A Barbie personifica a fantasia de um mundo glamoroso, um ideal de beleza feminino, branco, magro e loiro. Pronto, falei!

[Fonte: Original em SciELO, adaptado por Leonardo Sérgio da Silva, acesso em 29/07/2023; Psicanálise Clínica, por Ivana Oliveira do IBPC, graduada em psicopedagogia]

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sábado, 22 de julho de 2023

DIRETO AO PONTO — O VALE-TUDO EM BUSCA DE ENGAJAMENTOS NAS REDES SOCIAIS

Agora, como estudande de Psicanálise, é quase impossível que eu não faça um leitura com viés mais psicanalítico dos temas que permeiam ou caracterizam os diversos contextos sociais. Aliás, não apenas faço uma leitura psicanalítica, mas, também teológica (por mais que não queiram, é quase impossível desassociar a psicanálise da teologia, obviamente, respeitando-se as devidas especificidades e proporções de cada uma delas). Pois bem, é exatamente o que faço no texto desse artigo, mais um capítulo da minha série especial Direto ao Ponto.

Sejamos sinceros, hoje em dia, quem não usa as redes sociais (eu prefiro chamar de mídias digitais)? Quem não usa o aplicativo mais popular de todos, ele mesmo, o hoje quase indispensável WhatsApp para enviar mensagens, fotografias e fazer chamadas de áudios ou vídeos? O nosso mundo "virtual" mudou e temos de nos adaptar a esta nova realidade. Resistir a ela, mais que uma imbecilidade é um atestado de total alienação.

Limites tardam, mas não falham


O aparecimento da internet e, por sua vez, das redes sociais e aplicações, fez com que a maneira como comunicamos se alterasse, tornando-a mais prática, rápida e eficiente. Conseguimos estar em contato através de um simples clique e a existência de wifi gratuito por todos os lados facilita a comunicação instantânea.

Os jovens já nasceram nesta geração do advento das redes/mídias sociais/digitais e não imaginam a sua vida sem estes meios de comunicação. Aliás, podemos observar uma rápida alteração de humor no jovem quando a internet falha em casa, não conseguem acesso ao wifi num local público ou quando esgotam os dados móveis. É notório o desagrado e o sentimento de angústia em tentar resolver a situação o mais breve possível.

E por que isso? Porque, como em tantos outros âmbitos dessa nossa vida moderna, o que se busca é conectividade. E nesse emaranhado de comunicação instantânea é quase impossível conseguir impor limites aos acessos de conteúdos nocivos e criminosos.

Por exemplo, a criação de perfis ocultos que espalham notícias falsas (as chamadas fake news), por exemplo, o que já desencadeou crises políticas sérias, então nada melhor do que "limpar" as redes contando com perfis de pessoas que realmente existem.

A busca insana por seguidores


Números importam? Claro que sim — eles empregam autoridade. Se tantas pessoas, tantas contas seguem aquela, algo de bom, útil, divertido, informativo ou produtivo deve ter ali. Geralmente. Às vezes, não.

E nessa busca por seguidores, há pessoas que fazem loucuras: inventam seu próprio sequestro, seu estupro, rifam a virgindade, se expõem ou expõem a família e os amigos de forma desequilibrada.

Em um cenário inicial, essa busca traz muita ansiedade, sensação de inutilidade, de invalidade, de fraqueza. Eu perco meu valor porque tenho poucos seguidores. E estamos criando gerações penduradas nessa perigosa crença.

O desafio de ser autêntico num universo imaginário


Em redes sociais, os chamados digital influencers, ou somente influencers, estão sempre felizes e pregam a felicidade como um estilo de vida. Essas pessoas espalham conteúdo para milhares de seguidores, principalmente no Instagram, rede de compartilhamento de fotos e vídeos, que permite aplicar filtros digitais nas fotos e compartilhá-los em outras redes sociais.

Os influencers ditam tendência e estão sempre mostrando um estilo de vida sonhado por muitos, como o corpo esbelto, malhado, perfeito, viagens incríveis, casas deslumbrantes, carros novos e alegria em tempo integral. Convenhamos, algo bem improvável de ocorrer o tempo todo.

