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terça-feira, 21 de março de 2017

OS APÓSTOLOS DE CRISTO - JUDAS TADEU

"Disse-lhe Judas, não o Iscariotes: Donde procede, Se­nhor, que estás para manifes­tar-te a nós, e não ao mundo?" (João 14:22) 
A tentativa de se desvendar a obscura origem do apóstolo Judas Tadeu tem levado muitos estudiosos do tema a depararem com uma das mais antigas controvérsias bíblicas jamais levantadas: a questão dos irmãos do Senhor. Na verdade, há poucos registros bíblicos sobre a origem e obra desse apóstolo. Tudo o que se sabe sobre ele é fruto de pesquisas e estudos teológicos, contudo, em linha e sintonia com os registros neotestamentários.

Judas Tadeu, irmão carnal de Jesus? 


Apesar de algumas passagens neotestamentárias desacreditarem clara­mente a presença de um dos irmãos de Jesus entre os doze, essa crença, todavia, não emergiu de discussões teológicas recentes, mas remonta aos primeiros séculos da Igreja.

Em Mateus 13:55 encontramos o nome de Judas entre os que compunham o rol dos irmãos de Jesus segundo a carne, muito embora o conceito hieronímico da tradição romanista, tenha procurado implantar a ideia - lançada no quin­to século por Jerônimo de Belém - de que tais homens eram, na realidade, "primos" do Senhor. Tal conceito, embora muito antigo, fere frontalmente o próprio significado do termo grego adelphos, que no Novo Testamento in­variavelmente se aplica a irmão quando se refere a uma relação de parentesco. 

Ademais, as Escrituras não deixam margem para dúvidas, ao afirmarem que Jesus, embora sendo o Unigênito (grego monogenes) Filho de Deus (João 1:14, 3:16; 1 Jo 4:9,10) era, na verdade, o primogênito (gr. prototokos) de Maria (Lucas 2:7). As afirmações contrárias, via de regra, defendem uma visão distorcida acerca da santidade no casamento ou ainda uma extravagante apologia ao celibato, fruto da forte influência que as tendências ascéticas exerceram na Igreja a partir do século IV.

Existe, por outro lado, um abismo entre se reconhecer, como biblicamente procedente, a irmandade de Jesus com o Judas de Mateus 13:55 e a identificação deste com um dos doze discípulos, como pretendem alguns. Isso porque as Escrituras, como no caso de João 7:5, são por demais incisivas ao relatarem a postura dos irmãos de Jesus quanto ao seu messianismo.
"Pois nem mesmo os seus irmãos criam nele."
Com efeito, a conexão que se tem feito desse mesmo Judas com o autor da breve epístola universal que leva seu nome parece mais provável. Isso porque o irmão do Senhor (ou meio-irmão, como preferem alguns), a exem­plo de Tiago, teria posteriormente se convertido, tornando-se um apóstolo do evangelho. 

Sua história


Se o personagem de Mt 13.55 não era um dos doze, quem era Judas Tadeu? A tentativa de rastrear as origens desse apóstolo captou a atenção de alguns dos chamados Pais Apostó­licos. Jerônimo, um dos mais destacados pen­sadores cristãos do século V, chama-o de Trionius, isto é, "o que possui três nomes". De fato, o apóstolo é apresentado, dependendo da tradução, com dois outros nomes: Tadeu e Lebeu (Mt 10:3; Marcos 3:18; Lucas 6:16; Jo 14:22; Atos 1:13).

Alguns têm sugerido que o nome Tadeu seja o diminutivo de Teudas, derivado do aramaico tad, que significa "peito" ou "co­ração". Isso poderia dar ao nome uma conotação de alguém "querido" ou "amado". Essa suposição é confirmada pela origem do nome Lebeu que, por sua vez, deriva do subs­tantivo hebraico leb, ou seja, "coração".

Seu apostolado


As narrativas que ligam o apóstolo Judas Tadeu à evangelização da Armênia são, sem dúvida, mais consistentes que as tradições sobre seu apostolado em outras terras. Embora a Armênia possa ter concentrado os frutos mais significativos de sua evangelização, é certo que Tadeu não limi­tou seus esforços missionários àquela nação oriental. Isto porque, a própria jornada até lá, por si mesma, já incluiria necessariamente a passagem por diversas regiões, todas igualmente carentes da mensagem salvífica da qual Judas era portador.

O antigo escrito O Ensino dos Apóstolos (Didascalia Apostolorum) apresenta algumas regiões onde se crê que Tadeu tenha exercido alguma influência pastoral.

A Síria e a antiga Pérsia também estão entre as possíveis rotas missionárias do apóstolo. As lendas sobre a presença de Tadeu na Pérsia - atual Irã - é reforçada por sua proximidade territorial com a Armênia que, como vimos, concentra os mais significativos relatos de suas missões pós-bíblicas. Ademais, a própria Armênia fora, por muito tempo, parte do antigo império persa até a derrota deste, no séc. IVa.C, pelas forças macedônias de Alexandre Magno.

A tradição cristã persa apresenta-o como um laborioso missionário a cujo trabalho associou-se posteriormente o apóstolo Simão Zelote que, segundo alguns autores, esteve pregando na conturbada Britânia antes de dirigir-se ao oriente. Diz-se que ambos sofreram o martírio juntos naquelas terras, em fiel testemunho ao evangelho que pregaram.

A morte de Judas Tadeu


A arte sacra medieval, ao focalizar o momento de seu martírio, deixou para a posteridade o retrato de um Tadeu relativamente jovem. Isso, de certa manei­ra, reforça a suspeita de sua precocidade como discípulo de Cristo. Por outro lado, as antigas lendas sobre seu suplício estão distantes de qualquer homogeneidade. 

Nelas, o apóstolo foi ora vitimado por um ataque de javalis, ora perfurado por lança ou até mesmo crucificado, como ocorre com a maior parte dos relatos da morte dos apóstolos. É importante que se diga, porém, que a morte por crucificação era típica dos romanos, que a empregavam abun­dantemente nos limites de seu império. A Armênia - embora tributária de Roma a partir de 66 a.C. - não fazia parte dele, portanto tal descrição soa incoerente se o suplício do apóstolo verdadeiramente se deu naquelas terras.

Enquanto para algumas narrativas os feitos mais expressivos de Tadeu na Armênia estão associados ao rei Abgar, sua posterior execução está ligada ao filho e sucessor deste, Severus.

A cidade de Ardaze, no sudeste da Armênia, é uma das candidatas ao real lugar de descanso de Tadeu. A preservação, pelos ortodoxos armênios, da tumba ali existente simboliza seu esforço em manter vivos os resquícios da origem apostólica de sua Igreja.

Contrapondo-se ao clamor dos ortodoxos, a Igreja romana sustenta que as verdadeiras relíquias do apóstolo encontram-se na Basílica de São Pedro e São Paulo, no Vaticano, misturadas às do condiscípulo Simão Zelote, ao lado de quem - sustentam os persas - o apóstolo evangelizou o oriente.

E verdade que o contexto bíblico não nos permite uma conclusão muito consistente sobre a biografia de Judas Tadeu. Entretanto, a história primiti­va do cristianismo preencheu algumas lacunas sobre seu perfil ministerial, ao retratá-lo como alguém inteiramente comprometido com as missões transculturais. A possibilidade de seu martírio em terras estrangeiras, refle­te a dimensão de seu engajamento e de sua fidelidade ao comissionamento de seu Mestre.

Segundo o Evangelho de João, na noite da traição, Judas Tadeu foi o último dos discípulos a dirigir ao Mestre questões acerca do porvir. Em res­posta à dúvida do discípulo, Jesus imprimiu em seu coração algo que nortearia seu futuro trabalho missionário (Jo 14:23):
"Se alguém me ama, guardará minha palavra; e meu Pai o amará, e vire­mos para ele e faremos nele morada."
Para Judas e seus companheiros, esse status de morada divina se manifes­tou de forma sensível no Pentecostes. Então, cheio do Espírito Santo e ar­dendo em amor pelas almas perdidas, o apóstolo lançou-se resoluto às missões estrangeiras, desprezando os perigos e as hostilidades típicas das lugares estranhos por onde peregrinou.

Semelhante projeto de vida custar-lhe-ia, contu­do, não apenas a renúncia de boa parte de suas realizações seculares, mas por fim seu próprio sangue, derramado num martírio que selaria sua fidelidade Àquele que o arregimentou para a nobre peleja (2 Timóteo 2:3-4).

Conclusão


E verdade que as lendas sobre sua vida e suas missões - mesmo aquelas ligadas à Armênia e à Pérsia - são pouco numerosas. Entretanto, são suficientes para retratá-lo como um dos apóstolos pioneiros a deixar a Judéia em direção às nações pagas. Tadeu pode também ter sido um dos primeiros missionários a testemunhar vitoriosamente a um soberano gentio.

O silêncio das Escrituras e a pouca atenção da história eclesiástica sobre o apóstolo levaram John D. Jones a registrar uma interessante apologia ao qua­se desconhecido ministério de Judas Tadeu (op. cit., p.120).
"É exatamente isso que constitui a verdadeira grandeza de Judas: dar o melhor de si, mesmo que despercebido dos homens. Judas foi fiel, mes­mo nos lugares mais humildes. É relativamente fácil dar o melhor de si quando se é uma figura conspícua. O simples fato de as pessoas nos observarem os esforços e comentarem sobre nosso trabalho é, em si mesmo, um incentivo e um encorajamento. Desalentador é, no entanto, dar o melhor de si quando ninguém faz de nós objeto de sua observação, atenção ou louvor. Esse procedimento é da fidelidade o maior triunfo e a maior proeza. (...) 
Ó, que Deus nos dê do espírito de Judas Tadeu. Não alcançaremos gran­de fama, tampouco nossos nomes figurarão na história. A despeito de tudo isso, teremos feito nosso melhor. Sim, quer os homens nos louvem ou nos ignorem, pecamos a graça de humildemente empreendermos o melhor de nós mesmos, para que sobre nossos ouvidos recaiam o doce reconhecimento: 'Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre muito te colocarei: entra no gozo do teu senhor'."
[Fonte: Doze homens e uma missão, Aramis C. DeBarros. - Curitiba: Editora Luz e Vida, 1999]

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