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sexta-feira, 15 de agosto de 2025

DIRETO AO PONTO — PREGADORES MIRINS: A ADULTIZAÇÃO INFANTIL GOSPEL


Não, não iremos falar aqui sobre erotização, sexualização ou qualquer coisa que os valham.

Não iremos abordar a exploração de crianças para fins sexuais ou pornográficos. Nada disso, muito antes pelo contrário.


Com o fervor do debate sobre a adultização infantil, o que iremos focar no texto deste artigo, mais um capítulo da nossa série especial Direto ao Ponto, é o fenômeno que também é perceptível só que sobre outro prisma no segmento cristão, especificamente na vertente evangélica.

O Caldeirão está fervendo...


 
Há algumas semanas, as redes sociais entraram em ebulição com o caso do influenciador Felipe Bressamim Pereira, o Felca e a polêmica envolvendo crianças expostas a conteúdo adulto.

No plenário virtual da internet, como era de se esperar, foi feita muita gritaria, muito dedo apontado, muito "isso é um absurdo" nas timelines.

Foi tanta indignação, que até parecia ser a denúncia do youtuber Felca a invenção da roda. Só que não.

Arrisco-me a afirmar, sem medo de ser leviano, que muitos dos indignados são seguidores de influenciadores que exploram esse tipo de conteúdo.

Mas, como sempre, o barulho vai diminuindo, o algoritmo entrega outra polêmica e seguimos a vida… até o próximo choque de indignação.

Só que esse caso é mais do que uma discussão sobre um influenciador. É um espelho — daqueles que a gente evita olhar — do que estamos fazendo com a infância. E a resposta não é bonita.

O fenômeno dos pregadores mirins


O fenômeno das crianças pregadoras pode facilmente ser analisado com base em vídeos adquiridos em igrejas e eventos evangélicos, reportagens da imprensa escrita e falada e vídeos da internet.

Nesses materiais empíricos pode-se observar a criança/adolescente atuando como cantor(a), pregador(a), missionário(a) evangelista ou pastor(a), mirim.
Ex Jotta A relata ter feito cirurgia de mudança de sexo

Jotta A, aos 8 anos, pregando no famoso congresso Gideões, em Balneário Camburiú, SC.

Um dos casos mais conhecidos, é o do ex-cantor mirim Jotta A. Descoberto no programa de calouros do Raul Gil, que teve uma bem sucedida carreira na música gospel, desde os 6 anos de idade e que hoje, aos 27, após passar por uma transição de gênero e abandonar não só o gospel, como romper com a religião evangélica, virou cantora pop, adotou oficialmente o nome de Ella Viana de Olanda e se tornou uma das figuras mais representativas da militância LGBTQIAPN+.

Vamos aos dados 


De um modo geral, as pesquisas sobre religião na infância destacam a relevância do ponto de vista da criança, enfatizando que sua percepção acerca das práticas religiosas difere da percepção dos adultos. 

Pires (2007), em sua tese de doutorado, mostrou que as crianças de Catingueira eram mais religiosas que os adultos, considerando que a religião era percebida como prática associada à igreja (templo), sendo vivida de maneira concreta e relacional, diferentemente dos adultos, que a relacionavam ao abstrato (Deus). 

Ao demonstrar a especificidade da infância na forma como percebiam a religião, a autora comprovou a importância e a possibilidade da pesquisa com crianças. 

Empregamos aqui a categoria pastores mirins para nos referir às crianças
 e aos adolescentes que cantam louvores e evangelizam, passando a ocupar a posição do pastor durante os cultos nas igrejas. 
 
Eles desenvolvem o domínio da linguagem e do discurso religioso de modo muito similar ao dos adultos membros de denominações pentecostais e neo pentecostais.

Para a compreensão do fenômeno, consideramos que o aparecimento dos pastores mirins na mídia corresponde a um contexto em que a informação e a tecnologia tornaram-se centrais na constituição de um novo padrão de sociabilidade, no qual se destaca a conexão entre as redes sociais. 
 
O dinamismo pentecostal6 tem apresentado configurações que até recentemente não se ressaltava no Brasil. Destaca-se a presença de várias crianças que pregam em igrejas e se tornam reconhecidas, cantando, gravando CDs e DVDs. 
 
Nesse contexto, os vídeos e a internet passaram a adquirir importância tanto na produção da visibilidade do fenômeno quanto na afirmação dessa identidade para eles. 

Tal fenômeno tem provocado curiosidade até mesmo entre os
 evangélicos, que se dividem ora alegando se tratar de "obra do Espírito Santo", ora entendendo ser essa uma forma de exploração da infância e, portanto, de violação de seus direitos.