A diferença entre a felicidade autêntica, legítima e real e a felicidade postada nas redes é abismal. Porque a felicidade, tal qual nós abordamos, tanto via psicologia positiva 
a chamada psicologia positiva é o campo da psicologia que investiga a felicidade e os vários aspectos positivos da experiência humana —, 
quanto à luz da Palavra de Deus é uma experiência intrínseca, interna, que pode, claro, ser manifestada, mas nada tem a ver com a ostentação de felicidade.

A problemática pode surgir com a busca incessante por essa felicidade plástica e efêmera, que gera efeitos colaterais em quem consome diariamente a "vida perfeita" de outros. Daí vem o conceito de positividade tóxica
a expressão tem sido usada para abordar uma espécie de pressão pela adoção de um discurso positivo aliada a uma vida editada para as redes sociais, avaliam os especialistas em psicanálise e sociologia.
Não adianta querer ser quem você não é. Você não é o ator famoso global, o influencer milionário do YouTube e nem o atleta milionário. Então, primeira coisa: tudo no seu lugar.

Mostre quem você é, o que faz, como pode informar, divertir, compartilhar seu conhecimento com os outros. Mostre o que pode oferecer em sua essência, os diferenciais de sua real personalidade, por que a pessoa que vier a te seguir deve escolher adquirir algo de você. 

Seja transparente, conte suas histórias, dificuldades, conquistas e seja autêntico: as pessoas querem conhecer quem está atrás daquela conta, daquela marca, daquele perfil. Se você está nas redes sociais, esteja pra valer — afinal, é rede social que chama. Não adianta se esconder em conteúdos alheios ou em verdades que não são suas.

Você vai ganhar milhares de seguidores? Pode ser que sim, ou nem tanto; vai depender também da sua criatividade e do tempo disponível para se envolver com os seguidores, conversar, responder mensagens. Isso tudo conta. 
Entretanto, o número de seguidores que alguém tem não define quem ela de fato é.
Especialistas dizem que atualmente é muito fácil que as pessoas sintam-se atingidas por essa positividade tóxica das redes. Eles explicam que não é saudável tentar repetir o que se vê na rede. Não é saudável repetir o que outra pessoa faz, seja uma celebridade ou uma pessoa da rede de convivências. 

Quando eu tento mimetizar [assumir a forma] o comportamento de outra pessoa, tornar o indivíduo o modelo que eu vou seguir, porque ele alcançou algo na vida que eu desejo alcançar, estou fazendo um caminho equivocado para me construir enquanto ser humano.

Ser feliz é ser você


Os especialistas em psicanálise explicam que a felicidade tem alguns princípios similares para a humanidade, mas a forma de vivê-la é individual. A gente tem quase 8 bilhões de habitantes no planeta. A gente pode dizer que há quase oito bilhões de formas de se viver a felicidade, embora a gente tenha quase dois pilares em comum: uma vida com um pouco mais de emoções positivas do que negativas e a percepção de uma vida significativa e com propósitos.

Eles explicam que não é todo o tipo de post que gera em nós essa positividade tóxica. Em relação à infelicidade por não poder visitar aqueles lugares paradisíacos que aquele influencer está, eu nunca senti esse sentimento, graças a Deus. Mas conheço pessoas que se sentem assim e ficam deprimidas.

Uso racional


Os psicanalistas afirmam que para manter a saúde mental e evitar ser atingido pela positividade tóxica, o uso racional das redes sociais é o mais indicado.

De acordo com eles, o uso racional é o uso equilibrado, em que a pessoa tem outras fontes de prazer, de passatempo, de trabalho, que a pessoa consiga conviver com a família, que consiga praticar uma atividade física, que não se influencie pela vida da outra pessoa. 

E aí tem também a questão do tempo; se consegue fazer todas as coisas e usa a rede social tem aí um equilíbrio de tempo e de atividades ao longo do dia. É o equilíbrio do tempo e das atividades fora das redes. Agora, quando a pessoa está muito restrita, que sente falta, sente abstinência de ficar sem o celular na mão, este já não é mais um uso racional.

