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terça-feira, 14 de novembro de 2017

CASO WILLIAM WAACK: OS DOIS LADOS DE UMA ÚNICA MOEDA

Antes de mais nada quero dizer que não é meu intuito defender o tal de William Waack (só conheço esse senhor pelas poucas vezes que o vi na televisão, já que simplesmente detesto a linha editorial de jornalismo da Rede Globo e, portanto, não costumo ver com frequência seus telejornais) e apenas irei usar esse episódio que o envolveu para fazer uma reflexão mais ampla sobre os fatos.

Quero dizer ainda que o fato de não dever absolutamente nada a ninguém, assim como a Constituição, me garantem o direito a livre expressão de minha opinião. E, por último, reservo a outrem o direito de discordar de mim. Isto posto, vamos a minha análise dos fatos.

No infame tribunal das Mídias Sociais


O julgamento pelo qual passou o jornalista William Waack na internet, por ter viralizado um vídeo no qual fez comentários racistas, mostra como o povo "imbecil" (volto a, desculpe a piadinha, ecoar Eco) das mídias sociais se acha juiz, júri e executor. Quem está na esquerda condena a direita – e os no centro são amassados. Nos últimos tempos, resumiram-se sérios debates políticos a xingamentos – melhor, "xingamentos" – simplistas como "esquerdopata", "coxinha" ou "bolsominion".

Os a favor dos movimentos LGBT tendem a clamar por cadeia para qualquer divergente, e vice-versa. A regra estabelecida é: veja, julgue o mais rápido (quanto menos tempo para refletir, melhor) e compartilhe sua condenação com ares de expert. Será que a maioria se esqueceu que quem tem o dever de realizar esse trabalho é a Justiça? Ou o papel da magistratura deveria ser passado ao povo do Facebook e do Twitter?

Assim, poder-se-ia, por exemplo, cruzar dados de perfis de usuários desses sites e, dessa forma, ver quem, por clamor popular online, deveria ir para a prisão ou, quem sabe, arcar com a pena de morte.

E neste paradoxal cenário virtual da vida real, ninguém está a salvo dos juízes facebookianos! A próxima vítima pode ser, sim, eu e, você. Proliferam-se as histórias de famosos e anônimos que, do dia para a noite, viraram réus desse reality show moderno. Todo mundo tem o direito de falar, o melhor, de postar, o que quiser e, quem é de acordo, se torna "amigo" e/ou seguidor, quem estiver contra, é esculhambado à exaustão até, quem sabe, um dia ser bloqueado e, por fim, glória a Deus, aleluia, excluído. Mas, até isso acontecer, muita lama já jorrou dessa fonte.

Pena de morte


Nos EUA, já entrou para a história o triste caso de um menino homossexual que, aos 18 anos, suicidou-se após apontarem para ele dedos condenatórios, em forma de tweets, após o vazamento de um vídeo no qual fazia sexo com outro garoto. Por favor, peço que esqueça credo, raça, orientação sexual, o que for.

Veja, por exemplo, como o caso se assemelha a outro, deste ano. Lembra-se de quando supremacistas brancos tomaram as ruas de Charlottesville, nos EUA (se não recorda, dê um Google). Onde tudo começou? Adivinhe? No Facebook, no YouTube, no Twitter. Ambientes nos quais esses radicais de direita expressavam o racismo. 

Contudo, conversando apenas entre os seus. Ou seja, achando que estão corretos pois só têm acesso às mesmíssimas opiniões de ódio. E assim levaram a violência virtual às ruas reais. Do lado oposto, quem era contra também julgou, instantaneamente, que todos esses manifestantes da extrema direita deveriam é ser presos. E eles mereciam a cadeia? Pode até ser. No entanto, não cabe ao povo da internet decidir isso. Chame a Justiça. Não o Facebook.

Em terras tupiniquins menos civilizadas, alguém ainda se lembra da humilde dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de confissão evangélica, que foi vítima de um brutal linchamento após ter sido confundida com uma suposta sequestradora de crianças para serem sacrificadas em ritual de magia negra?

A vítima foi linchada no dia 3 de maio de 2014 e morreu dois dias depois. O caso ocorreu no bairro Morrinhos III, em Guarujá. O crime aconteceu após uma foto ter sido divulgada, junto com um boato no WhatsApp, de que uma mulher parecida com Fabiane sequestrava crianças e as utilizava em rituais de magia negra.

Nas redes, não há mais muito diálogo. Melhor, quase não há. O "diálogo" poderia entrar para a lista das espécies sob risco de extinção. Existe, por outro lado, apenas concordância e condenação.

Perde-se, em tantos aspectos, com isso. Lembra do recente caso do museu de Porto Alegre cuja exposição foi fechada após "os de direita" pedirem por isso? Mais uma prova da ação dos juízes da internet. Assim como, do outro lado, muitos dos que não concordaram já pediam pela morte dos censores. Sim, eu estou entre os que acharam um absurdo o encerramento da Queermuseu.

Entretanto, protejo o direito também daqueles que não apreciaram a mostra. Só que também repudio todos aqueles que condenaram sumariamente os artistas ao fuzilamento. Ali só iria quem quisesse ir. Ninguém era obrigado. Eu, por exemplo, jamais iria simplesmente por não apreciar o conteúdo temático da tal exposição, mas quem disse que eu posso falar pela maioria? Respondo apenas por mim e olhe lá.

É tão difícil de compreender isso? Defender a liberdade de expressão não é sinônimo de defender a opinião daqueles que pensam como você. Pegou? Reais apoiadores da liberdade de expressão seguem a máxima: "não concordo com aquele cara, mas protegerei até o fim o direito dele falar essas mer(*)".

O caso William Waack


E aí voltemos a William Waack. Cabia mesmo à internet ser implacável com ele? É certo julgar a carreira de um profissional por umas falas mal colocadas, ou mesmo imorais, racistas? As mesmas perguntas valem para os casos recentes de hollywoodianos como Kevin Spacey. Deste ator, é mesmo cabível misturar seus desvios morais com seus dotes artísticos? Mais uma vez, soarei óbvio. Entretanto, vivemos numa era na qual algumas obviedades parecem ter sido esquecidas. 

A frase racista de um jornalista não diminui seu talento e suas conquistas na carreira – nem a importância desses dois elementos. Assim como o comportamento inadequado de um astro do cinema não faz dele um pior ator. Simples assim (ou não?).

Sempre que toco no tema do tribunal do Facebook, questiono-me, ainda: "será que gênios como Ernest Hemingway (☆1899-✞1961), Nelson Rodrigues (☆1912-✞1980) e Hunter S. Thompson (☆1937-✞2005) sobreviveriam ao julgamento da manada facebookiana?”. Aposto que não. Provavelmente, todos seriam jogados numa piscina venenosa, repleta de tweets os tachando como "machistas", "radicais", "misóginos", "fundamentalistas", "homofóbicos"...

O fenômeno Waack e o contexto social do Brasil


Sou negro, cristão, favelado, nasci e cresci dentro de uma família bastante tradicional. Católica, conservadora, direitista, totalmente negra e essencialmente pobre. Não estudei nas melhores escolas, não tive acesso a clubes privados onde pudesse praticar esportes e conhecer pessoas do high society, nunca viajei para a Europa (nunca pus o pé fora dos limites brasileiros) antes dos 18 anos (já estou com 50 e, até agora, nada, mas, ainda estou vivo, né?...), não aprendi outras línguas (me esforço para falar um português, menos, digamos, reprovável), mas, sim, li muitos livros (aprendi desde cedo a amar a leitura).

Entretanto, durante essa minha infância nada privilegiada não era incomum ouvir pessoas dizendo coisas como "branco correndo é atleta, preto correndo é ladrão". Não lembro de alguém reclamando de colocações assim, muito pelo contrário: escutava risadas. E até ria junto.

Uma criança que se forma nessa circunstância  seja ela rica ou pobre, negra, branca, cinza ou amarela  tem sua configuração padrão programada para acreditar ser melhor do que outros: negros, pobres, excluídos. A vida, aliás, vai dando a você a certeza de ser assim. De quem são os melhores empregos, os salários mais altos também, as maiores e melhores casas, as refeições mais sofisticadas?

É preciso um bocado de atenção e disciplina para perceber que o mundo real não é bem aquele em que tentaram fazer você acreditar. Quando se nasce em um mundo repleto de oportunidades, o mundo real é injusto, cruel, desigual e a sua volta existem milhões de pessoas que, ao contrário de você, não tiveram oportunidades. Nessa hora é fundamental que se pergunte como teria sido a vida delas se tivessem tido as chances que você tive.

Claro que é mais fácil acreditar que alguém como os Williams Waacks da vida se deram bem na vida porque são mesmo boas e talentosas. Que ganharam dinheiro porque se esforçaram. Não é conveniente acreditar que elas só ganharam dinheiro e status porque tiveram mais oportunidades, ou uma herança, ou conseguiram seu primeiro emprego porque seu pai era amigo do dono da empresa ou algo assim.

Mais fácil também acreditar que o sujeito que está agora limpando o chão da empresa onde elas trabalham está fazendo isso porque é intelectualmente incapaz e nasceu mesmo para limpar o chão e tirar o lixo. Imaginar quem ela seria se tivesse estudado onde elas estudaram, conhecido as pessoas que elas conheceram, tido as mesmas oportunidades não vem ao caso. E, afinal, alguém precisa limpar esse chão e tirar o lixo. 

Exige-se atenção e disciplina para se desfazer da configuração padrão e pensar por conta própria. Trata-se, como sugeriu o escritor David Foster Wallace (1962-2008), da verdadeira liberdade: a liberdade de enxergar o outro.

No episódio do racismo revelado de William Waack uma coisa me chamou a atenção antes mesmo que ele dissesse "é coisa de preto": quando alguém buzina e Waack, de forma vulgar, e visivelmente incomodado com o barulho pouco antes de entrar no ar, diz, agressivamente, que o cara que buzinou é um merda.

É exatamente nesse tipo de acontecimento que devemos tentar praticar a liberdade sugerida por David Foster Wallace. O barulho da buzina não diz respeito a você. Ou à sua necessidade de concentração para entrar ao vivo em rede nacional de TV. Ou ao seu bem-estar.

E se o motorista que buzinou estivesse com o filho doente ao lado tentando chegar ao pronto socorro? E se estivesse buzinando para um cachorro sair da frente e não ser atropelado? Não são possibilidades reais, ainda que improváveis?

Achar que a buzina diz respeito a você, e ao seu momento de trabalho, faz parte de nossa configuração padrão. E a reação destemperada de Waack com a buzina me incomodou – ainda que eu já tenha reagido assim infinitas vezes na vida porque, afinal, essa é também a minha configuração padrão e a coisa mais simples do mundo é acreditar que as coisas que acontecem a nossa volta dizem respeito a nós e a mais ninguém.

Mas a sequência dos acontecimentos é ainda mais chocante.

Dizer "é coisa de preto" não é uma escorregada, não é acidente, não é tropeço. "É coisa de preto" carrega em si um arsenal de podridão moral, de injustiça, de crueldade, de desumanidade. É uma violência. É uma vulgaridade. É crime. Não se diz na rua, não se diz em casa, não se diz sozinho no banheiro, não se pensa. E se a frase passar pela cabeça, mesmo que silenciosamente, então devemos reconhecer o racismo em nós mesmos e tentar nos livrar dele.

Todos somos feitos de inúmeros preconceitos. Somos falíveis porque somos humanos. Nada disso surpreende. O que surpreende é a essa altura da evolução humana não reconhecer o preconceito e fazer o que for preciso para se livrar dele.

Conclusão


Waack pode aprender com o episódio. Pode deixar de ser racista. Pode dar uma volta no racismo. Pode se tornar uma pessoa melhor. Tudo isso pode acontecer. Todos temos essas chances na vida. Mas para que cheguemos nesse lugar é preciso encarar o episódio com a gravidade que ele merece. E reconhecer que o racismo faz parte de todas as estruturas de poder que nos moldam.

O mais engraçado é a covardia dessa gente. Conheço uma mulher que imita macaco pelas costas uma funcionária negra, que debocha de seus cabelos, de seus traços físicos e, até, dos erros de português que essa racista também comete, mas que pensa que só o alvo de seu desprezo comete.

O Brasil, a sociedade brasileira em peso, mandou um recado aos racistas: calem-se, engulam vosso preconceito, portem-se com respeito diante da etnia esmagadoramente majoritária neste país, do contrário serão punidos por desejo de uma sociedade que não tolera as perversões dessa minoria de anões morais. 

Em suma, tanto o linchamento virtual sem chance de defesa, quanto qualquer tipo de preconceito e/ou discriminação são reflexos de uma sociedade doente em seus princípios e valores. Ambos os lados dessa moeda revelam a face e o valor da estupidez de uma humanidade caída, corrompida, miserável, pobre e nua de espírito.

A Deus toda glória. 
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E nem 1% religioso.

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