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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

ABORTO: UMA QUESTÃO RELIGIOSA OU SOCIAL?

Médico segura o que seria a simulação de um bebê de 3 meses de gestação
Vivemos numa era bipolar em que opinar de forma mais firme sobre qualquer assunto, por mais relevante que isso seja, resulta quase sempre numa "guerra sangrenta de ideias" onde ninguém sai vencedor. Nas redes sociais, por exemplo, o "achismo" tem sido a grande arma de batalha para tornar o ambiente estressante e improdutivo.

É claro que todos temos o direito de opinar, pensar, concordar ou discordar de qualquer ideia, em qualquer área do conhecimento, mas é imprescindível que façamos isso com fundamentos honestos e coerentes, sejam eles filosóficos, religiosos, políticos ou de qualquer outra natureza. Por outro lado, ter uma opinião sólida – o que é raro nos dias atuais  não significa odiar a opinião do outro nem nos priva, se for o caso, de revermos nossas opiniões, ampliá-las ou até mesmo descarta-las.

Minha intenção aqui é oferecer uma perspectiva cristã sobre o aborto, sabendo de todas as implicações que emitir uma opinião traz, continuo crendo que é algo de suma importância. Não significa que é a única visão possível, a melhor ou mais completa, mas é uma forma que estou julgando como coerente no trato da complexa questão.

O que diz a Lei


De acordo com o atual código penal brasileiro, é criminalizado o aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento:
  • "Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos." 
E não se pune o aborto praticado por médico nas seguintes condições: 
  • "Art. 128 – I. se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II. se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (III. em caso de anencefalia, STF 2012)."
Além disso, afirma o Código Civil Brasileiro: 
  • "Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". 
Em outras palavras, na lei vigente, os direitos humanos iniciam desde a concepção.

Uma decisão inédita


No entanto, no dia 29 de Novembro de 2016, ocorreu algo inédito. Cinco dos onze ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram pela soltura de cinco médicos e funcionários de uma clínica clandestina, presos em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense (RJ), entendendo não ser crime a interrupção voluntária da gravidez até o terceiro mês.

Embora o aborto não esteja ainda descriminalizado, porque a decisão não foi tomada pelo plenário do STF como um todo – o que teria dado força de lei à medida –, a decisão dos juízes levanta a questão se os três meses de gestação do feto podem ser mais uma cláusula de exceção à prática do abordo, além das três que já foram mencionadas (morte da mãe, estupro e anencefalia). Esta tem sido uma tendência global já que Estados Unidos, Canadá, a esmagadora maioria dos países europeus e boa parte da Ásia também aceitaram as doze semanas como fato determinante para um aborto legal.

Qual caminho seguir? Isso irá variar de acordo com as convicções filosóficas, políticas e religiosas de cada um. Apresentarei alguns argumentos pró-aborto e depois alguns anti-aborto para termos uma noção mais geral de como a questão tem sido tratada e, finalmente, minha opinião pessoal sobre o assunto.

Argumentos Pro-Aborto


Geralmente os partidários da descriminalização do aborto utilizam seis argumentos principais na defesa de sua opinião: 1. Saúde pública; 2. Direitos da mulher; 3. Riscos da clandestinidade; 4. As doze semanas; 5. Estatísticas; 6. Estado laico. Vamos ver o que cada uma significa.

➽ Primeiro, os defensores da descriminalização argumentam que tal medida é uma questão de saúde pública urgente, tendo em vista que é responsabilidade do Estado promover alternativas para evitar mortes de mulheres que tentam abortar por intermédio de vias perigosas clandestinas e caseiras. Nesta perspectiva, proibir o abortamento não resolveria o problema, pois a tendência, segundo as estatísticas, é que as mulheres continuarão abortando cada vez mais.

➽ Segundo, existe a ideia de que a decisão sobre os direitos reprodutivos da mulher ou qualquer coisa que gere implicações ao seu corpo é de inteira e exclusiva responsabilidade da própria mulher. Frases do tipo: "meu corpo, minhas regras", "eu decido o que faço com meu útero", são exemplos desta forma de pensar.