Os psiquiatras destacam ainda que desejar ter uma vida melhor não é o problema, mas sim acreditar que a felicidade só será alcançada quando realizar todos os desejos. De acordo com eles, o problema é quando a gente projeta que a felicidade só vai vir quando a gente tiver uma casa maravilhosa, quando viver só viajando, quando tiver aquele carro, quando tiver um milhão de seguidores, por exemplo. 

Esse é o problema, desejar uma vida que é muito difícil ter e só depois que atingir todas essas metas que a gente vai ser feliz. Na verdade, a gente tem que ser feliz e seguir aos poucos melhorando.

Influencers também sofrem


Segundo os especialistas, as redes sociais podem oferecer gatilhos mentais para quem tem algum distúrbio ou transtornos psiquiátricos e agravar os sintomas. Ou seja, eles alertam que a pessoa que já tem transtornos mentais são as mais vulneráveis, tem outros fatores de risco e a rede pode servir de gatilhos mentais para muitas coisas, por exemplo, nos transtornos alimentares, com comportamentos purgativos, de pacientes anoréxicos, ou bulímicos.

Há ainda outros gatilhos, conforme aprendemos na psicanálise. Uma pessoa que está triste porque não conseguiu tal coisa e a outra pessoa está comemorando porque conseguiu, ou a pessoa que está triste e vê nas redes sociais só coisas boas; este também é um gatilho de um paciente deprimido ou ansioso.

De um lado ao outro


Quem está do outro lado também sofre, apontam os psiquiatras. Os influenciadores sofrem de uma competição constante, ficam o tempo inteiro olhando quantas curtidas tiveram, quantos seguidores ganharam ou perderam. Às vezes, [o influenciador] não quer falar sobre um assunto e acaba tendo que falar porque os seguidores estão perguntando, então causa muita ansiedade, tristeza, medo de perder alguma coisa.

A exposição também gera baixa autoestima, destaca a psiquiatra. Posta uma foto que acha que está maravilhosa, uma foto cheia de retoques e filtros e sempre outra pessoa vai encontrar algum defeito, vai criticar. Aí gera o cyberbullying e a pessoa sofre, perde o sono e altera hábitos de alimentação na busca incessante por uma coisa que não é real. A vida do influenciador também não é fácil.

Os pesquisadores explicam que a positividade tóxica afeta seguidores e influenciadores. Todos nós perdemos: quem vai buscar replicar um comportamento e quem é alvo de uma clonagem simbólica de identidade também pode enfrentar muito sofrimento.

Conclusão


Estes meios de comunicação possuem aspetos positivos como a comunicação fácil, a maior aceitação pelo grupo depares ou a criação de uma maior rede de contactos. No entanto, também acarreta consequências negativas se for usado de forma descontrolada ou abusiva. Poderá levar ao isolamento social, sedentarismo, diminuição do rendimento escolar, dificuldades em estabelecer relações e em casos mais graves, quando está instalada a dependência da internet, poderá surgir sintomatologia ansiosa e/ou depressiva.

Alguns autores introduziram termos como a "depressão do facebook" ou o "toque fantasma" para descrever novos sintomas ou patologias derivadas do uso excessivo das novas tecnologias. 

Por exemplo, a depressão do facebook faz-se sentir por uma tristeza ou angústia profundas por não estarem constante contacto com os outros, sentir que está desligado do mundo, e o toque fantasma é descrito como a sensação de estar a ouvir o telemóvel a tocar ou a vibrar quando na realidade não está.

Esta geração move-se pelo número de "likes" nas fotografias e publicações, pelo número de amigos ou seguidores nas redes sociais (amigos virtuais, porque não os conhecem na realidade), pela maior partilha de informação pessoal na sua página e é aqui que devemos ter alguma atenção. 

É preciso alertar para os cuidados a ter na informação que é partilhada, como as fotografias que desde o momento que são expostas, nunca mais podem ser retiradas da internet, independentemente se forem apagadas da conta.

Outro aspeto a ter cuidado são os desafios que são lançados nas redes sociais. Os jovens desafiam-se a fazer determinadas proezas e o objetivo é superar e elevar a fasquia da provocação lançada pelo amigo. 

