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sexta-feira, 15 de setembro de 2017

FILMES QUE EU VI - 36: "CARRIE, A ESTRANHA"'76


A adolescência continua sendo uma das fases mais fortes da existência humana. A descoberta de um mundo maior, novas sensações, novos desejos… tudo fica diferente neste momento da vida. O corpo muda, as percepções mudam, descobre-se o sexo, os desejos, o amor, as dificuldades de se relacionar… quando criança, bastava brincar e tudo estava resolvido.

Como jovem, parece que nada basta, tudo é confuso, complicado, difícil… mas, ao mesmo tempo, tudo parece fácil, descomplicado e fascinante. O jovem descobre as coisas com a curiosidade de uma criança e com a falta de responsabilidade do adulto — uma descontração e, ao mesmo tempo, uma angústia que dificilmente podem ser repetidas. Todos esses complexos elementos na vida do adolescente estão presentes no enrendo desse filme sensacional, um clássico dos filmes de terror. E, por favor, estou me referindo ao original de 1976 e não terrível versão feita para televisão em 2002 e muito menos ainda do horrível remake de 2013.


Das páginas para a telona


“Carrie” (o livro) é considerado o primeiro romance do americano Stephen King, lançado em 1974 e que, dois anos depois, chegou aos cinemas sua versão, que ganhou o título no Brasil de “Carrie, a estranha”, dirigido por Brian De Palma. 

A produção catapultou o trabalho e a carreira dos seus envolvidos, incluindo De Palma, que mais tarde realizaria outros sucessos comerciais e de crítica, como “A fúria” (1978), “Vestida para matar” (1980), “Scarface” (1983), “Missão Impossível”, “Os intocáveis” (2011), não fazendo nada digno de nota depois e tentando retomar sua carreira do ostracismo com “A Dália Negra” (2006), algo impensável para alguém que já foi considerado por muitos um discípulo e sucessor de Alfred Hitchcock.


A história do filme

Estrelas ascendentes


Para estabelecer o êxito de “Carrie, a estranha” como filme, se faz necessário salientar outros dois dos seus maiores méritos: as duas atrizes principais, Piper Laurie e Sissy Spacek. E é em virtude da qualidade do trabalho das duas, indicadas ao Oscar, que o filme mantém seu poder intocável. Laurie, hoje dona de mais de cem atuações, três indicações ao Oscar, sete outros prêmios e outras tantas nomeações em sua carreira, encarna com perfeição toda a neurose doentia da mãe de Carrie.

Religiosa fanática, quase psicótica, a ponto de trancafiar a filha dentro de um quarto escuro e a forçar a rezar para livrá-la dos pecados que supostamente a rondam, Laurie encarna todos os detalhes de sua personagem: desde o timbre de voz até o gestual nervoso, passando por seus cabelos desgrenhados e dando um tratamento quase de bruxa, exageradamente, em contraponto a imagem sensível e frágil imposta por Sissy para Carrie.

Sissy Spacek (de “Entre quatro paredes” 2002, “Terra Fria” 2005, “Histórias Cruzadas” 2011), aliás, não estava cotada para o papel de Carrie, ganhando-o após uma audiência em que teria impressionado Brian De Palma com seu desempenho. Spacek é simplesmente perfeita como Carrie, passando toda a loucura e piração da personagem desde o primeiro momento em cena, até sua expressão de dor, sofrimento, vingança e ódio da etapa final do filme. 

Carrie é o resultado de abusos psicológicos da mãe, e foi o papel que a lançaria como a grande atriz, que, mais tarde, colecionaria merecidamente quatro indicações ao Bafta, seis indicações ao Globo de Ouro, seis indicações ao Oscar e um prêmio deste, por “O destino mudou sua vida” (1980). O elenco ainda tem um jovem John Travolta (que em seguida emplacaria o clássico dançante “Os Embalos de Sábado à Noite” 1978), a então jovem Amy Irving, ex-mulher de Steven Spielberg, e cuja carreira não decolou; e outra atriz conhecida do público por “Robocop” (1987), Nancy Allen, desaparecida das produções cinematográficas.

A marca registrada de Brian De Palma


Em contrapartida, De Palma cria a tensão necessária até a cena chave da produção: a sequência do baile. Ele não tem pressa em desenvolver a relação entre mãe e filha, mostrando as mudanças sutis em relação à Carrie e o seu amadurecimento. 

