Retornando com minha série especial de artigos sobre os "Personagens Bíblicos", neste capítulo vou falar um pouco sobre um personagem que, apesar de sua importância, ainda que indireta, não é muito citado nas pregações.
Ele foi usado por Deus para a realização de algum milagre sobrenatural? Não! Participou de alguma das grandes conquistas do povo de Deus? Não! Foi algum dos grandes profetas? Também não! Então, afinal, qual foi a importância dele que justifique sabermos mais a seu respeito? Ele foi o mestre, instrutor, orientador e mentor do grande apóstolo Paulo: Gamaliel!
A importância de Gamaliel no treinamento de Paulo
Quando o apóstolo Paulo disse à multidão em Jerusalém que tinha sido
"...educado aos pés de Gamaliel...",
o que queria dizer com isso? O que envolvia ser discípulo dum instrutor tal como Gamaliel? Referente a esse treinamento, o professor titular Dov Zlotnick, do Seminário Teológico Judeu da América, escreve:
"A exatidão da lei oral, portanto, sua confiabilidade, depende quase que inteiramente do relacionamento entre mestre e discípulo: do cuidado do mestre no ensino da lei e da presteza do discípulo em aprendê-la... Por isso, instava-se com os discípulos a sentar-se aos pés dos eruditos... 'e beber as suas palavras com sede'."
Estudiosos do judaísmo, afirmam em consenso que os rabinos mais famosos muitas vezes reuniam em sua volta grande número de jovens desejosos de instrução, com o fim de familiarizá-los cabalmente com a chamada "lei oral" muito ramificada e verbosa.
A instrução consistia num contínuo e persistente exercício de memória. O instrutor apresentava aos seus alunos diversas questões legais para as resolverem, e deixava-os responder ou ele mesmo as respondia. Permitia-se também aos alunos fazer perguntas ao instrutor.
No conceito dos rabinos, para os alunos estava em jogo muito mais do que apenas serem aprovados. Advertia-se os que estudavam sob tais instrutores:
"Quem se esquecer de uma única coisa do que aprendeu — a Escritura o considera como pondo a vida em jogo. O maior louvor era dado ao estudante que era como 'um poço rebocado, que não perde uma só gota de água'."
Este foi o tipo de treinamento que Paulo, então conhecido pelo seu nome hebraico, Saulo de Tarso, recebeu de Gamaliel.
No julgamento dos Apóstolos (Atos 5:33-40), Gamaliel apresentou um discurso persuasivo, recomendando moderação no tratamento dos Apóstolos. Alguns intérpretes consideram que esse fato reflete o temperamento equilibrado de Gamaliel, enquanto outros acreditam que Gamaliel tenha usado de ironia em tal discurso para atacar o ceticismo Saduceu em relação à providência divina.
O que significou para Paulo?
Será que o treinamento que Paulo recebeu de Gamaliel influenciou o ensino de Paulo como cristão? É provável que a instrução rigorosa nas Escrituras e na lei judaica tenha sido útil para Paulo como instrutor cristão.
No entanto, as cartas divinamente inspiradas de Paulo, encontradas na Bíblia, mostram claramente que ele rejeitava a essência das crenças farisaicas de Gamaliel. Paulo orientou seus conterrâneos judeus e todos os outros não para seguir os rabinos do judaísmo, nem para adotar tradições humanas, mas para seguir a Jesus Cristo (Romanos 10:1-4).
Se Paulo tivesse continuado a ser discípulo de Gamaliel, ele teria usufruído grande prestígio. Outros do círculo de Gamaliel ajudaram a definir o futuro do judaísmo. Por exemplo, Simão, filho de Gamaliel, talvez colega de estudos de Paulo, desempenhou um grande papel na revolta judaica contra Roma.
Após a destruição do templo, o neto de Gamaliel, Gamaliel II, restabeleceu a autoridade do Sinédrio, transferindo-o para Jabneh. O neto de Gamaliel II, Judá ha-Nasi, foi o compilador da Míxena, que se tornou a base do pensamento judaico até o dia de hoje.
Saulo de Tarso, como aluno de Gamaliel, poderia ter obtido grande destaque no judaísmo. Mas Paulo escreveu a respeito de tal carreira:
"As coisas que para mim eram ganhos, estas eu considerei perda por causa do Cristo. Ora, neste respeito, considero também, deveras, todas as coisas como perda, por causa do valor superior do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele tenho aceito a perda de todas as coisas e as considero como uma porção de refugo, para que eu possa ganhar a Cristo" (Filipenses 3:7, 8).
Válido salientar, portanto, que apesar de Paulo ter sido treinado e educado por um dos maiores instrutores rabínicos do primeiro século EC, sem dúvida, induziu a multidão em Jerusalém a dar atenção especial ao seu discurso.
Mas ele falou-lhes de um Instrutor muito superior a Gamaliel — Jesus, o Messias. Foi então como discípulo de Jesus, não de Gamaliel, que Paulo se dirigiu à multidão (At 22:4-21).
Por deixar para trás a carreira de fariseu e tornar-se seguidor de Jesus Cristo, Paulo fez uma aplicação prática do conselho do seu instrutor anterior, de prevenir-se para não
"ser realmente achado como lutador contra Deus".
Por cessar de perseguir os discípulos de Jesus, Paulo deixou de lutar contra Deus. Em vez disso, por se tornar seguidor de Cristo, tornou-se um dos "colaboradores de Deus" (1 Coríntios 3:9).
O que se sabe mais sobre Gamaliel?
Não se tem muitos registros com detalhes acerca da origem de Gamiliel. Nas pesquisas que eu realizei o que encontrei é que houve um outro Gamiliel, que foi chefe da tribo de Manassés no censo no Sinai (Números 1:10; 2:20; 7:54,59). Mas, este não é o mesmo de quem estou falando.
Sobre o Gamaliel citado no Novo Testamento, consta que ele foi filho do rabino Simeão e o neto do famoso rabino Hilel. Ele era um fariseu, e portanto oponente do partido dos saduceus. Ele era reconhecido por seu conhecimento, e foi presidente do Sinédrio durante as regências de Tibério, Calígula e Cláudio, e morreu, diz-se, cerca de dezoito anos antes da destruição de Jerusalém.
Gamaliel (No original hebraico Gamliy'el [גמליאל], Gamaliel provavelmente significa "Deus é minha recompensa".) era um bem-conhecido fariseu. Era neto de Hilel, o Velho, que fundara uma das duas grandes escolas de pensamento dentro do judaísmo farisaico.
O método de ensino de Hilel era considerado mais tolerante do que o do seu rival, Shamai. Depois da destruição do templo de Jerusalém em 70 EC, Bet Hilel (Casa de Hilel) era preferida a Bet Shamai (Casa de Shamai). A Casa de Hilel tornou-se a expressão oficial do judaísmo, visto que todas as outras seitas desapareceram com a destruição do templo de Jerusalém.
As decisões de Bet Hilel servem muitas vezes de base para a lei judaica na Míxena, que se tornou o fundamento do Talmude, e a influência de Gamaliel, pelo visto, era um grande fator na sua predominância. Gamaliel era tão estimado, que foi o primeiro a ser chamado de raban, título superior ao de rabino.
Quando os apóstolos foram levados perante o conselho, acusados de pregar a ressurreição de Jesus, Gamaliel, como um fariseu zeloso, aconselhou moderação e calma. Referindo-se a acontecimentos bem conhecidos, ele os aconselhou que os "deixasse".
Se a obra destes fosse do homem, isso não daria em nada; mas se fosse de Deus, eles não poderiam destruí-la, e portanto deveriam ter cuidado para não serem "achados lutando contra Deus" (At 5:34-40).
A sabedoria de Gamaliel
Em harmonia com o ensino farisaico, Gamaliel promovia a crença na lei oral. Dava assim maior ênfase às tradições dos rabinos do que às Escrituras inspiradas. (Mateus 15:3-9) A Míxena cita Gamaliel como dizendo:
"Arruma para ti um instrutor [um rabino] e livra-te da dúvida, porque não deves dar um dízimo excessivo por mera conjectura."
Isso significava que, quando o A.T não especificava o que fazer, não se devia usar o próprio raciocínio ou seguir a própria consciência para tomar uma decisão. Em vez disso, devia-se achar um rabino habilitado, que tomaria a decisão por ele. Segundo Gamaliel, só assim se podia evitar o pecado (veja Rm 14:1-12).
No entanto, ainda de acordo com afirmação de pesquisadores do judaísmo, Gamaliel, em geral, era conhecido pela atitude mais tolerante e liberal nos seus decretos jurídicos, religiosos. Por exemplo, ele tinha consideração para com as mulheres, ao decidir que ele permitiria a uma esposa casar-se de novo à base da atestação [da morte do seu marido] por uma única testemunha. Além disso, para proteger a divorciada, Gamaliel introduziu diversas restrições na emissão da carta de divórcio.
Esse espírito é também percebido na maneira de Gamaliel tratar os primeiros seguidores de Jesus Cristo. Como já visto anteriormente, o livro de Atos relata que, quando outros líderes religiosos procuravam matar os apóstolos de Jesus, os quais eles tinham prendido por pregarem, ele os aceverou para que não o fizessem.
Conclusão
O estigma de Gamaliel
Figurativamente, estigma significa aquilo que "marca", que "assinala". A grande verdade é que aqueles que passaram a se respaldar no parecer de Gamaliel, em sua maioria, transformaram esse conselho em um "sinal' da parte de Deus para gerarem algo por vezes infamante, vergonhoso ou herético.
Criaram os maiores absurdos sob a "marca" de que se aquilo que estavam propondo não estivesse vindo da parte de Deus certamente sucumbiria e isso é totalmente falso, pois, se assim fosse, não teríamos esse mar de "igrejas apóstatas" e "seitas" em nome de Cristo.
Gamaliel pode até ter sido usado pelo Senhor para que os Seus apóstolos fossem poupados da morte intempestiva, mesmo porque Deus pode usar até os ímpios para que os Seus soberanos propósitos se cumpram.
Todavia a história não revela que Gamaliel tenha se convertido ao Senhor, apesar de certamente ter ficado extremamente impressionado com o testemunho de Jesus. Muitos em nossos dias, dentro das próprias igrejas, encontram-se na mesma situação, ou seja, influenciados, mas não convertidos; iluminados, porém sem experimentarem a verdadeira regeneração espiritual.
Tenho observado que, com certa constância, avoca-se o parecer de Gamaliel para justificar determinadas atitudes ou projetos que surgem a fim de garantir que a novidade lançada veio do coração de Deus: Se esta obra vem dos homens perecerá; mas, se é de Deus, não podereis destruí-los (At 5:38,39), apesar de saberem que o conselho de Gamaliel serviu exclusivamente para a libertação dos servos de Deus, naquele momento, pois a perseguição à Igreja prosseguiu feroz inclusive com a participação de Saulo, um dos seus alunos, por certo o melhor, que consentia na morte de Estevão (8:1), e daí para frente levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém e todos os crentes foram dispersos com exceção dos apóstolos
O fato que fica é que a mensagem do verdadeiro cristianismo continua a ser proclamada nos nossos dias. Muitos, iguais a Paulo, fizeram mudanças dramáticas na sua vida. Algumas até mesmo renunciaram a carreiras promissoras, a fim de ter maior participação na pregação do Reino de Deus, que é deveras uma obra "de Deus". (5:39). Como nos sentimos felizes de ter seguido o exemplo de Paulo, em vez de aquele do anterior instrutor dele, Gamaliel!
[Fonte: Personagem Bíblico, original acessado em 20/01/2024; Boletim dos Obreiros, original por José Carlos Jacintho de Campos, acessado em 20/01/2024; Estilo Adoração, original por Daniel Conegero, acessado em 20/01/2024].
Ao Deus Todo-Poderoso e Perfeito Criador, toda glória.
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E nem 1% religioso.
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