Nestes casos, os jovens testam os seus próprios limites, havendo uma busca constante de adrenalina, de aprovação e valorização por parte dos outros, de forma a demonstrar que são destemidos, omnipotentes, que para eles tudo é possível e nada de mal lhes acontece quando ultrapassam esses mesmos limites, características típicas da fase da adolescência.

Vivemos na Era da Tecnologia, a procura pelas redes sociais e formas mais rápida e modernas de comunicar com os amigos, é natural e não deve ser encarado como um problema social desta geração. 

Devemos ter em atenção é que em todo o excesso há mal. Se for usado de forma moderada e não abusiva, não traz consequências negativas nem para o desenvolvimento do jovem nem para a imagem que o jovem passa de si.

As redes sociais podem e devem ser utilizadas como uma ferramenta de comunicação, mas existe algo que a internet não pode proporcionar, a interação e o ambiente social, sendo que a permissão do seu uso excessivo leva à banalização da interação social e à superficialidade das relações interpessoais.

[Fonte: Instituto de Administração da Saúde, IP-RAM, por Natacha Almeida — Psicóloga; Ventura ComunicaAgência Brasil, por Ludmilla Souza - Repórter da Agência Brasil - São Paulo]

Ao Deus Todo-Poderoso e Perfeito Criador, toda glória.
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segunda-feira, 10 de julho de 2023

PAPO RETO — "GERAÇÃO MIMIMI" OU JUVENTUDE INCOMPREENDIDA?

"Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre. Levanta-se o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo. O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e retorna aos seus circuitos. Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr" (Eclesiastes 1:4-7).
Atualmente é muito comum ver memes que satirizam a geração atual, especialmente pelo chamado mimimi e por um suposto caráter fraco, características que teriam surgido por conta de uma vida mais fácil do que aquela experimentada há trinta ou quarenta anos.

Segundo esses críticos, bom mesmo seria o tempo em que só havia telefone fixo, a música se tocava em um disco de vinil e tudo no carro era manual — do câmbio à manivela para abrir o vidro da porta. Neste mundo analógico, tudo era mais difícil e as provações moldaram um presumível caráter forte nos baby boomers e em integrantes da chamada geração X.

Faço parte dessa safra de tiozões. Sou grato a Deus por minhas realizações e das caraterísticas que adquiri como adolescente nos anos 1970 e 1980. Mas não as considero melhores que as dos jovens da atualidade. São diferentes fases e realidades contextuais. Apenas isso. E vou além: se a juventude de agora tem uma vida mais fácil que a nossa, também somos responsáveis por isso.

As facilidades proporcionadas pelas tecnologias, podem criar uma geração de molengas, preguiçosos e egoístas? Por certo que sim. Isso pode causar um caráter fraco? Sim. Uma geração de incapazes? Talvez. Mas, se isso acontecer, nós, mais velhos, teremos nossa parcela de responsabilidade, pois pavimentamos uma estrada que, em nosso tempo, era de terra e pedregulhos.

É uma reflexão sobre este tema que proponho no texto deste artigo, mais um capítulo da minha série especial de artigos Papo Reto.

Geração vai, geração vem...


Costumamos dizer que os nossos jovens vêm de uma geração mimimi, que, devido a falta de pulso firme dos pais e responsáveis eles acham que podem tudo. Quem pensa assim está completamente enganado e errado. Não estamos criando uma geração mimimi porque não castigamos as nossas crianças e jovens ou porque não as batemos mais com cinturões ou chinelos, como faziam os nossos pais antigamente.

A geração que nasceu no século XXI está completamente perdida. Ela não sabe para onde ir ou o que é melhor para si. São tantas as oportunidades, tantas as escolhas a serem feitas, tantas as responsabilidades logo cedo, muitas vezes ainda crianças, que elas acabam prejudicadas e tendo os seus desenvolvimentos cognitivos e emocionais sobrecarregados e como válvula de escape acabam fazendo coisas que os adultos não gostam.