Carrie passa a entender o que está ocorrendo com ela e passa a enfrentar a mãe, incorporando os problemas da fase de autoafirmação de todo adolescente comum. O espectador parece saber antecipadamente o que vai acontecer com ela — ela será humilhada mais uma vez — e consegue tolerar o fato — fantasia, aliás — de que a menina tem poderes telecinéticos.

Isso porque “Carrie...” é, antes de um filme de suspense, uma fábula sombria sobre o amadurecimento e sobre o descobrimento sexual: 
  • ela menstrua e não tem consciência do que acontece com seu corpo e se desperta para a paixão; 
uma metáfora sobre diferenças: 
  • ela não se enturma, é esnobada pelos outros, vítima de bullyng (quando esse termo ainda “não estava na moda” o que, aliás, ajuda a manter o filme atualíssimo), incompreendida, “estranha”. 
Há uma angústia em torno dela, uma sensação de despertencimento: 
  • ela justifica para a mãe que há outros iguais a ela e que ela não está sozinha. 
E há uma busca por uma identidade tanto sexual quanto feminina —, algo visto em menor escala, mais recentemente, no filme “Cisne Negro” (2010), com Natalie Portman — que é rigorosamente bloqueada pela influência de sua mãe neurótica.

Por trás deste verniz, De Palma amplia o cuidado em relação à sequência do baile, em que no começo tudo parece brilhante, doce e perfeito como um sonho de Carrie, para depois arder nas chamas do inferno, com Carrie se vingando enquanto o público, como almas, correm do fogo desse limbo de um lado para outro. 

E a câmera do diretor se divide, mostrando momentos diferentes da ação, antes de entrar numa espécie de transe feito em câmera lenta, em que o terror se aproxima da menina e não há nada que se possa fazer para evitar. Spacek, molhada por “sangue suíno”, dá um show. Ela imprime a sua Carrie sua violenta vingança contra todos os que a humilharam como se encarnasse ali a realização pessoal de todos os que passaram por situações humilhantes e que tiveram seus sonhos arruinados.

De Palma também não poupa o espectador de seu senso irônico. Ele elimina uma personagem que é realmente “bom” para Carrie — a professora — o que subverte algo comum em filmes do gênero, no qual personagens bons acabam sobrando no final, mas não pune a personagem arrependida (Sue) que indiretamente contribuiu para o seu martírio final. 

Também encarna seu subtexto religioso e sexual na imagem da mãe de Carrie como se estivesse crucificada, presa por facas atiradas pela menina, em que geme como que de prazer antes da morte, transfigurando a imagem do boneco com igual aparência. Sexo e religião parecem caminhar juntos em Carrie, e igualmente parecem expor o impacto que vem da nocividade de sua descoberta e de seus exageros — como na cena em que sua mãe revela a menina um tipo de estupro no matrimônio, do qual Carrie é fruto. 

Por fim, a sequência da casa se destruindo no final dá o toque metafísico e dúbio ao filme, deixando ao espectador que tire suas próprias conclusões sobre o destino da menina.

Sinopse

“O pecado nunca morre”


Carry White (Sissy Spacek) é uma jovem que não faz amigos em virtude de morar em quase total isolamento com Margareth (Piper Laurie), sua mãe e uma pregadora religiosa cada vez mais ensandecida. 

Carrie foi menosprezada pelas colegas num incidente, sua professora fica espantada pela sua falta de informação e Sue Snell (Amy Irving), uma das alunas que zombaram dela, fica arrependida e pede a Tommy Ross (William Katt), seu namorado e um aluno muito popular, para que convide Carrie para um baile no colégio. Mas Chris Hargenson (Nancy Allen), uma aluna que foi proibida de ir festa, prepara uma terrível armadilha para deixar Carrie ridicularizada em público…

Numa das cenas mais poéticas e selvagens da história do cinema, Carrie menstrua pela primeira vez no chuveiro do vestiário da escola: a câmera lenta mostra seu banho, unindo a queda da água do chuveiro com o escorrer do sangue nas suas pernas, a surpresa de Carrie pelo que ocorreu e, imediatamente depois, o seu terror por não saber do que se tratava. Desesperada, ela tenta procurar ajuda de suas colegas que, por sua vez, a humilham. Voltando para casa, é repreendida pela mãe — agora ela possuía o pecado de ser mulher.

Com remorsos pelo que aconteceu, uma de suas colegas, Sue (Amy Irving, que viria a ser a futura mulher de Steven Spielberg) decide fazer com que seu namorado, Tommy (William Katt), um dos rapazes mais disputados pelas garotas na escola, leve Carrie no baile de formatura. Neste ínterim, a professora de educação física suspende Chris (Nancy Allen) no baile que, junto com seu namorado (John Travolta antes do sucesso espetacular de “Os Embalos...”), prepara para vingar-se de Carrie.

Carrie, dominando melhor os seus poderes, impõe sua vontade à sua mãe, indo no baile com Tommy. No baile, o casal é eleito como o rei e a rainha da festa e, na hora da premiação, são banhados com um balde cheio de sangue de porco — a vingança de Chris concretiza-se. Segue-se então uma das sequências mais violentas da década de 70: Carrie, sentindo-se humilhada, usa seus poderes paranormais e destrói a escola e a cidade, matando quase todos que estão na sua frente — o uso do efeito tridimensional, ou seja, várias telas se abrindo e mostrando várias coisas acontecendo ao mesmo tempo para o espectador foi excepcionalmente utilizado. Voltando para sua casa, tem de enfrentar sua mãe, em outra sequência espetacular de suspense, terror e violência.


Um terror inteligente que, mais do que nos assustar, nos faz pensar


O que se segue mexe com nossos sentimentos. Inicialmente, torcemos para que as coisas deem certo para ela, e que tudo termine bem. Mas as coisas dão errado, e ficamos com raiva. E então tristeza, por saber que aquela personagem simpática e que merecia ter uma vida maravilhosa segue por um caminho sem volta e, por vingança, torna-se uma fria assassina telecinética. 

Por fim, resta a culpa, porque mesmo enquanto vemos Carrie matando, queimando e eletrocutando os alunos do colégio pensamos (inevitavelmente) que eles estão recebendo aquilo que mereciam. A vingança é um dos sentimentos mais profundos e enraizados na natureza humana e não é fácil evitá-la, principalmente porque ela pode facilmente ser confundida com justiça.

Conclusão


Criticado na época por seu excesso de violência, o filme apresentou muito mais do que devastação e sangue (foi utilizado xarope nestas cenas): a fragilidade e os elevados poderes de Carrie foram magistralmente retratados, criando a tensão necessária para prender o espectador por todo o filme. O enredo vai crescendo de tal maneira que fez com que a “resposta” da personagem, “esmagada” por sua mãe e por todos à sua volta, tivesse sentido.

O final acrescentado ao filme (Sue, a única sobrevivente, sonha que uma mão sai da cova de Carrie e a agarra) é diferente do livro de Stephen King, chegando a assustar o próprio, que não o conhecia até a exibição do filme.

O filme tornou-se memorável por causa desses elementos, construídos magistralmente por Stephen King e conduzidos habilmente pelo diretor Brian De Palma. A história, ainda que simples, constrói um personagem crível, que convence o público de que suas ações são corretas jogando com regras básicas da natureza humana. Podemos não concordar com as ações de Carrie, mas no fim somos plenamente solidárias às atitudes dela, pois se tivéssemos poderes telecinéticos provavelmente seguiríamos pelo mesmo caminho.

É inegável que “Carrie, a estranha” envelheceu. Ao ser visto hoje, seus efeitos mecânicos soam ridículos e é impossível não despertar risos involuntários com a cena do acidente do carro ou da própria casa se desintegrando. Contudo, a notável habilidade de De Palma em conduzir uma narrativa que não possui muitas surpresas — mas pede agilidade —, e a atuação de seu elenco principal, continuam impecáveis e seguram o espectador do início ao fim. E, em se tratando de um filme de um diretor como ele, cujo talento faz falta no cinema, “Carrie, a estranha” merece seu lugar de destaque na galeria de clássicos.

Um remake que não vale a pena ser visto


Fazer um remake onde o primeiro filme faz tanto sucesso assim é algo arriscado. O público conhece bem a história e, obviamente, os jovens da época da versão original ainda lembram bem da história. Logo, ser julgado com um filme absolutamente novo como este é completamente normal.

Em primeiro lugar, para não ser injusto com esta nova versão do filme, não vou compará-lo com a obra de De Palma. Considerando o filme como uma obra em si, vamos nos ater ao que o novo “Carrie...” apresenta para esta geração.

Bem, temos aqui a dupla Chloë Grace Moretz e Juliane Moore, interpretando respectivamente Carrie White e sua mãe. O fanatismo religioso da mãe ao lado da atribulada relação superprotetora de Carrie são o ponto alto e o único ponto positivo do filme.

Considerando que a gravidez de Carrie foi indesejada e que sua mãe comparou o bebê a um câncer, logo a gente percebe que Carrie não teria uma vida normal. E não podendo mais estudar só em casa, Carrie acaba indo estudar em uma escola normal, onde tem que lidar com o comportamento selvagem das turmas de colégio.

E como Carrie aparentemente nunca estudou Ciências, Biologia ou Anatomia do Corpo Humano até o ano de sua formatura, ela não sabia que as mulheres menstruam em uma certa idade. Isso acaba criando uma situação constrangedora para ela ao sofrer bullying no vestiário feminino ao achar que está tendo uma hemorragia interna. E não satisfeitas com a humilhação de Carrie, uma das garotas ainda filma a provocação e coloca no YouTube.

Sim, isso significa que esta história se passa nos dias atuais onde o comportamento dos jovens parece mais cruel, banal e superficial do que antes. Felizmente ainda existe justiça no mundo, mesmo que seja através de professores de Educação Física, fazendo com que a culpada pelo bullying de Carrie seja punida sem ir ao baile de formatura da escola. Mas como a inveja é uma merda e o roteiro caminha para isso, é claro que rolará uma vingança logo mais no filme.

Neste meio tempo, Carrie vai descobrindo melhor seus poderes telecinéticos que se manifestaram após o seu desabrochar como mulher. Uma metáfora tão caída e óbvia que não precisava ter sido feita pela mesma diretora que fez o aclamado “Meninos Não Choram” (1999). Se bem que pela filmografia esparsa dela, vai se saber por qual motivo os produtores optaram por chamar Kimberly Peirce para a direção deste filme.

Enfim, com a ajuda de alguns livros sobre Telecinese e uma pesquisa no Google sobre “Poderes Mágicos”, a personagem de Chloë Moretz rapidamente domina seus dotes e passa a agir como uma jovem Jean Grey. No entanto, por ser insegura, tímida e parecendo uma Nerso da Capitinga com super-poderes, Carrie não nos convence daquilo que está acontecendo.

Enquanto isso, Juliane Moore dá um show de interpretação como a figura dramática e obcecada por uma religião punitiva, que a faz até se arranhar e mutilar por pensamentos que considera pecaminosos e inventar passagens que não existem na Bíblia. Todo esse fundamentalismo religioso acaba castigando Carrie também, que é obrigada a ficar em um quartinho escuro sempre que desobedece ordens.

O que era para ser um filme de terror vira na primeira metade um drama adolescente e na segunda parte um filme de ação com muitas explosões e pouco sentimento. Chega ao ponto que você não se importa mais em saber quem vai morrer ou sobreviver após a catarse de sangue no baile. Tudo é tão fútil que se assemelha a um reality-show da MTV sem um pingo de ousadia ou criatividade.

Resumindo: Resista à curiosidade e não veja esta nova versão de Carrie. Vai acabar (como eu)  se arrependendo ou querendo se cortar todo pra se expiar pelo pecado de ter visto.

Ficha Técnica
  • Título Original: Carrie
  • Ano do lançamento: 1976
  • Origem: EUA
  • Gênero: Fantasia, Drama, Terror, Suspense, Romance
  • Direção: Brian De Palma
  • Roteiro: Lawrence D. Cohen, Mario Tosi, Rosanna Norton, Stephen King
  • Produção: Paul Monash
  • Elenco: Sissy Spacek, Piper Laurie, Amy Irving, William Katt, John Travolta, Nancy Allen, Betty Buckley, P.J. Soles, Priscilla Pointer, Sydney Lassick, Stefan Gierasch, Michael Talbott
Prêmios 
  • Oscar — Indicação: Melhor Atriz, Sissy Spacek e Atriz Coadjuvante, Piper Laurie
  • Globo de Ouro — Indicação: Atriz Coadjuvante, Piper Laurie
A Deus toda glória.

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E nem 1% religioso.

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