No mês de setembro é comemorado o Setembro Amarelo e no dia 11 do mês seguinte, o Dia da Saúde Mental, datas criadas para conscientizar sobre o suicídio e as doenças mentais, respetivamente.
Apesar de ainda distantes dessas duas datas específicas, várias pesquisas sinalizam que nesse ano de 2020, principalmente após o início da pandemia mundial do novo coronavírus, o número de pessoas com sérios problemas na saúde mental tem aumentado assustadoramente.
Embora não haja divulgação pela imprensa, especula-se que o número de pessoas que cometeram suicídio também assusta. A depressão está bastante relacionada aos dois eventos, pois é uma das facilitadoras do suicídio e uma das mais recorrentes doenças mentais existentes.
- Em tempo: Esclareço que o texto deste artigo é fruto de várias pesquisas em canais especializados no assunto, com os respectivos pareceres de especialistas em psiquiatria e psicologia (vide as fontes no final), não sendo, portanto, resultado de nenhum "achismo" da minha parte.
Depressão pode ser considerada uma epidemia?
Não é raro que sejamos bombardeados por notícias de todos os lados falando que a depressão tem aumentado a prevalência nos últimos anos ou que vivemos um surto de depressão. Contudo, quando adentramos o mundo da literatura especializada o que temos encontrado? Os estudos observacionais e epidemiológicos nos ajudam a entender melhor o impacto e a dimensão desse problema na saúde, que ficou muito mais potencializado durante o período da pandemia.
Entendendo o diagnóstico da depressão
O avanço da compreensão dos transtornos mentais nos últimos 50 anos gerou grandes transformações na forma de categorizá-los. No entanto, desde a criação do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) até a sua versão mais recente, o DSM 5 (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition), traduzindo: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quinta edição, pouca coisa na prática mudou em relação à compreensão diagnóstica da depressão.
O mecanismo de elaboração do diagnóstico em saúde mental tem sido majoritariamente descritivo. Assim, a compreensão das entidades nosológicas tem se baseado na descrição pura de sintomas e elaboração de pontos de corte para características que são dimensionais (aquelas que variam como peso e altura) para a população.
Simplificadamente, para se realizar o diagnóstico de depressão precisamos que pelo menos cinco dos nove critérios listados a seguir estejam presentes por pelo menos 2 semanas, sendo que um deles deve obrigatoriamente ser humor deprimido ou perda de prazer nas atividades cotidianas, com a presença de prejuízos ou limitações de funcionalidade sem outra causa que seja capaz de explicá-los.
Os critérios enumerados pela Associação Psiquiátrica Americana (APA) no DSM 5 são:
- Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme indicado por relato subjetivo (por exemplo: sente-se triste, vazio ou sem esperança) ou por observação feita por outra pessoa (Nota: em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável).
- Acentuada diminuição de interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (conforme indicado por relato subjetivo ou observação).
- Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta (por exemplo, mudança de mais de 5% do peso corporal em menos de um mês) ou redução ou aumento no apetite quase todos os dias. (Nota: em crianças, considerar o insucesso em obter o peso esperado).
- Insônia ou hipersonia quase diária.
- Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias.
- Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
- Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem ser delirantes) quase todos os dias (não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente).
- Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão quase todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por outra pessoa).
- Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio.
Embora a terapêutica tenha auxiliado na compreensão fisiopatológica da depressão, ainda não se tem um mecanismo claramente estabelecido. As pesquisas avançam cada vez mais na compreensão multifatorial do transtorno com vista a desencadeantes genéticos, ambientais e comportamentais, sem contudo delimitar um biomarcador para o diagnóstico.
Depressão na pandemia
De acordo com estudos, as primeiras semanas do distanciamento social provocado pela epidemia de Covid-19, grande parte da população brasileira apresentou problemas no estado de ânimo. Quarenta por cento se sentiram tristes ou deprimidos e 54% se sentiram ansiosos ou nervosos frequentemente. E os percentuais foram ainda maiores entre adultos jovens (na faixa de 18 a 29 anos): 54% e 70%, respectivamente.
Este é um dos inúmeros resultados identificados na primeira etapa da ConVid – Pesquisa de Comportamentos, que buscou descrever as mudanças nas atividades de rotina, na situação de trabalho e rendimento, nos cuidados à saúde e comportamentos saudáveis, avaliando o estado de ânimo dos brasileiros no período de isolamento social consequente à pandemia.
A investigação foi coordenada pelo Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz), em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mais de 40 mil brasileiros responderam a um questionário online, dando subsídios para a primeira etapa da pesquisa, que coletou dados entre 24 de abril a 8 de maio.
As questões foram abrangentes, envolvendo itens como frequência de atividade física — que diminuiu —, alimentação e mudanças no quadro sócio econômico. Mas o que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi mesmo o aumento de problemas relacionados à saúde mental da população, principalmente entre os jovens.
"Não esperava um percentual tão alto de pessoas que se sentiram tristes ou deprimidas, assim como das que se sentiram ansiosas ou nervosas",
explica a pesquisadora Celia Landmann Szwarcwald, do Icict/Fiocruz, coordenadora do trabalho.
"Houve também aumento grande dos hábitos relativos ao tabagismo, ao abuso do álcool, e ao consumo de chocolates e doces".
Mulheres mais afetadas que homens
As mulheres relataram problemas no estado de ânimo com maior frequência que os homens: o percentual das que se sentem tristes/deprimidas frequentemente durante a pandemia foi de 50%, enquanto entre os homens foi de 30%. Já o percentual de quem se sentiu ansioso/nervoso frequentemente foi de 60% entre as mulheres e de 43% entre os homens.