A tecnologia batendo a toda hora na porta das nossas crianças e jovens com aparelhos eletrônicos modernos capazes de se conectarem com o mundo em milésimos de segundos, as redes sociais, os jogos eletrônicos e os amigos virtuais que eles conquistam no meio de todos esses algoritmos e inteligência artificial especialmente preparada para lidar com os cérebros ainda em formação, são um perigo para formarmos crianças e jovens que por tudo fazem uma confusão no supermercado ou no shopping envergonhando pais e responsáveis.

É preciso ressaltar que crescer em um ambiente confortável e sem desafios não é determinante para produzir jovens encostados. A capacidade de realização, muitas vezes, é uma característica que inspirada pelo exemplo — mas há aqueles que trazem isso já gravado no DNA e se tornam indivíduos proativos e empreendedores.

Parece que foi ontém...


A preocupação com a interpretação do mundo está presente no pensamento dos mais diversos filósofos e, sem dúvidas, é um dos temas mais fascinantes em que estudiosos buscam através de sua ótica decifrar os acontecimentos. Esta preocupação, embora posta anteriormente como presente no pensamento dos filósofos não se limita a eles.

O próprio estudo da história exige determinada interpretação do mundo, uma vez que a história é um estudo do passado que se coloca como pergunta no presente. Desta forma, o historiador olha pro passado com a preocupação voltada para o futuro e atento ao seu presente, sem abandonar o rigor e o dever de investigação e interpretação dos fatos ocorridos ao longo do tempo.

Ocorre que, diferente do que muitos pensam, este processo de interpretação do mundo não adota uma postura completamente pacífica, pelo contrário, é marcada por disputas de narrativas que visam dar razão ao mundo, as ações e as interpretações acerca daquilo que acomete a humanidade.

Durante este processo que inclui a disputa de narrativas e a busca por uma tomada racional das ações que atue como fator legitimador, é nítido que haverá um mal-estar intrínseco a própria atividade de perceber-se enquanto indivíduo dentro de um mundo que, da passagem do moderno para o contemporâneo, é marcado pela fragmentação da sociedade com noções cada vez mais subjetivas.

Efeito metamorfose


As transformações das mais diversas ordens estão presentes na história da humanidade, que por sua vez, se caracteriza por rupturas, continuidades e, por último e não menos importante, transformações. Neste ponto, a modernidade vivenciou um processo de profundas transformações com o racionalismo, individualismo e noções político-econômicas que se diferem das estruturas anteriores.

Por obviedade, os conflitos não demorariam a surgir e, sob o risco de dar um grande salto, temos o momento pós-moderno marcado por um mal-estar que novamente coloca em conflito de narrativas a exigência de reconhecimento dentro de uma perspectiva de mundo cada vez mais voltado a pluralidade e por outro lado uma corrente de pensamento que enxerga nas bandeiras plurais uma carga vitimista, popularizada como "mimimi".

O embate muitas vezes perpassa uma noção que muitos atribuem ao conflito geracional, pois as diferentes experiências trazem a capacidade de leitura, interpretação e capacidade de se ver enquanto indivíduo diante do mundo e, quando uma determinada geração já não mais responde aos anseios das novas experiências formuladas, o conflito torna-se iminente.

O presente momento traz um mal-estar bem traçado pela maioria dos sociológos e que remete a uma realidade cada vez mais fluída que sequer permite a criação de padrões sólidos, sob o risco de engessamento social que não acompanha as constantes mudanças ocorridas.

Ao passo em que a fluidez se apresenta, urge a necessidade cada vez mais destacada de apelo a singularidade do indivíduo que exige o reconhecimento e em decorrência disso verifica-se a presença pautada pelas subjetividades ocuparem cada vez mais o debate no campo político.

Algo mais que mimimi


Na prática, o termo mimimi é comumente utilizado de modo a atacar e banalizar bandeiras e pautas de relevância, geralmente reivindicados por grupos de minorias, por exemplo, a população negra, indígena, a população LGBTQIAP+, as mulheres, as pessoas com deficiência, entre outros. A tensão que se estabelece pela conquista dos direitos faz parte do processo de transformação social.

Em um mundo cada vez mais plural e inclusivo, é nítido que a geração que desenvolve e se enxerga dentro deste panorama carregará o mal-estar que se estabelece entre a conquista e expansão de direitos em face de um modelo de pensamento voltado ao modo que estabelece uma estrutura menos plural.

Neste sentido, o sociólogo e filósofo polonês Zygmut Bauman (✩1925/✞2017) diagnosticou um novo mal-estar, ou seja, uma nova fonte de sofrimento psíquico: enquanto Freud (✩1856/✞1939) entendeu que o desconforto das pessoas com a modernidade estava no fato de que as necessidades sociais de ordem deixavam pouco espaço para a liberdade individual, os homens e as mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão de felicidade. A busca pela felicidade passa a ser vetor e um objetivo a ser alcançado.

Nessa procura pela felicidade, nos últimos anos a internet tem sido um importante instrumento da geração mimimi, já que estes cresceram em meio à uma sociedade extremamente digital, onde o que se fala tem extrema relevância e repercussão. 

Nesse sentido, um aspecto que também está atrelada à geração de 2000 é a onda dos cancelamentos que tem se difundido pelas mídias sociais. Tal comportamento tem se mostrado um tanto quanto inadequado levando em consideração as consequências que a sociedade tem sofrido.

Esse hábito do cancelamento tem tido reflexo direto na saúde mental dos indivíduos e retrata exatamente o conceito de mal-estar para Bauman, já que a sociedade tem desenvolvido diversos problemas psíquicos decorrentes das demonstrações de ódio que a internet expõe, sendo mais frequente ainda em jovens.

Não só isso, nos últimos tempos as divergências de opinião têm causado um mal-estar constante, já que a exposição e o consequente julgamento têm se mostrado fortes gatilhos para impulsionar problemas como depressão, processos judiciais, suicídios, problemas familiares, conjugais etc.

Diante das diversas mudanças e rupturas, quem decide compartilhar sua vida pessoal com centenas ou milhões de espectadores tem que lidar diariamente com críticas relacionadas a posições políticas, religião, gosto musical, classificação social ou até mesmo a maneira como as pessoas respondem perguntas.

Como já mencionado, as pautas dos grupos minoritários são as que mais sofrem com essa geração, já que todas as vertentes têm seus apoiadores e as redes sociais viraram um verdadeiro tribunal em que as pessoas se polarizam e proferem discursos de ódio somente para afirmar que determinado posicionamento é o mais acertado. 

Diante disso, é evidente que a geração mimimi tem extrema dificuldade de lidar com as opiniões divergentes e sempre tentam fazer com que as suas convicções sejam ouvidas e levadas em consideração.

Nesse sentido é que surge o questionamento: 
Nós somos realmente livres?
De acordo com os sociólogos, a liberdade contemporânea é mitigada em detrimento da construção constante de camadas sociais que propagam várias percepções do mundo.

Entretanto, não se há liberdade para expor todos os ideais, as pessoas escolhem se manter na zona de conforto, mantendo relações somente com pessoas que compartilham das mesmas concepções.

Em 2018, ano das últimas eleições presidenciais, diversos foram os desentendimentos causados em razão da opção política. Este foi um dos primeiros anos em que as redes sociais influenciaram fortemente as pautas políticas.

Essa diferença de gerações ficou muito evidente nesse período, afinal, a geração "mimizenta" já estava adentrando na vida política, o que causou uma incompatibilidade entre integrantes das mesmas famílias que por estarem em gerações diferentes, não possuíam a mesma concepção de mundo e, portanto, não concordavam politicamente.

Não é porque eles querem fazer a birra ou por falta de palmadas, é porque eles não sabem como se comportar. As suas cabecinhas estão sobrecarregadas de informações desnecessárias. É a escola que tem disciplinas demais e exige da criança e do jovem que seja o melhor em todas elas, é o futebol ou a natação que exige que ele vença sempre, é o curso de idiomas ou de música que exige o melhor do aluno.