➽ Terceiro, é feita uma defesa de que no Brasil mais de 1 milhão (ou 1 milhão e meio) de mulheres teriam passado por uma clínica abortiva clandestina por ano e, portanto, seria um dos principais causadores de morte materna no Brasil, ocupando o quinto lugar. Além disso, por serem métodos inseguros, os abortos arriscam a vida das mulheres, notadamente as negras e as mais pobres. Existem também outros estudos dizendo que uma a cada cinco mulheres com mais de 40 anos já fizeram, pelo menos, um aborto na vida. Logo, alguns estimam que 7,4 milhões de brasileiras já fizeram pelo menos um aborto na vida.

➽ Quarto, há uma perspectiva científica que diferencia a "vida" de uma "vida humana", isto é, que até doze semanas o feto ainda não possuiria o sistema nervoso, por isso ainda não seria uma "pessoa" capaz de estabelecer relações humanas.

➽ Quinto, com base em várias estatísticas, defende-se que nos países onde a descriminalização do aborto foi adotada, diminuíram o número de abortos e radicalmente o número de mortes de mulheres.

➽ Sexto, por vivermos sob o regime de um Estado laico, as verdades religiosas não deveriam servir de fundamento para criminalizar ou descriminalizar qualquer lei, uma vez que tais decisões vigorariam sobre todos, aqueles com religião e os sem religião. A maioria das pessoas que assumem tal argumento como defesa da descriminalização do aborto pressupõe que a opinião anti-aborto é eminentemente religiosa, não sendo, portanto, válida para o debate jurídico-político-social.

Argumentos Anti-Aborto ou "Pró-Vida"


Quais são os argumentos utilizados por aqueles que defendem a permanência da criminalização do aborto? À semelhança do que foi visto acima, podemos falar em seis fatores principais entre os anti-abortistas: 1. Saúde materna; 2. Conceito de vida desde a concepção; 3. Biologia e Religião; 4. Os direitos do nascituro; 5. Perspectivas globais; 6. Manipulação de dados estatísticos. Vejamos o que cada um deles significa.

➽ Primeiro, os anti-abortistas (também conhecidos como "pró-vida") defendem que o aborto não é uma questão de saúde pública porque a descriminalização do aborto teria efeito nulo na questão da mortalidade materna, ou seja, nem aumenta nem diminui as mortes. O argumento é fundamentado nos números do Data SUS, departamento de informática do ministério da saúde. De acordo com a interpretação que alguns fazem dos números:

  • A) São feitos aproximadamente 100 mil abortos por ano, bem diferente dos dados exagerados publicados pelos defensores da descriminalização (1 milhão);
  • B) No ano de 2011 ocorreram 206.270 mil internações hospitalares devidas a aborto (espontâneo e provocado);
  • C) Das 1610 mil mortes maternas catalogadas, apenas 68 mulheres morreram devido a aborto provocado.
Tais dados levam alguns à conclusão de que no Brasil morrem mais mulheres por falta de acesso ao sistema de saúde no momento oportuno, pré-natal, parto, entre outros (96%) que por abortos provocados (4%). Portanto, a melhor opção para o Estado brasileiro seria seguir na direção educacional, para optarem pelo sexo seguro e planejamento familiar, e um acesso mais fácil ao SUS.

➽ Segundo, é defendido o conceito biológico de que a vida origina-se na concepção, não após 12 semanas. Distinguir entre a vida e não vida com base na neurologia do feto e suas relações humanas seria um esforço intelectual artificial não condizente com o fato de que a vida está em desenvolvimento e não deve ser interrompida.

➽ Terceiro, os defensores da lei anti-aborto dizem que sua posição não está relacionada com aspectos religiosos do cristianismo, judaísmo, islamismo ou qualquer outra religião, mas com a biologia pura e simples da vida humana. Neste aspecto, o fato do Estado ser laico não serviria de base para descriminalizar o aborto, pois é amparado pelo conhecimento científico.

