Total de visualizações de página

sábado, 25 de julho de 2020

ACONTECIMENTOS — A HISTÓRIA DE LÚCIO FLÁVIO, O "BANDIDO GALÃ" QUE VIROU UM "HERÓI" NA [OU SERIA DA?] DITADURA

Eu já disse em outros textos escritos e publicados aqui no blog, o quanto sou fascinado pelo período histórico da emblemática década de 1970, quando o Brasil viveu o auge dos chamados "anos de chumbo", iniciados no final da década anterior, com a implantação do regime militar, mais especificamente e/ou endurecida com a promulgação do AI-5.

O Ato Institucional nº 5, conhecido usualmente como AI-5, foi um decreto emitido pela Ditadura Militar durante o governo de Artur da Costa e Silva (✩1899/ ✞1969) no dia 13 de dezembro de 1968. O AI-5 é entendido como o marco que inaugurou o período mais sombrio da ditadura e que concluiu uma transição que instaurou de fato um período ditatorial no Brasil.

O livro que virou o filme


Lúcio Flávio: O Passageiro Da Agonia - José Louzeiro - Traça ...Lúcio Flávio O Passageiro da Agonia [cartaz] | Enciclopédia Itaú ...Blog que virou manchete - Panis Cum Ovum: José Louzeiro, o ...
Pois bem, ontem eu revi uma das grandes obras do cinema nacional, o longa "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia", do cineasta Hector Babenco (✩1946/ ✞2016). Lançado em 1977, o longa é baseado no livro-reportagem homônimo (já li também, claro) do escritor José Louzeiro (✩1932/ ✞2017) e foi vencedor de quatro Kikitos de Ouro no Festival de Gramado de 1978 (considerado o Oscar do cinema nacional), nas categorias de Melhor Ator (Reginaldo Farias — que brilha na interpretação do protagonista), Melhor Ator Coadjuvante (Ivan Cândido [✩1931/ ✞2016] — outro que dá um show como o policial corrupto, Bechara), Melhor Fotografia e Melhor Edição. Ao rever esse clássico de uma das melhores fases do cinema brasileiro, me veio a devida (e que não pode ser perdida) inspiração para o texto deste artigo. Espero que gostem.

Até onde pode ir a inversão dos valores?


Não é de hoje que o Brasil tem o péssimo hábito da famigerada inversão de valores. E, ao revisitar a história do bandido sanguinário, Lúcio Flávio Vilar Lírio (✩1946/ ✞1975), a gente vê o quanto esse hábito revela sua face mais grotesca, quando o bandido é "transformado" em herói, com direito até em manifestação de honrarias nos registros sobre sua vida nos anais da história (inclusive, tanto no livro, quanto no filme, esse fato é muito fácil de ser percebido, se intencional, não sei).

Entendendo a inversão de valores


"Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas; mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas" (1 Coríntios 6:12).
No mundo contemporâneo, muitos dos valores que foram passados de geração para geração estão se perdendo e nos percebemos em meio a uma sociedade com valores invertidos, onde o certo e o errado se confundem, onde as pessoas desenvolveram a capacidade de aceitar o errado como certo ou simplesmente se omitir a perceber isso e a reagir diante de tais fatos.

A aceitação neste caso não vem para favorecer, mas para contribuir com a deturpação da ética, do conjunto de valores e princípios através do qual decidimos entre o que queremos, o que devemos e o que podemos fazer.

O mais triste diante desta inversão de valores dos dias atuais é que ninguém mais faz as perguntas básicas para discernir o certo do errado: Eu quero, mas eu posso? Eu devo?

As consequências negativas dessa inversão de valores surgem todos os dias


A começar pelos sustentáculos da sociedade que é o lar e a escola. Nos lares temos visto pais e mães que matam filhos, jogam pela janela, jogam crianças no lixo, fazem filhos de refém. Em contrapartida temos filhos que matam os pais, fazem de refém, batem, fazem tortura física e psicológica. 

Se os valores não estivessem invertidos, esses mesmos pais protegeriam seus filhos de todo e qualquer perigo, lhes supriria todas as necessidades de atenção, amor, orientação, cuidados, educação.

Na escola que é o segunda pilar, o segundo sustentáculo, temos alunos agredindo professores e professores batendo em alunos, temos alunos matando colegas, enfim, temos o ambiente parceiro do lar na educação de um indivíduo transformado em um verdadeiro campo de guerra, onde o aluno não está mais seguro por estar em sala de aula e onde o professor perde o foco de educar e passa a agredir. 

Isto posto, de volta ao tema central do artigo, afinal, quem foi o "Passageiro da Agonia", o bandido galã dos olhos verdes? É o que veremos na sequência.

"Passageiro da Agonia"?

"Bandido é bandido, polícia é polícia. Como água e azeite, não se misturam".

À esquerda, o ator Reginaldo Faria na pele do personagem Lúcio Flávio, à direita

Esta é a mais famosa frase de Lúcio Flávio Vilar Lírio. Mas quem foi exatamente este homem que passou quase inteiramente a vida adulta em presídios, principalmente em Dois Rios, Ilha Grande. 

É muito simples dizer que foi um assaltante de bancos, de carros de entrega de mercadorias, de automóveis. Mas há algo de mais complexo na tecitura emocional e vivencial de presidiários. E com Lúcio Flávio não poderia ser diferente. 

Jovem da classe média mineira, nascido em 1944, filho de um funcionário público com uma professora de escola primária, louro, de olhos claros, frequentador de praias durante a juventude no Rio de Janeiro, sempre em grupo de amigos (o típico playboy praiano)..., mas a personalidade estava sendo tecida por fios invisíveis que surgiam de novelos adormecidos nos escaninhos da alma.

Lúcio Flávio nasceu aqui na capital mineira, em 1944, em uma família de classe média, e foi o precursor dos assaltos a banco no Brasil. Altamente articulado e tendo recebido da imprensa a curiosa alcunha de "o mais alto QI da marginalidade carioca", tornou-se o bandido mais famoso da década de 1970 — respeitado pela bandidagem geral, dentro e fora dos sistema prisional , sendo também o mais procurado pela polícia à época. Aos 30 anos, Lúcio já acumulava mais de 30 fugas e quase cem anos de penas de detenção por roubo, assalto — um deles, inclusive, realizado em uma agência bancária que era localizada no centro aqui de Belo Horizonte, na avenida Afonso Pena , assassinato e estelionato.

A trajetória do bandido que virou mito 


A família Vilar teve que se mudar para o Rio de Janeiro com os oito filhos pequenos, se instalando em Benfica e Bonsucesso. Isto após desencontros políticos  não bem esclarecidos  de seu pai com o então PSD que foi extinto na época. Há inclusive relatos de que Lúcio Flavio sentiu-se profundamente frustrado por não poder concorrer a um cargo de vereador no Espírito Santo em razão da negativa de seu pai, que alegava dificuldades financeiras.
"... motivo de sua incursão no mundo marginal teve sua gênese na época da Ditadura Militar no Brasil; em uma festa de casamento comemorada por sua família, alguns policiais do DOPS adentraram em sua residência e propiciaram momentos de constrangimentos, como os vividos pelo seu pai, que teve o rosto introduzido dentro de um bolo, como também, o espancamento de sua mãe; Lúcio, ainda um adolescente à época, foi igualmente vítima de espancamento, essas agressões teriam sido frutos da época em que ele vivia, ou seja, sob a 'mão' pesada do regime militar; como o pai de Lúcio era cabo eleitoral de Juscelino Kubitschek (✩1902/ ✞1956), e por esse motivo não queria informar o paradeiro de Juscelino, ele tornou-se mais uma vítima da opressão daqueles idos; devido a todos esses acontecimentos, aos 18 anos, Lúcio transformou-se em um bandido" [Copiado na íntegra da Wikipédia].

[De] Bandido ou [a] Herói?


O primeiro contato de Lúcio Flávio com o mundo do crime foi em 1968, quando formou com amigos uma quadrilha para roubar carros. Acredita-se que essa iniciativa se deu após sua candidatura a vereador por Vitória (ES) ser interrompida pelo regime militar. 

Mas foi no Rio, morando em Bonsucesso, que se especializou em roubo de carros e assalto a bancos. Liderava uma quadrilha formada pelo irmão mais novo Nijini, o cunhado Fernando C.O. e o amigo Liece de Paula (todos foram mortos). 

Associava-se a policiais e atuava em todo o país. 
"Bandido é bandido, polícia é polícia, como a água e o azeite, não se misturam." 
É por essa frase que Lúcio Flávio é lembrado. Ela foi dita em entrevista à impressa, em sua última prisão, em 1974, aqui em Belo Horizonte. A declaração fazia referência à prática de muitos policiais que participavam do crime organizado ao mesmo tempo em que mantinham seus cargos na polícia. Era uma forma de o criminoso dizer que estes não deviam ser chamados de policiais, só eram bandidos. 

Como dito acima, Lúcio Flávio — que teve um filho com a companheira chamada Janice, que foi o único e grande amor da vida dele — era altamente articulado e considerado o mais alto QI da marginalidade carioca, em doze anos de carreira no crime, com mais de quinhentos processos, quase cem anos de penas de detenção, destacou-se também pelas fugas espetaculares. Ao todo, chegou a escapar de 16 penitenciárias. 
"Sou bandido porque gosto"
dizia sempre perante à Justiça, acostumado a assumir a culpa dos crimes que praticava, um dos motivos, aliás, que o ajudaram a receber o respeito de seus pares. 

A trajetória de Lúcio Flávio no crime organizado, aliada à sua condição de testemunha-chave num processo envolvendo integrantes da própria Polícia e às contradições no depoimento de outras testemunhas importantes foram aspectos extremamente contrastantes às circunstâncias excessivamente banais apresentadas na versão oficial de sua morte. O assassino de Lúcio Flávio logo teria o mesmo destino, assassinado por outro preso, que por sua vez, também seria assassinado dentro da prisão.

O trágico [e ainda obscuro] fim


Foi no complexo prisional Frei Caneca, no Rio de Janeiro, que, com 28 facadas, Lúcio Flávio seria morto por "Marujo", seu companheiro de cela. O assassino alegou legítima defesa. Os dois teriam brigado após uma rodada de carteado. 

Prestes a dar um novo depoimento à Justiça, Lúcio Flávio era a principal testemunha nas investigações sobre as atividades exercidas pelo Esquadrão da Morte no estado. Apesar de sua ligação com o crime, ajudou a desmascarar um grupo de policiais cariocas pertencentes ao Esquadrão da Morte, entre eles Mariel Mariscot (✩1940/ ✞1981), um dos homens de elite na polícia do Rio na época. 

O assassino de Lúcio Flávio logo teria o mesmo destino, assassinado por outro preso, que, por sua vez, também seria assassinado dentro da prisão. 

Assim, Lúcio Flávio ganhou as manchetes dos jornais como personagem ambíguo, característica própria dos anti-heróis. Odiado por muitos, admirado por outros, encarna um pouco da história do país. Sua trajetória narra um período da história do Brasil na perspectiva do submundo, onde se travam as relações de poder fora das narrativas oficiais e onde, evidentemente, se travam as relações de sentidos produzidos pelo senso comum e pelas instituições.

O Esquadrão da Morte  — O crime em nome da lei

O policial bandido (ou seria o bandido policia?) Mariel Mariscot

No final dos anos 60, já no período de Exceção, organizações para-institucionais foram criadas com o suposto propósito de combater o crime. Eram os esquadrões da morte, que marcaram a dura face da realidade urbana das grandes cidades brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro. 

Em 1969 foi desbaratada uma quadrilha de ladrões de carros no Rio de Janeiro em que Lúcio Flávio foi identificado como membro. Descobriu-se logo que não era apenas um simples integrante, mas uma das figuras principais, posição que aprofundou após o assassinato do líder da quadrilha Marcos Aquino Vilar.