Entre os fumantes, 23% aumentaram cerca de dez cigarros por dia e 5%, mais de 20. O percentual de aumento de cerca de dez cigarros por dia foi maior entre as mulheres (29%) do que entre os homens (17%). Na totalidade da população, 18% relataram aumento no uso de bebidas alcoólicas durante a pandemia. O maior aumento ocorreu entre as pessoas de 30 a 39 anos de idade (26%). Esse crescimento foi associado à frequência de se sentir triste ou deprimido: quanto maior a frequência, maior o aumento do uso de bebida alcoólica.
Segundo Celia, a angústia pode não ser resultado apenas do distanciamento social, já que, mesmo entre os que não estão isolados em casa, que são a maioria, há muitos relatos de depressão.
"Entre aqueles que já tinham diagnóstico de depressão, 47% disseram que a saúde piorou",
acrescenta.
Mais da metade dos autônomos ficou sem trabalho
Aspectos socioeconômicos também contribuíram para o quadro de angústia e depressão. Em geral, 55% das pessoas relataram diminuição da renda familiar e 7% ficaram sem rendimento. A população com renda per capita inferior a meio salário mínimo sofreu mais: 64% perderam renda, e 11% ficaram sem renda alguma. Entre os autônomos, 58,6% dos entrevistados disseram ter ficado sem trabalho.
Outro resultado surpreendente foi que, entre os adultos jovens (18-29 anos), 54% se disseram tristes/deprimidos e 70% se sentiram ansiosos/nervosos com frequência, os maiores percentuais por faixa etária.
"Em geral são pessoas que têm uma vida social intensa, e na ausência disso, passam horas nas telas de tablet, computador, ou smartphone",
conta a cientista.
Os pesquisadores acreditavam que haveria uma adesão maior ao isolamento completo. Menos de 15% declararam ter ficado rigorosamente em casa, saindo somente em casos de saúde, enquanto 59,5% saíram apenas para ir ao supermercado ou à farmácia.
"Mesmo entre idosos, o percentual de isolamento total fica em 30,1%. Cerca de 24% das pessoas continuam saindo, principalmente os adultos de 30 a 49 anos de idade, que, fora alguns cuidados como manter distanciamento das pessoas e não visitar idosos, continuaram levando uma vida quase normal",
analisa Celia.
O sedentarismo também aumentou. Entre as pessoas que faziam atividade física três ou quatro dias por semana, 46% interromperam os exercícios; entre as que faziam cinco dias ou mais por semana, o percentual é de 33%. O tempo médio assistindo à televisão foi de 3 horas, aproximadamente, representando um aumento de 1 hora e 20 minutos em relação ao tempo médio antes do isolamento.
Durante a pandemia, 23% relataram uso de tablet ou computador por 8 horas ou mais, e o tempo médio de uso desses aparelhos foi de mais de 5 horas, representando um aumento de 1 hora e meia em relação ao período anterior às medidas de distanciamento social.
"O número de horas em frente à televisão subiu em todos os níveis de escolaridade, o que não é comum. As pessoas ficam mais de 3 horas assistindo à TV. Não em busca de lazer, mas de notícias. E, muitas vezes, as notícias são angustiantes",
alerta a cientista.
A amostra da ConVid foi calibrada por meio dos dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad, 2019) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para obter a mesma distribuição por Unidade da Federação, sexo, faixa etária, raça/cor e grau de escolaridade da população brasileira. A pesquisa segue em andamento.
Conclusão
É evidente que a pandemia está afetando as mentes humanas de uma maneira arrasadora, trazendo uma vulnerabilidade feroz para as pessoas. Incertezas, medo de morrer, de perder emprego, de passar fome, angústia pelo isolamento, solidão, depressão, compulsão por comida, bebidas alcoólicas e drogas são alguns dos efeitos. As pessoas que já tinham latentes essas doenças da mente, receberam aí o gatilho (Covid-19 e o isolamento) para as doenças da mente tomarem conta.
Devido às emoções sendo colocadas à prova pelo confinamento, não só terapias complementares estão sendo amplamente procuradas, o "famoso" Rivotril, medicamento de uso controlado para pacientes que sofrem com Síndrome do Pânico, depressão, ansiedade e insônia, teve suas vendas aumentadas no período.
De acordo com dados do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), a comercialização deste medicamento aumentou 22% em março e abril deste ano, quando comparado ao mesmo período do ano passado. Em números, houve um salto de 4,6 milhões para 5,6 milhões de caixas.
Enfim, os resultados dessas pesquisas, nos levam a conclusão de que precisamos estar mesmo sintonizados com Deus, através do exercício de uma fé autêntica mas não só isso, é preciso também que nossas autoridades se empenhem em fazer uma política pública mais direcionada para atender a essas pessoas que estão sofrendo. É preciso, com urgência, cuidar dessa quarta onda, que é a das doenças mentais, dos transtornos traumáticos. Não dá para esperar. Isso é gravíssimo.
[Fonte: ViDA & Ação; Portal PEBMED, por Marcelo Gobbo Jr ― Residente de Medicina da Família e Comunidade pela Fundação Pio XII – Hospital do Câncer de Barretos ⦁ Membro da American Academy of Family Physicians e da World Organization of Family Doctors; OPAS/OMS Brasil; Panorama Farmacêutico; Agência Brasil; SciElo ― PepSic – Periódicos Eletrônicos em Psicologia]
A Deus toda glória.
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