➽ Quarto, é defendido os direitos do nascituro de acordo com o Código Civil Brasileiro (já mencionado) desde a sua concepção. Nesta perspectiva, não apenas a mulher teria direito sobre o seu corpo, mas também o ser humano que está dentro dela.

➽ Quinto, as pesquisas globais mostram que onde o aborto foi legalizado a procura cresceu vertiginosamente, especialmente nos Estados Unidos, Suécia, Espanha e Inglaterra. Há o destaque nas pesquisas para o fato de que o grupo que apresentou o aumento mais rápido durante os anos foram os adolescentes. Nesta análise, a descriminalização aceleraria o processo da juventude enxergar no aborto um método contraceptivo banalizado ou uma espécie de "pílula do dia seguinte".

➽ Sexto, defende-se que as estatísticas apresentadas pelos favoráveis ao aborto passariam por alguma forma de manipulação proposital de dados. As hipóteses abaixo são categoricamente rejeitadas: 1. A legalização do aborto faz com que o número de abortos diminua; 2. Países que legalizaram tem um menor número de abortos em comparação àqueles que o proíbem; 3. O número de abortos está aumentando no Brasil; 4. Quando o aborto é legalizado a mortalidade materna diminui.

Isabela Mantovani, especialista em saúde pública e anti-abortista, apresentou um trabalho de refutação à todas as estatísticas pró-aborto no Senado Federal. A sua tese principal é a de que o aborto, antes de ser uma questão de saúde pública, é uma questão política de interesses internacionais e controle populacional. Por este motivo, empresas e fundações pró-aborto estariam por trás do patrocínio de pesquisas com estatísticas exageradas com a finalidade de gerar alarmismo na sociedade (Instituto Alan Guttmacher e IPAS, por exemplo).

Uma Opinião Cristã


Fazendo uma análise dos argumentos pró-aborto e anti-aborto, sob uma perspectiva teológica e filosófica cristã, acredito ser necessário pontuar algumas coisas. Primeiro, acredito que nenhum ser humano é a favor do aborto pelo que ele é em si mesmo – e isso vale também para aqueles que se posicionam pró-aborto. Sabemos, em sã consciência, que o aborto é algo horrível e mexe com o corpo da mulher de uma forma invasiva, destrutiva e inalterável. 

Contudo, conheço pessoas, inclusive irmãs na fé, que abortaram não porque sentiram prazer nisso ou acharam o ato moralmente correto. Definitivamente não. Na realidade elas simplesmente não viram outra alternativa no momento. Por isso, e antes de qualquer coisa, precisamos tratar do assunto não apenas com ideias e teorias, mas também com misericórdia e humanidade.

Consideremos, pois em segundo lugar, que teologicamente a vida começa muito antes da fecundação e concepção (espermatozoide + óvulo). Não negamos este fato, mas cremos que antes mesmo de Deus criar a primeira gota dos oceanos ou a primeira partícula de poeira da terra, ele já tinha nos planejado, pensava em nós e nos amava mesmo antes de nascermos. Portanto, nossa vida não começa apenas na concepção natural, mas numa "concepção divinal", já que Deus nos idealizou muito antes de nós mesmos termos noção disso (Salmo 139:14-16).

Na narrativa bíblica a criança no ventre da mãe já tem uma personalidade. O profeta Jeremias foi escolhido por Deus para sua função antes de sair do ventre de sua mãe (Jeremias 1:5). Também João Batista foi um homem cheio do Espírito Santo desde o ventre de sua mãe (Lucas 1:15). E o próprio Jesus, nosso Salvador, foi designado para nascer milhares de anos antes do seu próprio nascimento (Gênesis 3:15).

Portanto, afirmamos que o aborto provocado (sem risco à mãe, não sendo em caso de estupro ou anencefalia) é uma forma ilegítima de lidar com a vida humana. Qualquer ação que tenha por objetivo por fim à vida de seres humanos sem razões justas é um crime duplo. De um lado, porque é uma forma de usurpar o posto insubstituível do Autor da vida, por outro, viola o ser humano, portador da imagem de Deus, de poder desfrutar a vida.

Desta forma, a ideia de que uma vida de três meses ainda "não é vida humana" nada mais é que uma cultura de morte travestida de ciência; é, na verdade, uma pseudociência. Não adianta arrazoar: "a vida ainda não se transformou em vida humana" para minimizar a culpa da sociedade. Podemos fugir da culpa de um tribunal, mas jamais conseguiremos afugentar o tribunal da própria consciência.

Em terceiro lugar, parece-me que os dados levantados pró-aborto são realmente exagerados e questionáveis. De fato, os grandes financiadores das pesquisas sobre o aborto (IPPF e IPAS) são, na realidade, os seus maiores propagadores. Na década de 1970, nos Estados Unidos, esta estratégia de elevar os números de abortos foi arbitrariamente uma forma alarmista de sensibilizar a opinião pública em prol da descriminalização – e deu certo. De lá pra cá, o aborto cresceu naquele país mais de 325%. Isso deve nos servir de lição para não recebermos quaisquer dados sem antes verificarmos as fontes e a metodologia de pesquisa.

Por outro lado, isso não elimina o fato de que mulheres, ainda que sejam apenas 68 por ano, continuam morrendo por causa de metodologias inseguras de abortamento. Qual seria a melhor opção para o bem estar social das mulheres em idade fértil de nosso país?

Em quarto lugar, na minha opinião a melhor alternativa não seria descriminalizar o aborto, pois a probabilidade que ele se torne mais um instrumento de contracepção banalizado é evidente. Some-se a isso o fato que o número de abortos concentra-se majoritariamente entre adolescentes e jovens. Descriminalizar o aborto fará com que isso diminua? Seria como imaginar alguém que deseja fazer algo proibido desistir do seu desejo ao saber que aquilo não é mais proibido. Abrir as portas é um convite de entrada, não de saída.

Ao invés de atacar os sintomas, o Estado poderia ser mais ativo na autuação de clínicas abortivas clandestinas, promover campanhas sobre educação sexual, valorização do corpo, aconselhamento e planejamento familiar, dar acesso rápido e qualitativo no período do pré-natal e no parto, especialmente para as famílias mais pobres. Poucos irão discordar que a esmagadora maioria de mortes maternas no Brasil não ocorrem por causa de aborto, mas por falta de eficiência do sistema público de saúde.

Quinto, argumentar que "é necessário descriminalizar o aborto porque as mulheres vão continuar abortando" é uma lógica falaciosa. Guardadas as devidas proporções, seria a mesma coisa que dizer: "Devemos liberar os homicídios porque não adianta proibi-los, eles continuarão acontecendo". O que é moralmente errado deve continuar sendo um erro independente da sua adesão incontrolável.

Conclusão


Finalmente, por uma questão de misericórdia para com as mulheres vítimas de estupro e em caso de risco à vida da mãe, creio ser mais justo a permanência da lei do jeito que está, com as exceções já estabelecidas. Escolher abortar em caso de estupro certamente não seria o que eu aconselharia aos membros da minha igreja, pois cremos no poder de Deus e na sua graça restauradora, mas obviamente nenhuma mulher violada sexualmente é obrigada a ser cristã ou seguir os princípios bíblicos.

Não há dúvidas que escolas, ONG’s e igrejas podem ser um instrumento relevante na vida de muitos de nossos adolescentes e jovens na direção de instrui-los a viver uma vida sexual mais saudável, segura e menos descartável. No meu caso, como pastor protestante, vejo como a falta de valores sólidos em relação ao sexo e a família compromete radicalmente as escolhas e sonhos dos jovens. Se os seres humanos valorizassem o sexo, a família e os relacionamentos da forma como Deus idealizou na sua Palavra, nem precisaríamos discutir sobre aborto, mas, infelizmente, quando não sabemos para onde ir, quaisquer caminhos servem, especialmente os mais destrutivos.

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