Queima de arquivo?


Uma facada no pescoço, que seccionou a carótida, vários ferimentos no peito, mataram, na madrugada, o criminoso Lúcio Flávio, 31 anos, na cela 7 da galeria D do presídio Hélio Gomes, no Rio de Janeiro. O assassino, outro detento, Mário Pedro da Silva, alegou legítima defesa. Lúcio Flávio e Mário teriam brigado após uma roda de carteado.


Prestes a dar um novo depoimento à Justiça, Lúcio Flávio era a principal testemunha nas investigações sobre as atividades exercidas pelo Esquadrão da Morte no estado. Com sua ajuda, foram condenados vários policiais, a começar por Mariel Mariscot, acusado por ele de participação no Esquadrão da Morte, e de liderança em outra organização, de estelionato e roubo de automóveis.

Contexto histórico


Conclui-se que o sujeito do discurso Lúcio Flávio inscreve-se na crença de que a marginalidade é fruto da situação do país durante a ditadura e de que é impossível sair do mundo do crime, mesmo que exista esse desejo. Apesar disso, Lúcio é romântico. Esses posicionamentos, essas formações discursivas pelas quais a personagem é atravessada, interpelam o indivíduo tornando-o sujeito. 

A emblemática fala de Lúcio Flávio traz à tona um outro discurso que não o "da lei e da ordem"; um outro discurso que não apenas o da Justiça e suas instituições (tantas vezes injustas); um outro modo de olhar a relação as fronteiras nem sempre bem demarcadas entre Estado e criminalidade. 

Discursivamente, o que temos é a vocalização de sentidos que estavam ali na sociedade e que se encontravam, no entanto, diluídos nas narrativas espontâneas da urbanidade, mas não encontravam espaços em publicações. 

Num contexto em que a contestação da realidade oficial era designada sempre como uma ação subversiva, "O passageiro da agonia" mostra que a própria realidade, longe das escritas oficiais, é muito mais subversiva do que aquela que o jornalismo "objetivo" de referência na época poderia perceber ou narrar.

Conclusão


As diversas formações discursivas que compõe o romance-reportagem em questão produzem sentidos, sustentados por determinadas posições, ou seja, por formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem. Só conseguimos alcançar essas formações ideológicas olhando para Lúcio Flávio como sujeito e, para o livro que conta sua história, como textualidade atravessada por discursos múltiplos. É preciso mapeá-los.

A glamourização do crime já começou naquela época e se estende pelos nossos dias. Colocam Lúcio Flávio como mais uma "vítima da ditadura", como foi Jesse [Woodson] James (✩1847/ ✞1882) , o bandido do velho oeste em que a família foi vítima do progresso das estradas de ferro. 

Mas a verdade é que já se nasce com o perfil criminoso. Para ser sociopata, não se precisa ser vítima de nada. O bandido é a razão em si. Como o próprio Lúcio Flávio (o Noquinha) resumiu: 
"sou bandido porque gosto"
Então senhores, se não fosse a Ditadura, os maus tratos a família etc, o DNA (perfil genético, essência) criminoso de Lúcio Flávio, se manifestaria de outra maneira, nem que seja porque olharam feio pra ele. 

Por mais duro que possa parecer, considerando-se os devidos contextos e circunstâncias (e aqui NÃO HÁ NENHUM TIPO DE COMPARAÇÃO, REGISTRE-SE), o fato é que bandido é bandido porque gosta, prostituta é prostituta porque gosta e político é político porque gosta. Todos têm — ou melhor, todos temos os nossos — o mesmo traço de caráter e a opção por suas próprias escolhas. Ou não?

A Deus toda glória. 
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso bloghttps://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade. 
E nem 1% religioso. 
O uso correto da máscara não é opcional, é obrigatório! 
Respeite a etiqueta e o distanciamento sociais e evite aglomerações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário