Total de visualizações de página

quarta-feira, 14 de março de 2018

ESPECIAL DISCIPLINA: 1) O NECESSÁRIO RESGATE DA DISCIPLINA NA VIDA CRISTÃ

Inicio com este texto mais uma série especial de artigos. O tema que irei enfocar dessa vez, é um dos quais apesar de sua fundamental importância, não raramente é deturpado, distorcido e, pior, negligenciado pela comunidade cristã: a disciplina.

O que é


Com origem no termo latim disciplīna, a disciplina é a doutrina e instrução de uma pessoa, especialmente no campo da moral. O conceito também é usado para fazer referência à arte, à faculdade ou à ciência, bem como ao próprio instrumento de castigo (o chicote ou a régua, caídos entretanto em desuso e abolidos).

No âmbito militar e eclesiástico, a disciplina é a observância (cumprimento/respeito) das leis e nos ordenamentos da profissão.

Uma disciplina acadêmica ou científica, também conhecida como área de estudo, é um ramo do conhecimento que é investigado/explorado em escolas de ensino superior, em centros de estudos ou universidades. As disciplinas são oficialmente reconhecidas pelas publicações acadêmicas nas quais constam os resultados dos processos de investigação e pelos círculos acadêmicos, sejam estes intelectuais ou científicos, a que pertencem os investigadores.

Por outro lado, a disciplina escolar é a obrigação que têm os educadores de infância e os docentes/professores de obedecer e mandar obedecer (no caso dos alunos/educandos) a um código de conduta, conhecido sob a designação regulamento escolar. Este regulamento define aquele que se espera que seja o modelo de comportamento, o cumprimento de horários, a farda devendo ser usada, as normas éticas e as maneiras mediante as quais se definem as relações no seio da escola.

Por último, cabe frisar que o disciplinante é a pessoa que, em plena praça pública, flagela as próprias costas como forma de penitência no contexto da religião cristã. Esta tradição, que remonta ao século XV, é de caráter voluntário e é praticada na Espanha e em Portugal, sob a forma de procissões como mero ato de fé.

A Bíblia e a Disciplina


"Estes são os provérbios de Salomão, filho de Davi, rei de Israel. Eles ajudarão a experimentar a sabedoria e a disciplina; a compreender as palavras que dão entendimento; a viver com disciplina e sensatez, fazendo o que é justo, direito e correto; ajudarão a dar prudência aos inexperientes e conhecimento e bom senso aos jovens"  (Provérbios 1:1-4).
A mentalidade hedonista e utilitária do tempo presente não vê com bons olhos a ideia de disciplina. No entanto, trata-se de uma atitude e uma prática fundamental para a vida cristã. Na Bíblia, encontramos dois tipos de disciplina – a de outrem e a de si mesmo. Na primeira acepção, trata-se das medidas impostas pelos pais aos filhos ou pela igreja aos seus fiéis no sentido de corrigir comportamentos impróprios. No segundo sentido, o que se tem em mente é a autodisciplina, o autocontrole, como parte de uma vida cristã séria e comprometida.

Em grego, o termo relacionado com esse segundo aspecto da disciplina é o verbo "askeo", no infinitivo "askein", que significa "exercitar-se", "esforçar-se". As palavras cognatas são os substantivos "asketes" (aquele que se exercita, atleta) e "askesis" (exercício, esforço). Essa é a origem dos termos ascese, asceta e ascetismo, que têm a sua própria história. Curiosamente, dos vocábulos gregos acima, só o verbo aparece no Novo Testamento, e mesmo assim uma única vez, em Atos 24:16, onde o apóstolo Paulo diz: 
"Por isso, também me esforço [me disciplino] por ter sempre consciência pura diante de Deus e dos homens". 
Todavia, se o termo é raro, a ideia correspondente é comum nas páginas bíblicas. Uma passagem clássica é aquela em que Paulo descreve sua vida cristã utilizando diversas palavras da vida esportiva do mundo greco-romano: 
"Todo atleta em tudo se domina [se disciplina], aqueles, para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, a incorruptível. Assim corro [me disciplino] também eu, não sem meta; assim luto [me disciplino], não como desferindo golpes no ar. Mas esmurro o meu corpo [me disciplino] e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado" (1 Coríntios 9:25-27). 
Em uma passagem paralela, ele recomenda a Timóteo que se exercite pessoalmente na piedade (1 Tm 4:7b). Os verbos utilizados são outros ("agonizomai", "gymnazo"), mas o conceito é o mesmo. O cristão deve ser um atleta de Cristo. A vida cristã exige esforço, autodisciplina.


A importância da Disciplina na vida cristã


No terceiro século, surgiu uma prática que não fazia parte do cristianismo original, a ascese ou ascetismo, no sentido de uma autodisciplina rigorosa. Essa conduta foi entendida principalmente em termos de abstinência de prazeres físicos, em especial a sexualidade (castidade) e a posse de bens (pobreza). 

Se é verdade que Jesus viveu dessa maneira, em nenhum lugar Ele estabeleceu uma lei nesse sentido para os seus seguidores. O Novo Testamento vê com naturalidade o casamento dos ministros de Deus (Mateus 8:14; 1 Co 9:5). Paulo questiona que o tratamento severo do corpo seja benéfico para a vida espiritual (Colossenses 2:23). Além disso, quando o Novo Testamento prescreve elevados padrões de conduta moral, fica claro que isso é para todos os cristãos, e não para um grupo seleto (Romanos 8:13; 13:13s; 1 Tessalonicenses 4:3-7).

De qualquer modo, as palavras de Jesus ao jovem rico impressionaram fortemente as primeiras gerações de cristãos: 
"Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me" (Mt 19:21). 
A expressão inicial, que aparece somente em Mateus, passou a ser interpretada no sentido de que havia dois tipos de cristãos – os que se contentavam com uma vida medíocre e os que aspiravam à perfeição. Desse entendimento resultou o monasticismo, a chamada vida consagrada. 

Essa instituição deu grande valor à autodisciplina: todo monge fazia o tríplice voto de pobreza, castidade e obediência e se submetia a uma regra de conduta. A vida monástica era rigorosamente estruturada em torno de três atividades: devoção, trabalho e estudo. Havia sete períodos fixos de oração individual e coletiva: matinas, prima (laudes), terça, sexta, noa, vésperas e completas.

A Reforma Protestante, ao relativizar a distinção entre clero e laicato, ao questionar a validade do celibato e ao valorizar a vida normal em família, descartou por completo o monasticismo e a ascese associada ao mesmo. No entanto, como afirma o ditado, jogou fora o bebê junto com a água do banho, pois perdeu esse valioso elemento de uma vida regrada e disciplinada. 

O temor da rigidez e a busca de total espontaneidade fizeram com que muitos protestantes se tornassem relapsos na sua vida devocional. É verdade que houve movimentos que valorizaram a disciplina espiritual, tais como os pietistas, os morávios e, em especial, os puritanos. Mas hoje, a maior parte dos evangélicos, seja individualmente, seja em família, não cultiva hábitos regulares de oração, meditação e estudo bíblico.

Vivendo numa era de enorme ativismo e dispersão de interesses, os crentes precisam voltar a aprender o valor e o prazer da genuína espiritualidade bíblica. Um autor que fez valiosa reflexão sobre o tema é o quacre Richard J. Foster, cujo livro "Celebração da Disciplina" foi publicado pela primeira vez em português há exatos trinta anos (1983). 

Nesse clássico, ele aborda doze disciplinas espirituais, divididas em três categorias: 
  • interiores (meditação, oração, jejum, estudo), 
  • exteriores (simplicidade, solitude, submissão, serviço) e 
  • associadas (confissão, adoração, orientação, celebração). 
Mesmo que não concordemos com todas as ideias de Foster, seu chamado a uma vida de maior profundidade devocional é deveras salutar.

A Escritura e a história demonstram que os homens e mulheres cristãos que maiores contribuições deram à igreja, ao reino de Deus e ao mundo foram pessoas de vida disciplinada, que souberam colocar em primeiro lugar aquilo que é mais importante. 

Se a igreja contemporânea quiser recuperar a vitalidade de outros tempos, precisa ensinar aos seus fiéis a importância de organização, intencionalidade e alvos concretos não somente nos estudos ou na vida profissional, mas no cultivo da vida interior, na comunhão com Deus e no serviço ao próximo. Como ensina o apóstolo dos gentios (Filipenses 2:12), todo cristão deve "desenvolver a sua salvação", e fazer isso com temor e tremor.

Conclusão


A disciplina é um sinal de amor. A Bíblia diz em Hebreus 12:5-11 
"E já vos esquecestes da exortação que vos admoesta como a filhos: 'Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, nem te desanimes quando por ele és repreendido; pois o Senhor corrige ao que ama, e açoita a todo o que recebe por filho'. É para disciplina que sofreis; Deus vos trata como a filhos; pois qual é o filho a quem o pai não corrija? 
Mas, se estais sem disciplina, da qual todos se têm tornado participantes, sois então bastardos, e não filhos. Além disto, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e os olhávamos com respeito; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, e viveremos? 
Pois aqueles por pouco tempo nos corrigiam como bem lhes parecia, mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade. Na verdade, nenhuma correção parece no momento ser motivo de gozo, porém de tristeza; mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos que por ele têm sido exercitados."
A disciplina é uma expressão de amor paternal. A Bíblia diz em Provérbios 13:24 
"Aquele que poupa a vara aborrece a seu filho; mas quem o ama, a seu tempo o castiga."
Ao disciplinar as crianças quando são pequenas poupa problemas maiores mais tarde. A Bíblia diz em Provérbios 19:18 
"Corrige a teu filho enquanto há esperança; mas não te incites a destruí-lo."
Enfim, concluímos, portanto, que a disciplina é fundamental para o desenvolvimento saudável da vida cristã.

[Fonte: Ultimato, por Alderi Souza de Matos - doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de "A Caminhada Cristã na História" e "Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil"; Conceito de; Jesus Voltará]

A Deus toda glória.
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog https://circuitogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade.
E nem 1% religioso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário