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terça-feira, 10 de junho de 2025

🧠PAPO DE PSICANALISTA🧠 — QUAL A RELAÇÃO DA PSICANÁLISE COM A ONDA DE FEMINICÍDIO?

Estamos, homens e mulheres, assustados e perplexos com a significativa presença de feminicídios na atualidade e, frequentemente, nos perguntamos: foi sempre assim? Os números, aumentaram? Se sim, por quê?

Dados do Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (Raseam) 2025, lançado pelo Ministério das Mulheres, em Brasília, apontam que, em 2024, foram registrados 1.450 feminicídios e 2.485 homicídios dolosos (com a intenção de matar) de mulheres e lesões corporais seguidas de morte.

Os registros representam uma diminuição de 5,07% em todos os casos de violência letal contra as mulheres, em relação aos registros de 2023, quando foram contabilizados 1.438 casos de feminicídio e outros 2.707 casos de homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte de mulheres.

Ainda sobre formas de violência contra as mulheres, o relatório anual mostra que o Brasil registrou o equivalente a 196 estupros por dia, em 2024, o que totalizou 71.892 casos de estupro de mulheres em todo o ano passado. Apesar do alto número de registros, houve uma queda de 1,44% em relação ao ano de 2023.

O feminicídio no divã


Diante desse tema, o primeiro aspecto a ser observado pela psicanálise é o fato desse crime ter sido qualificado e tipificado pelas mulheres.

Nesse contexto de intensa dramaticidade psicossocial em que vivemos há algo peculiar à nossa época: as mulheres, ao legislarem e julgarem, passam também a ocupar o lugar de quem faz a lei nas sociedades.

Assim, dividem com o pai o lugar da autoridade e da ordem. Isso pode significar que além do que Freud fez no começo da psicanálise — que creditou as falas, reais e imaginárias, das mulheres utilizando o método de associação livre na escuta de suas vozes — somos chamados, hoje, a reconhecer as novas vozes vindas das mulheres.

Freud, ao longo da sua obra, associa o masculino e o feminino com as posições ativa e passiva, presentes nas subjetividades quer seja do homem ou da mulher.

A flexibilidade para alternar entre essas posições favorece a integração destes aspectos no sujeito e torna mais provável o estabelecimento de boas relações.

Vemos, na nossa cultura, a valorização do ativo, aquele que assume o lugar de potência, que comanda e que age. O passivo, em sua possibilidade de acolhimento, capacidade de espera e de processamento é, em geral, pouco valorizado.

O engajamento das mulheres no mundo do trabalho não garantiu a elas uma posição de igualdade nas relações amorosas e sexuais, em especial, nos relacionamentos heteroafetivos.

A violência física contra mulheres e o assassinato delas perpetrado por seus parceiros aparecem como a ponta do iceberg de uma violência que se mantém a maior parte do tempo invisível para os outros.

Aqueles que não fazem parte da relação abusiva quase não percebem a gravidade do que se passa.

Além do crime


A violência física contra as mulheres geralmente aparece quando a violência simbólica falhou em manter o controle, a submissão desejada pelo homem, conforme a Dra. Marie-France Hirigoyen, psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta especializada em assédio moral, uma forma de bullying, no livro "A violência no casal. Da coação psicológica à agressão física" (Editora Bertrand Brasil, 2006).

Essa busca da submissão faz pensar em um excesso do ativo, em uma busca do controle sobre o outro, que é percebido como um objeto e não como um sujeito de desejos.

Trata-se de uma perversão da agressividade e uma tentativa de negação do outro como sujeito desejante. Negação de seu lugar como sujeito separado e portador de desejos. A transformação em objeto caracteriza sua absoluta negação, o que pode inclusive se dar pelo assassinato.

Uma questão que se coloca é no porquê as mulheres submetidas à violência têm dificuldade de sair dessa posição de passividade extrema. A questão da dependência financeira está presente em muitos casos, mas não esgota o problema.

Ressalto o "dispositivo amoroso", conforme posposto por Valeska Zanello —Psicóloga clínica, doutora em Psicologia pela UnB, com estudos na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, ela vem mostrando os efeitos negativos das desigualdades de gênero na saúde mental das mulheres — em "Saúde mental, gênero e dispositivos. Cultura e processos de subjetivação", 2017, em que ter sido escolhida e ser objeto de investimento amoroso tem sobre a mulher, muitas vezes, um papel identitário. 

Nesse sentido, envolve a percepção de si como objeto de valor. Esta pode se tornar uma armadilha em que mulheres se mantém em relações violentas porque não estar com um homem é percebido como algo insuportável para sua autoimagem. Seria ocupar um lugar desqualificado e esvaziado. 

Muitas se mantém nessas relações violentas, contém a própria agressividade e deslocam-na para si mesmas e percebem a manutenção da relação como forma de refúgio narcísico. Algumas delas morrem nesse jogo desesperado, enquanto não percebem a iminência da morte.

Em meio a uma cultura marcada pela misoginia, o desmantelamento das políticas e dos serviços públicos de apoio às mulheres vítimas de violência por seus parceiros levou ao aumento de feminicídios no Brasil nos últimos anos.

Talvez, somos conclamados pela realidade a nos distanciar sempre mais de qualquer posição de controle, para nos agregarmos radicalmente a uma posição epistemológica de observação, investigação e diálogo com as mulheres, como aquelas que ocupam o lugar da lei, considerando que esse fenômeno as posicionam em um lugar múltiplo relacional, ou seja, de onde suas falas estabelecem relação com a vida psíquica dos indivíduos e com a vida da coletividade, portanto, com a vida dos sujeitos implicados com a ordenação da sociedade. 

Arriscamos dizer que há mudanças em curso em relação ao lugar que homens e mulheres ocupam na sociedade, os sujeitos, enquanto indivíduos, passam a dever obediência também às mulheres. 

Os esforços da psicanálise no sentido de compreender o sofrimento psíquico da destrutividade devem ir mais além do que abrir espaço para o diálogo com as mulheres nos consultórios e delegacias. 

Terão de alcançar, possivelmente, uma discussão política em que as mulheres se organizem em coletivos para questionar, no mesmo nível, as leis do pai.

Cultura patriacal e o ego no altar


Por esse caminho, precisamos primeiro esclarecer o que nós, psicanalistas, entendemos por patricarcado. Na Cultura Ocidental, desde a antiguidade, a mulher é colocada em uma posição social inferiorizada com relação ao homens.

Podemos considerar que sobre esse alicerce o patriarcado se ergueu como forma de organizar as sociedades e que, sob tal condição existencial, as mulheres estavam muito mais sujeitas a terem suas vidas violadas. 

Nessa posição de precariedade existencial, a mulher é objeto da submissão: deve ser escolhida, pois ao escolher fere o lugar de dominação daquele que exerce o poder e o controle sobre ela. 

Aqui não existe alternância entre ser sujeito e objeto de amor. Os papéis são definidos e definitivos.

Observemos, então, que o feminicídio está inserido nas dinâmicas de controle e poder do patriarcado. 

No Brasil, apenas em 2015 ele foi qualificado como crime. Vários são os tipos de violência que anunciam o feminicídio: psicológica, verbal, patrimonial, física etc. Trata-se de um crime paulatinamente anunciado! É um crime de ódio. 

A violência psicológica é a mais difícil de ser reconhecida, é uma estratégia de desvalorização que mina a autoestima e compromete a identidade, enquanto processo reducionista. Daí os agressores se apossam dos lugares capturados, infantilizando as mulheres.

O aporte freudiano propicia uma contribuição da psicanálise na compreensão do feminicídio ao ter a capacidade de se ocupar do sofrimento psíquico relacionado à destrutividade.

Quando a mulher não aceita ficar submetida, ela ameaça a ordem do dia. A luta é antiga e nos remete à sabedoria da cura, e aos primórdios da medicina, quando as mulheres tratavam as pessoas com ervas manuseadas e eram queimadas como bruxas. 

Nada mais do que uma estratégia destrutiva para transferir esse poder aos homens. São táticas de dominação que, quando falham, geram comportamentos violentos. O objetivo é destituir o lugar e tomar posse. Quando isso não é possível, o ódio destrutivo mata.

O feminicídio e o narcisismo


No feminicídio, o mito de Narciso é um importante aspecto, sobretudo porque reflete a paralisação na própria imagem, presente em frases como: 
"Você discordou de mim na frente de todos".
É importante ressaltar o investimento libidinal e narcísico do amor dos pais. Este pode gerar recursos por toda a vida. 

Se não existe, pode gerar falhas identitárias que perpetuam déficits significativos e impeditivos para a alteridade.

Conclusão


Não pretendo fechar as motivações em torno do feminicídio a partir de uma explicação científica. 

Contudo, lançar mão do olhar psicanalítico nos permite explorar uma série de fatores inconscientes que norteiam comportamentos que estão social e culturalmente instalados, principalmente no Brasil.

Volto ao início do texto para reforçar que este é um modelo que pretende explicar um fenômeno. 

Fato é que estamos lidando com uma questão de cunho social, cultural e, claro, de saúde pública, pois desvaloriza a vida humana e traz prejuízos físicos e psíquicos às vítimas. 

O acolhimento, a aceitação do diferente, a não perpetuação de preconceitos são os primeiros passos para, como indivíduos e sociedade, abolirmos esse e outros tipos de violência.

Dica de leitura:


  • Feminicídio & Psicanálise — Uma Questão Atual

  • Autor: Marcell Felipe Alves dos Santos

  • Editora: Artesã

  • Ano: 2019

  • Número de páginas: 156

  • Categoria Principal: Teoria Psicanalítica
[Fonte: Sociedade Psicanalitica do Recife (SPRPE), original por Sandra Paraíso Sampaio; Academia Médica, original por Felipe Dalvi; Federação Brasileira de Psicanálise (Febra Pis). original por Daniela Yglesias de Castro Prieto (SPBsb); Agência Brasil, original por Daniela Almeida]

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