Li este livro, no formato digital de ebook, como parte da pesquisa para aula que tivemos sobre o tema na faculdade. De fato o conceito freudiano da família, nada tem a ver com o conceito da família tradicional, já arraigada em nosso imaginário coletivo, mesmo e não a despeito, dos atuais mutifacetados contextos familiares existentes na sociedade atual.
Conceito psicanalítico de família
A família sempre foi objeto de estudo na psicanálise. Dr. Sigmund Freud (✩1856/✞1939) afirmava que a família constitui uma restauração da antiga ordem primitiva e devolve aos pais uma grande parte de seus antigos direitos.
'As desavenças entre os pais ou seu casamento infeliz condicionam a mais grave predisposição para o desenvolvimento sexual perturbado ou o adoecimento neurótico dos filhos' (Freud, In. "Três ensaios sobre a sexualidade").
Criador da psicanálise, o neurologista austríaco Dr. Freud, em 1912, também escreveu "Totem e Tabu". Segundo ele, os quatro ensaios desta obra representam uma primeira tentativa de aplicar o ponto de vista das descobertas psicanalíticas ao campo da psicologia social.
Para além desta proposta, Freud enfatiza a importância da pesquisa multidisciplinar, criando interfaces da psicanálise com outros campos de conhecimento. Trata-se de um estudo sobre a vida mental e os processos psíquicos que a norteiam, realizado a partir de um ponto de vista contextualizador.
Neste ensaio, Freud reafirma, mais uma vez, a importância de se pensar o homem historicamente, no cerne de seu meio ambiente cultural, atravessado pelas vicissitudes do tempo e do espaço que constituem sua realidade psíquica.
Sobre o livro
A Família Freudiana
Em 1897, ao abandonar a teoria da sedução, Freud menciona pela primeira vez o complexo de Édipo:
"A lenda grega captou uma compulsão que todos reconhecem porque todos sentiram. Cada espectador foi um dia, em germe, na imaginação, um Édipo e se aterroriza diante da realização de seu sonho transposto na realidade. Estremece diante de toda a dimensão do recalcamento que separa seu estado infantil de seu estado atual" (Freud, La naissance de la psychanalyse. Paris: PUF, 1991, p. 198).
O homem edipiano vai aparecer no momento da passagem de Freud de uma concepção traumática do conflito neurótico para uma teoria do psiquismo inconsciente.
Mais tarde, na interpretação dos sonhos, Freud associa Édipo e Hamlet aos deuses gregos, criando a cena do desejo de incesto e de assassinato do pai, inaugurando assim, um modelo de romance familiar que sustentara a família ocidental cristã por um século (Freud, 1900/1980).
Para a psicanálise freudiana, a concepção da família é, portanto, fundada no assassinato do pai pelo filho, na rivalidade deste em relação ao pai, no questionamento da onipotência patriarcal e na emancipação das mulheres da opressão paterna.O sonho do incesto, a culpa do filho pelo assassinato do pai e desejo pela mãe torna-se um modelo único e universal batizado por Freud de Ödipus — Komplese (um tipo especial de escolha feita pelo homem (Freud, 1910, Obras C. Vol 11).
Reinventando o Édipo, Freud assegura o funcionamento simbólico da família.
Retomando Hamlet, Freud o associa a Édipo para construir melhor o Complexo, criando um personagem inconsciente (Édipo) em fusão com um elemento consciente (Hamlet). Podemos dizer que Édipo estava para a teoria, assim como Hamlet está para a clínica.
Frente à decadência da vida familiar burguesa, Freud lança mão do complexo de Édipo para restaurar a família enquanto instituição, agora simbólica e inconsciente.
A Lei do pai (simbólica) remete a um sujeito culpado de seu desejo (inconsciente). Completando a criação de seu complexo, Freud, adiciona a Édipo (inconsciente), Hamlet (culpa do desejo) e os irmãos Karamazov (o assassinato do pai, real) (Freud, 1928-1927/1980).
Questionando a morte do pai, Freud nos remete ao pai totêmico, primevo, devorador e criminoso, em suas duas grandes obras: Totem e Tabu e Moisés e o Monoteísmo (1939/80), onde torna o complexo de Édipo universal, por ligá-lo aos dois interditos fundamentais da cultura.
Consequentemente, o poder na sociedade pode ser centrado em três imperativos:
- um ato fundador (morte do pai),
- necessidade da lei (punição) e
- renúncia ao despotismo do pai tirano da horda selvagem.
Na evolução do indivíduo, estes três imperativos têm, como consequência, três estágios: no período animista, onipotência e narcisismo infantil; na fase religiosa, poder divino e paterno; e, finalmente, na época científica, o logos (Freud, 1939/1980).
A família freudiana adota como sua base a culpa e a lei moral, fundamenta o desejo entre condições conflitantes da autoridade, rebeldia, universal, diferença, crime, castigo.
Esta nova concepção de família, do início do século XX, será capaz de lidar não só com o declínio da autoridade paterna, mas também com a consequente emancipação da subjetividade, uma vez que tem como seu cerne o amor, o desejo e a sexualidade.
Esta família afetiva implica, através do interdito do incesto, no reconhecimento do inconsciente, do desejo e da própria subjetividade.
A partir da teorização do complexo de Édipo, Freud formulou sua concepção psicanalítica sobre a família, passando a abordá-la sempre relacionando-a ao viés do complexo edipiano, apresentando-a como uma instituição humana duplamente universal, através da qual encontra-se associada a castração simbólica a um fato da natureza biológica.
Diferentemente de Freud, Melaine Klein (✩1882/✞1960) trabalhou a família através das vivências edípicas dos primeiros meses de vida, focalizando as relações do sujeito com a mãe, como objeto parcial, demonstrando que a função paterna presente, desde os primeiros meses, na relação mãe-filho, ativa o Édipo da criança.
Por outro lado, para Lacan (✩1901/✞1981), a família humana desempenha um papel primordial na transmissão da cultura, prevalecendo na primeira educação. Lacan mostra a família organizada, segundo imagos paternas e maternas, reconhecendo que esta é responsável pela promoção do processo de humanização do indivíduo, pela criação da subjetividade.
O que entendi na leitura do livro?
Bom, devo confessar que o livro é um tanto quanto complexo, nada facil de entender e, por vezes, devido às minhas indissociáveis convicções cristãs, veio a tendência natural em considerar Freud um herege, um endemoniado. Mas, a razão me volta ao equilíbrio da compreensão do contexto ao qual Freud exercia suas teorias.
A família é uma organização marcada pela diferença entre as gerações e entre as funções, cuja finalidade é a de proteção daqueles que são os mais vulneráveis — crianças, adolescentes e idosos. A família é o espaço de realização dos mais fundamentais direitos da personalidade. A família é uma instituição configurada na dinâmica genealógica e psicológica.
A terapia familiar no contexto psicanalítico dá ênfase ao passado, à história da família tanto como causa de um sintoma, quanto como um meio de transformá-lo. Os sintomas são vistos como decorrência de experiências passadas que foram recalcadas fora da consciência.
O método utilizado, na maior parte das vezes, é interpretativo com o objetivo de ajudar os membros da família a tomar consciência do comportamento passado, assim como do presente e das relações entre eles.
As três instituições antiquíssimas: a família biológica, a família religiosa e a família jurídica. A primeira prevalece o fator genealógico e afetivo, a segunda: o fator dogmático, o sagrado, o sobrenatural e sacrificial e na terceira: o fator da jurisprudência e da ordem para o bem comum.
Todas essas famílias estão dentro do contexto social, político, econômico e cultural. Daí a relevância da ciência psicanalítica para auxiliar na estrutura holística de ambas. A conexão da ciência, da tecnologia e da psicanálise para o bem-estar familiar e de uma sociedade afetiva, justa e fraterna.
Conclusão
Este livro trata de uma reflexão sobre o pensamento de Freud, mais especificamente sobre o conceito de família, através da análise de, principalmente, cinco dos seus últimos trabalhos, as obras de Freud ditas sociais: "Totem e tabu", "O futuro de uma ilusão", "Psicologia de grupo e análise do ego", "O mal-estar na civilização" e "Moisés e o monoteísmo".
Além disso, o autor busca: demonstrar três opiniões sobre os primórdios e as modificações da família até a atualidade (Ariès, Poster e Engels); discutir temas relevantes para o entendimento do que compõe o conceito de família em Freud; e refletir criticamente sobre a atualidade do conceito freudiano de família. O assunto está delimitado à área do saber denominada Psicanálise, abordando também outras áreas.
Em relação à demarcação, ou seja, delimitação conceitual, o texto está centralizado em alguns temas de análise utilizados para entendimento do grupo familiar, temas que servirão como componentes da discussão sobre o conceito de família: sexualidade infantil, complexo de Édipo, incesto, narcisismo, romance familiar, ambivalência, sentimento de culpa, totem e tabu (horda primeva, tabu, totemismo na infância), moral sexual civilizada, transferência, pulsão, grupo e vínculo.
Ficha técnica
- Editora: Letra Capital; 1ª edição (1 janeiro 2014)
- Idioma: Português
- Capa comum: 118 páginas
- Sobre o autor:
José Nunes Fernandes possui Curso de Licenciatura Plena Em Educação Artística - Música e de Psicologia. É especialista em Educação Musical e Mestre em Música, ambos pelo Conservatório Brasileiro de Música - Centro Universitário (1991 e 1993).
É Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (1998). É professor Associado III da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), no Instituto Villa-Lobos (Bacharelado e Licenciatura em Música) e no Programa de Pós-Graduação em Música — Mestrado e Doutorado (professor orientador, ministra Seminários de Música e Educação 1 e Psicologia da Música).
É professor da disciplina Psicologia da Música no Curso de Especialização em Musicoterapia do CBM/RJ. É professor do Curso de Licenciatura em Pedagogia do PAIEF/CEDERJ/UNIRIO. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Educação Musical principalmente nos seguintes temas: educação musical, ensino da música (formal, não-formal e informal), ensino da música na escola regular, pedagogia, televisão e mídia, psicologia da música, família e psicanálise, psicologia do desenvolvimento, pesquisa em educação musical e história da educação musical brasileira. Líder do Grupo de Pesqusia: Linguagem audiovisual, música e educação (CNPQ).
[Fonte: UFSJ — Universidade Federal de São João del-Rei — original, por João Gualberto Teixeira de Carvalho Filho (Psicólogo e Psicanalista, Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei, Minas Gerais, Brasil.
Mestrando no Mestrado em Psicologia da UFSJ, área de concentração "Estudos Psicanalíticos". Contato: jogual@ufsj.edu.br), UNIRIO — Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro]
Ao Deus Todo-Poderoso e Perfeito Criador, toda glória.
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E nem 1% religioso.
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