Autodefesa


Para se protegerem de tantas cobranças que nós, adultos, sem nos darmos conta preparamos para os nossos filhos matriculando eles em tudo quanto é curso que vemos ou nos informam a Internet, cobrando que eles tirem nota 1000 no ENEM e que sejam aprovados nos cursos de medicina ou direito das melhores universidades do país, esses reagem ao contrário do que esperávamos só para nos contrariar, só para nos afirmarem que as coisas não funcionam como queremos, que eles têm autonomia mesmo sendo tão jovens para decidirem sobre as suas vidas.

Assim, eles passam a ter comportamentos rebeldes. Coisas que muito desagrada os pais. Muitos começam a beberem bebidas alcóolicas muito jovens, outros começam a usar drogas cedo demais e ainda têm aqueles que abandonam os estudos e vão viver pelas ruas sem quererem saber de responsabilidades. Sem contar com o que dorme demais e perde a hora de ir à escola.

O maior de todos esses problemas são as diversas síndromes que estão acometendo as nossas crianças e jovens devido não saberem lidar com este mundo de cobranças que seus próprios pais os colocaram: ansiedade, crises de pânico, depressão, estresse ao limite. 

São tantas as síndromes que listo apenas as mais comuns. Isso é um pedido de ajuda, de socorro. Uma forma que as crianças e jovens encontram para dizerem que não aguentam mais essa vida doida e doída ao mesmo tempo.

Se para nós, adultos, as diversas cobranças do dia a dia no trabalho nos atormentam, imagine para crianças e jovens que só querem saber de brincar e se divertirem com os amigos. Como eles vão ter tempo para fazerem o que gostam se nós roubamos tudo o que lhes pertencem, fazendo deles nossas máquinas controladas por uma espécie de controle remoto que são as nossas ordens de faça isso e faça aquilo rápido.

Conclusão


Apesar de estarmos em um período em que as pessoas começaram utilizar as redes sociais de maneira muito mais frequente, além de agora servirem como ferramenta de trabalho, este também é o período em que os casos de distúrbios psicológicos também aumentaram exponencialmente, principalmente entre os jovens.
Com isso, até que ponto as pessoas continuarão atacando as outras por simplesmente não compartilharem dos mesmos pensamentos?
É evidente o mal-estar da modernidade e o quanto isso tem afetado o cotidiano de cada indivíduo. A sociedade ainda tem muito a evoluir, e as individualidades são pontos essenciais que devem ser respeitados. 

A famigerada cultura do cancelamento propagada pela geração mimimi possui consequências irreversíveis que precisam de uma maior conscientização para que não cause danos ainda maiores em um futuro breve, já que até lá mais diversas rupturas irão ocorrer.

É preciso cuidar dessa geração que tem tudo a sua disposição a hora que desejar. Que como dizemos não sabe aceitar um não. Não é assim. Sabemos que uma das primeiras palavras que as nossas crianças aprendem é o não. 

E se elas aprendem que o não é uma negação, é algo que não se pode fazer, basta continuarmos do nosso jeito, com cuidados dizendo não para os nossos jovens.

Tudo é uma questão de bom senso e criticidade. A reflexão nos convida a criarmos uma geração com mentes e corpos sadios prontos para a competitividade de um mudo que exige cada vez mais pessoas com inteligência emocional de alto nível.

Para concluir este texto que eu gostaria de não o concluir, mas de poder conversar com você, leitor/seguidor sobre a sua opinião dessa geração dita "perdida" e que precisa ser salva dos perigos da globalização e da massificação das culturas onde tudo está misturado e se tornando uma coisa só, impossível de se separar.

Não cobremos demais das nossas crianças e jovens. Tudo tem um limite. Essa geração que nos acostumamos a chamar de mimimi é a que está se suicidando todos os dias, a que está matando pais e responsáveis porque não suporta mais as cobranças de um mundo que elas não pediram para viver nele. Um mundo que não perdoa erros e defeitos.

[Fonte: Exame, por Aluizio Falcão Filho; Filosofia, Política e Direito por Nikolly Milani Simões Silva (Autores: Jezebel de Melo Eiras, João Victor dos Santos Bomfim, Nikolly Milani Simões Silva e Roberto Augusto Brito Alves); Nei Alberto Pies, por Rosângela Trajano]

Ao Deus Todo-Poderoso e Perfeito Criador, toda glória.
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E nem 1% religioso.