Vamos aos fatos


Com apenas 15 anos e mais de 1,2 milhão de seguidores, Miguel Oliveira se autodeclara missionário e profeta.

Figura influente nas redes sociais, o pastor pentecostal tem se tornado símbolo do fenômeno dos "pastores mirins", crianças e adolescentes que lideram cultos evangélicos, acumulam fãs — e críticas — online, e acendem alertas sobre exposição infantil em ambientes religiosos.


Miguel viralizou — e polemizou — ao protagonizar vídeos com supostas curas milagrosas, como quando "rasgou o câncer" e "filtrou o sangue" de uma mulher diagnosticada com leucemia. 

Em outras gravações, afirma falar em línguas espirituais e até arrisca frases em inglês durante os cultos.
 
"Tô com 15 anos e 1,2 milhão de seguidores hoje,
disse ele ao podcast 'Eu Acredito', ao comentar as críticas que recebe por sua aparência e estilo de pregação. 
"Tem pessoas frustradas aí, com 50, 60 anos, que nunca chegaram aonde eu tô chegando"
provocou. 

O adolescente enfrenta ameaças que são alvo de investigação do Ministério Público de São Paulo.


Além dele, vídeos de crianças em púlpitos, vestidas de terno e com discurso inflamado, se espalham pelas redes. 

Uma dessas gravações mostra um menino pequeno gritando 
"Glorifica o nome do Senhor..."
o que gerou críticas por suposta exploração da infância.

É adultização ou exercício ministerial?


Nossa posição é de que as crianças estão submersas na mesma cultura dos adultos, sendo, portanto, capazes de compartilhar símbolos e significados, mas também de produzir cultura, agindo como um ator social. 
 
Nesse aspecto, as crenças e as igrejas pentecostais se constituem espaços onde experiências liminares são valorizadas, permitindo, assim, que as crianças possam desenvolver a performance de pastores mirins.

Pastores Mirins como referência de status social


Numa cultura "adultocêntrica", que concentra parte do tempo de sua
 infância em espaços como creche, escolas, playground etc., a autonomia da criança frente a sua própria educação é reduzida (TASSINARI, 2003). 

Nessas
 condições, o aparecimento de pastores mirins parece um contrassenso; primeiro porque inverte a ordem social normativa, pois nestes casos são os adultos que parecem mais dependentes das crianças; depois, porque são as crianças que sob fundamentos bíblicos fornecem orientação de vida para os adultos, indicando a conduta a ser seguida, demarcando os limites entre o certo e o errado.

Como pastores mirins, essas crianças fazem orações e ainda chegam a
 expulsar demônios. Todavia, o que provoca estranheza nessa posição ocupada pela criança não é apenas a sua "imagem", mas, sobretudo, a sua autoridade. 

A criança, há um tempo, tida como receptáculo da cultura, logo
 como sujeito passivo, é apresentada como sujeito de sua própria existência.

Infans, que significa sem fala, é a origem etimológica da palavra infância.
 Designa que a fala da criança é insuficiente, incompleta e não merece credibilidade. 

No caso dos pastores mirins, é o uso da fala que lhe confere
 a possibilidade de assumir a posição de pastor e exercer certa autoridade sobre os fiéis. 

Esse fato é percebido como algo de extraordinário, o que não
 deixa de expressar certo reconhecimento da vocação religiosa, ou seja, da missão profética revestida pelo carisma dessas crianças. 

Em outras palavras,
 a autoridade religiosa das crianças está associada à legitimidade da vocação religiosa. Portanto, trata-se de uma autoridade como crença na legitimidade (WEBER, 1991). 

Neste sentido, os pastores mirins são percebidos como
 líderes portadores de dons do espírito, imbuídos de uma missão divina. Por isso, despertam reconhecimento e respeito.
 
Tal fenômeno é originário de uma religião em que a liberdade de expressão é permitida até mesmo para uma criança. 

Nessas igrejas evangélicas,
 a manifestação dos dons do Espírito Santo é incentivada e consiste em falar em línguas, interpretar o que foi dito em línguas, revelar sonhos, ver e/ou ouvir vozes, profetizar, curar e outras manifestações. 

A criança que se
 destaca na manifestação desses dons e na pregação do evangelho acredita que o fenômeno responde a uma vontade de Deus.

O que diz a lei?


Para o advogado Pedro Hartung, diretor do Instituto Alana, que defende os direitos das crianças, há uma linha tênue entre liberdade religiosa e exposição nociva.
"Quando a participação se transforma em exploração da imagem digital da criança, há consequências negativas. Muitas vezes ela não está preparada para lidar com a repercussão."
O especialista alerta também para os casos em que há monetização do conteúdo gerado pelos pequenos pregadores. 
"Há expectativa de performance constante, o que se aproxima do trabalho infantil, ainda que em contexto religioso"
O fenômeno é antigo, mas ganhou novas proporções com a internet.


Sob a ótica teológica, podemos afirmar que não há base bíblica para pastores mirins. Jesus foi ao templo aos 12 anos, mas só começou seu ministério com 30. É precipitado estimular crianças a se intitularem pastores, afirma.

Esse movimento infantil no meio evangélico, embora polêmico, não é exclusivo do Brasil. 

Em 2011, o americano Kanon Tipton entrou para o Guinness como o pregador mais jovem do mundo, aos quatro anos, após viralizar em um vídeo no qual balbuciava como um pastor durante um culto do avô.


O fato é que a "adultização" infantil não é novidade. O que é novo é a velocidade e a escala com que ela acontece. 

A pressão para que crianças se comportem, se vistam e até pensem como adultos vem sendo turbinada pelo motor das redes sociais. 

Vídeos de meninas dançando coreografias sensuais no TikTok, meninos repetindo falas carregadas de conotação sexual, crianças imitando youtubers que falam de temas que nem deveriam entender. 

Tudo embalado em luz, cor e música viciante — pronto para o consumo rápido e massivo.
Mas, e no caso dos pastores mirins? É muito comum vê-los nitidamente imitando falas e trejeitos de pastores famosos. Dadas as devidas distinções contextuais, não é a mesma coisa?
E aí entra a parte incômoda: não é só culpa das "plataformas" ou dos  "influencers" (ou das igrejas).

A responsabilidade começa dentro de casa


São pais e mães que colocam um celular na mão da criança para "ganhar um pouco de paz", que deixam o algoritmo ser babá, que filmam e postam os próprios filhos para arrancar risos e curtidas, sem pensar no que isso significa a longo prazo.

É a preguiça de educar, a covardia de dizer "não" e a ingenuidade de achar que “com meu filho não acontece” que alimentam esse ciclo.
O resultado? Uma geração que pula etapas essenciais do desenvolvimento.

Crianças que deveriam estar descobrindo o mundo em segurança, aprendendo a lidar com frustrações e construindo autoestima, acabam gastando a infância treinando poses ou perfomances espirituais para um feed.

No lugar da imaginação, recebem filtros. No lugar da curiosidade, recebem algoritmos que entregam mais do mesmo. No lugar de referências sólidas, recebem um desfile de vidas irreais para imitar.


E não é só psicológico ou espiritual — é cultural. A infância, que deveria ser o espaço do lúdico e do aprendizado gradual, está sendo trocada por um treino precoce para o mercado da atenção.

E isso tem um preço: erosão de valores, banalização de temas sérios e, no fim das contas, adultos emocionalmente frágeis, incapazes de lidar com a vida sem buscar aprovação em "likes".


A verdade é que não existe plataforma capaz de proteger uma criança se os próprios pais não fizerem o papel de guardiões. Não existe lei que substitua a presença. E não existe filtro mais seguro do que a orientação firme de quem cria.

Conclusão


A aceitação dessas crianças dentro do movimento religioso no Brasil nas igrejas evangélicas ocorre sem grandes resistências, pois o que define ser um pastor mirim são as habilidades e as competências que manifestam na pregação do evangelho e, principalmente, o reconhecimento público de que estão investidos de uma missão.

Como as crianças gostam de ser reconhecidas 
como pastores mirins, elas demonstram que são capazes de participar de forma relativamente autônoma no processo de socialização no qual estão envolvidas.

Proteger a infância não é moralismo é investimento no futuro. Regular o que chega até elas não é censura, é garantir o direito básico de viver a fase mais importante da vida no tempo certo. E educar para o uso consciente da tecnologia não é opção — é obrigação.

Se a infância é vendida por curtidas, prepare-se para comprar um futuro de adultos quebrados.

Porque, no fim, enquanto a gente brinca de moralista nas redes, as redes estão moldando a próxima geração — e não é do jeito que você imagina.

[Fonte: Guia-me. Referências Bibliográficas: Pires, Flávia. (2007). Quem tem medo de mal-assombro? Religião e infância no semiárido nordestino. Tese de doutorado apresentada ao programa de pós-graduação em antropologia social — ppGas do Museu nacional — Mn / universidade Federal do Rio de Janeiro — uFRJ. Tassinari, Antonella. (2007). Concepções indígenas de infância no Brasil. Tellus. núcleo de estudos e pesquisas das populações indígenas – neppi, campo Grande: ucdB, ano 7, n. 13. WEBER, Max. (1991). Economia e Sociedade. Brasília: ed. da unB.]

Ao Deus Todo-Poderoso e Perfeito Criador, toda glória.

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E nem 1% religioso.


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