Total de visualizações de página

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

PRONTO, FALEI! — A POLÊMICA SOBRE A ADULTIZAÇÃO INFANTIL

O youtuber Felipe Bressamin Pereira, o Felca, viralizou ao publicar um vídeo em que critica a “adultização” de crianças e adolescentes nas redes sociais.

O vídeo, que não foi monetizado (ou seja, não gerou ganho financeiro), já teve mais de 30 milhões de visualizações até agora.

O impacto foi tão significativo que Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, anunciou que vai colocar na pauta do Congresso projetos para regulamentar a exposição precoce de crianças na internet, com foco na proteção dos direitos da infância.

A discussão envolve a atuação de influenciadores mirins, a fiscalização de conteúdos para o público infantojuvenil e a responsabilização de responsáveis legais e patrocinadores.

Apesar de não ser novidade, o vídeo de Felca trouxe novamente visibilidade ao tema que é relevante, preocupante e que merece não só ser discutido, como resolvido. 

Vamos abordá-lo neste capítulo da série especial de artigos Pronto, Falei!

Adultização infantil: todo mundo vê, mas finge que não vê


Como o próprio nome indica, "adultizar é o ato de dar ou tomar caráter de adulto".

Uma criança é submetida à adultização em muitos contextos e de muitas formas distintas, tanto de forma planejada e intencional quanto de forma não proposital.

A adultização infantil atravessa as etapas de desenvolvimento da criança e antecipa seus aprendizados, o que pode ser bastante nocivo. 

Podemos entender que toda erotização infantil adultiza, mas nem toda adultização erotiza. 

Por exemplo, uma criança que aparece em uma propaganda de roupas vestindo sapatos de salto alto e batom está submetida à adultização, mas não é necessariamente erotizada. 

De modo que uma mesma propaganda que exiba partes do corpo, aí sim, expõe a criança à erotização, contribuindo para a ação de abusadores.

Outros comportamentos , incluindo aqueles que socialmente são considerados normais e inofensivos, também contribuem para a adultização da criança. 

Por exemplo, incentivar o namoro entre crianças, mesmo que de brincadeira, coloca a criança em um papel próprio do adulto, impróprio para o seu livre desenvolvimento.

Fenômeno em crescimento nada precoce


Cresce cada vez mais o número de crianças que estão deixando de serem tratadas ou vistas como realmente são, para assumirem uma identidade de miniadultos com agendas lotadas, centenas de seguidores ou, ao contrário disso, acompanhando e tentando imitar os adultos nas redes sociais, nas telas da TV ou em casa, seja na maneira de vestir, maquiar, falar, se comportar e opinar sobre assuntos ligados à família e à sociedade. 
Mas como se relacionar com essa pluralidade social, seus impactos e os reflexos que ajudam a desencadear vários processos de adultização infantil na vida dessa garotada?
A Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade e especialista em Neurociência Cristiane Guedes explica que a adultização infantil consiste em experiências inadequadas para o desenvolvimento da criança, que estão diretamente relacionadas com o processo de aceleração da infância e da pré-adolescência. 
"São estímulos a comportamentos que destoam da sua idade cronológica e emocional, promovendo a aceleração das fases do desenvolvimento infantil, sem que se tenha a vivência, por falta de estimulações adequadas para a idade. 
O que leva as crianças a entrarem na realidade dos mais velhos sem reservas emocionais ou sem o desenvolvimento físico e psicológico adequados para viver essas experiências que não são reais, pois são do mundo do adulto"
afirma a especialista.

A especialista aponta ainda que a adultização infantil está diretamente relacionada à vida proposta à criança que não auxilia o seu desenvolvimento natural. 

Os pequenos passam a imitar atividades propostas pelos adultos sem terem recursos emocionais, criatividade ou mesmo planejamento de futuro. 
"São sensualizadas em demasia, o que as confunde diante das experimentações emocionais pertinentes ao seu desenvolvimento. 
São crianças que experienciam o apogeu de uma 'carreira' promissora que só tem a duração de alguns cliques, por um curto tempo e servem de espelho para a relação que o adulto tem com a sociedade. 
Estão relacionados ainda questões como vestimentas, local adequado à idade, entre outros pontos que servem de alimento emocional para o adulto", 
pontua Cristiane Guedes.

Monetização criminosa


Ao assistir programas de TV infantis, não é raro encontrar crianças sendo representadas por atores muito mais velhos que elas, cujos personagens agem como adultos. 

Esse é um dos muitos efeitos da adultização precoce, um fenômeno que hoje é encontrado não apenas nos meios de massa, como a televisão e o cinema, mas também — eu diria, principalmente — nas redes sociais.

É um processo que afeta em especial as meninas, que também estão expostas à erotização. 

Acontece até na hora da brincadeira, com a oferta de bonecas excessivamente magras e loiras, condizentes a padrões de beleza inalcançáveis que desde muito cedo são lançados a elas.

A adultização precoce também aparece na sexualização de personagens de programas e filmes infantis. 

É aí que elementos do universo adulto, como sapatos de salto alto, maquiagem e esmaltes de unha, são introduzidos à vida das garotas. 

Isso tem efeitos psicológicos: segundo a Pretty Foundation — organização australiana sem fins lucrativos —, 38% das meninas de até 4 anos de idade estão insatisfeitas com o seu corpo. 

Entre as meninas de 9 a 10 anos, mais da metade gostaria de perder peso e 36,58% fazem dietas para emagrecer.

Esses dados demonstram que, quando se deparam com esses anúncios, as crianças passam a acreditar que só serão aceitas no seu grupo de amigos se reproduzirem esse tipo de comportamento. 

As meninas em geral acabam se preocupando cada vez mais cedo com seu corpo e com sua aparência, mas o impacto pode ser ainda mais devastador nas meninas negras, já que essas mensagens comerciais perpetuam padrões de beleza eurocêntricos.

Limites entre o brincar e a realidade


Isso não quer dizer que as crianças não possam ter curiosidade a respeito do mundo adulto e queiram satisfazer esse interesse pelo que observam, por meio da interpretação lúdica desses papeis. 

Mas é fundamental que tenham clareza dos limites que existem entre o brincar e a realidade, o que pode ser compartilhado e o que invade os limites do outro. 
"Esse norte será dado sempre pelos adultos, por isso sua participação decisiva nessa condução. 
Ilustremos com uma situação relativamente comum nos dias de hoje: se um menino ou uma menina, ainda pequenos, são apresentados a uma cena de sexo explícito, seja ela televisionada ou assistida ao vivo, muito provavelmente eles, além de não entenderem completamente do que se trata, serão invadidos por uma gama de sentimentos e fantasias a respeito do ato, que pode gerar desde uma excitação exacerbada que provoca ansiedade, até sentir medo por acharem que se trata de algo violento, que machuca, gera dor. 
Em ambas as situações  — ou em quaisquer outras possíveis impressões que os pequenos possam vir a ter em relação ao que viram  — o impacto dessa apresentação tão adiantada em suas vidas acaba por trazer interpretações equivocadas, deixando marcas importantes nesse processo",
aponta a especialista.

Entre a autonomia e a proteção


Antes de mergulhar no assunto, cabe refletir sobre um ponto anterior: o ímpeto de proteção à criança. Seja qual for a posição social, política, econômica ou religiosa do indivíduo, é possível supor que todos têm em comum o desejo de oferecer segurança à criança. 

Exceto em casos de desequilíbrio mental, psíquico ou de alguma outra ordem. Assim, adultos bem ajustados concordam que a criança é prioridade absoluta, e deve ser tratada como tal.

Em nome desse zelo, muitas atitudes são tomadas, a depender, aí sim, dos ideais morais, éticos, sociais, econômicos, religiosos, entre outros. Alguns apostam em uma educação libertária e pautada pela autonomia, outros defendem um tipo de educação mais rígida.

Seja qual for o modelo que funciona em cada família, cabe avaliar que essas decisões são sempre tomadas pelos adultos que cercam a criança. Afinal, enquanto ser em desenvolvimento, os pequenos têm pouco ou nenhum poder de escolha. 

Portanto, é preciso considerar os impactos disso em seu desenvolvimento, já que as crianças estão o tempo todo sujeitas ao que os outros decidem por ela.

O psicanalista Christian Dunker avalia o excesso de proteção à criança como nociva em muitos aspectos. Principalmente, porque o mundo lá fora  — ou seja, externo ao ambiente familiar — é cheio de perigos, antagonismos, obstáculos e diferenças. Coisas que a criança terá que assimilar e com as quais terá que aprender a lidar.

O psicanalista aponta que estamos vivendo um tempo difícil em relação à educação dos filho. 

A criança frequentemente ocupa um lugar de fragilidade no imaginário dos adultos em que qualquer inimigo iminente é visto como ameaça à sua proteção, independentemente da posição política ou social que se defenda. 

Ou seja, há uma disputa de narrativas em jogo, em que ambos os lados brigam para ver quem consegue ‘proteger mais’ a criança.

Segundo Dunker, em relação à experiência não só escolar, mas também de vida, esse pensamento limita a visão de mundo da criança. Criando o que ele chama de "projeto de condomínio" — cultural, político e social.
"Como a gente lida com o diferente, essa gente que ‘contamina’ a conversa? Elimina, tira fora do mundo, nega, invisibiliza, constrói muros. Tudo isso é o que? 
O modo como estamos lidando com o medo. A verdadeira educação narcísica é aquela que ensina para a criança que sua atitude de vida tem que ser a do tirano",
 conclui.

O que é erotização infantil?


Dito isto, vamos aos conceitos. Segundo a própria definição de dicionário, “erotização” é a “ação ou resultado de erotizar-se”,que por sua vez é “provocar sensações eróticas em alguém ou em si mesmo; sentir excitação”.

Portanto, a erotização infantil é praticar essa ação em relação a crianças. Vale ressaltar que a erotização infantil pode se dar de forma direta ou indireta, ou seja, com ou sem a participação imediata da criança. 

Deste modo, podem ser englobados como processos de erotização tanto um a peça publicitária que exponha o corpo da criança de forma sexualizada quanto um abuso sexual consumado. 

Neste caso, é preciso considerar também a diferença entre violência direto e indireta. Confira nossa reportagem sobre abuso sexual para saber mais sobre este tópico.

Relação com a violência sexual infantil


Assim, a conclusão é que erotização infantil é nociva para a criança, à medida em que atravessa seu processo natural de desenvolvimento.

Dessa forma, expõe a experiências com as quais ainda não está preparada para lidar ou mesmo se defender. De acordo com a Childhood Brasil — organização não governamental (ONG) brasileira que faz parte da World Childhood Foundation, uma instituição internacional criada pela Rainha Silvia da Suécia —, a erotização infantil é considerada como uma das principais causas da violência sexual contra crianças.

Dados sobre a violência sexual na infância


Um relatório da Childhood sobre violência sexual na infância publicado em setembro de 2024 revela que, entre 2020 e 2023, foram registrados mais de 157 mil casos de violência sexual (que engloba tanto a exploração quanto o abuso) de crianças e adolescentes. 

Isso significa que, a cada uma hora, há pelo menos 4 casos de uma criança ou adolescente sexualmente violentada no Brasil. A maior parte dos abusos é praticado por pessoas do convívio da criança.

Sexualidade x sexualização


O próximo tópico da conversa sobre erotização infantil é entender a fundamental diferença entre sexualidade e sexualização.

Essa que muitas vezes é são colocados como sinônimos e impossibilitam um diálogo honesto sobre o assunto.
Sexualidade

A sexualidade é inata ao ser humano e deve ser estimulada de maneira saudável. De modo que a criança tenha familiaridade com seu próprio corpo e possa se apoderar dele.

Até mesmo para saber identificar onde dói para ajudar os pais e cuidadores a tomar conta de sua saúde.

A criança que conhece o seu corpo pode também se instrumentalizar para estabelecer os limites entre carinho e abuso sexual.

Cabe reforçar aqui que o desenvolvimento da sexualidade deve respeitar os limites do tempo da criança, ou seja, o seu desenvolvimento natural.

Sexualização


Já a sexualização, como o próprio nome indica, é uma ação que ocorre de fora para dentro, ou seja, não é um processo natural da criança. Assim, a sexualização precoce é uma manobra externa, que adultiza a criança. 

Muitas vezes é encabeçada por atores sociais como publicidade infantil, sociedade de consumo ou mesmo por adultos do seu convívio que indiretamente expõem a criança a repetir padrões de comportamento inadequados para sua faixa etária.

Portanto, discutir sexualidade não é sinônimo de erotizar a criança, ao contrário do que se pode supor, pois trata-se de refletir sobre um processo natural da criança — claro, respeitando os limites de faixa etária adequados a cada discussão, que cabe à família avaliar e decidir, a partir do conhecimento sobre as demandas e necessidades da sua criança. 

Da mesma forma, conversar sobre sexualização e quais são os seus perigos reais também é essencial para garantir a saúde e a integridade da criança.

Conclusão


A adultização infantil é um tema de grande relevância social e, portanto, potencial para ser abordado

A adultização, que frequentemente atua como um gatilho para a erotização infantil, configura-se como um problema social significativo, envolvendo a família e a educação em diversas camadas, especialmente a emocional.

A influência dos apelos midiáticos amplifica essa problemática, especialmente em um contexto em que influenciadores mirins, que se comportam como adultos bem-sucedidos, dominam as redes sociais. 

Esses jovens influenciadores impulsionam mercados como o de roupas, turismo e academias, além de popularizarem tutoriais de maquiagem e até mesmo a tendência dos cozinheiros mirins. 

É notável como essas crianças, muitas vezes incentivadas pelos próprios pais, trocam brincadeiras tradicionais por atividades voltadas para as câmeras.

As provocações e o impacto causados pelo vídeo do influenciador Felca, são, portanto, apenas o início de uma discussão profunda e necessária que sugerem urgentes intervenções possíveis para resolver essa problemática.


Ao Deus Todo-Poderoso e Perfeito Criador, toda glória.
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blogue https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização frequentes dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade.
  • O blogue CONEXÃO GERAL presa pelo respeito à lei de direitos autorais (L9610. Lei nº 9.610, de 19/02/1998), creditando ao final de cada texto postado, todas as fontes citadas e/ou os originais usados como referências, assim como seus respectivos autores.
E nem 1% religioso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário