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sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

ESTANTE DO LÉO — "A SANGUE FRIO", DE TRUMAN CAPOTE

Neste capítulo da minha série especial "Estante do Léo", na qual falo acerca dos livros que já li, recomendando-os ou não, falarei sobre um livro sensacional, que, embora eu já o tivesse adquirido há mais de dez anos, só agora eu me interessei em lê-lo e, olha, devo dizer que valeu a pena e lamentei muito não tê-lo lido a mais tempo.

Eu já tive a oportunidade de dizer anteriormente, que um dos meus estilos literários preferidos, é o suspense/mistério, como os títulos da autoria de Agatha Christie (✩1890/✞1976), a rainha do mistério, cuja obra, eu já li toda. Outra coisa que amo é o jornalismo investigativo.

O útil ao agradável


Essas minhas predileções, foram o que me fizeram interessar a adquirir um exemplar do livro "A Sangue Frio", da autoria de Truman Capote. Eu já havia ouvido falar do livro, assim como já havia assistido ao filme homônimo, lançado em 1967, dirigido por  Richard Brooks (✩1912/✞1992) e estrelado por Robert Black e Scott Wilson (✩1942/✞2018).

O que mais me chamou atenção no livro foi o fato dele ser baseado em uma história real; comecei a lê-lo como uma brincadeira, assim, sem muita pretensão, tipo, já que não tenho nada para ler... e, por fim, acabei completamente apaixonado pela escrita de Capote.

Sobre o autor

Capote, cujo verdadeiro nome era Truman Streckfus Persons, nasceu em 30 de setembro de 1924, em Nova Orleans, Luisiana e começou a sua carreira em 1940 como colunista social numa revista nova-iorquina. 

O seu surgimento no universo literário norte-americano aconteceu com o romance "Breakfast at Tiffany's" (1958, que foi levado às telas em 1961, com Audrey Hepburn [✩1929/✞1993] como protagonista e que aqui no Brasil, recebeu o título de "Bonequinha de Luxo"), no qual desmascara, de modo satírico e mordaz, a moral ambígua da pequena burguesia, ansiosa por ascender socialmente.

Então, em 1966, Capote publicou o clássico "A Sangue Frio" (cujo título original é "In Cold Blood"), um relato magistral da violência e da vida americana nos anos 60, inaugurando o jornalismo literário.

Em seu romance "A Sangue Frio", Capote reconstrói, de forma quase documental, o assassinato de uma família ocorrido no Kansas, o que o transformou num best-seller internacional.

Homossexual assumido, Truman Capote, construiu fama nos círculos culturais, porém levava uma vida de excessos entre festas na alta sociedade, regadas a álcool e drogas. Ele morreu, no dia 25 de agosto de 1984, aos 60 anos de idade, em Los Angeles, California, vítimado por um câncer no fígado. De acordo com relatório do legista , a doença hepática, foi agravada por flebite e múltipla intoxicação por drogas.

Sobre o livro

Sinopse


Um homem religioso, uma mãe depressiva, um adolescente, uma garota dona de casa, um cachorro amedrontado e dois ladrões frustrados. Esses e outros personagens são os ingredientes chave para o romance jornalístico "A Sangue Frio", de Truman Capote. 

O livro é uma reportagem investigativa sobre o assassinato de quatro membros da família Clutter, o casal e seus dois filhos caçulas, ocorrido em 1959 na cidade de Holcomb, no Kansas, Estados Unidos.

Em 1959, dois homens invadiram uma casa numa cidade no interior do Kansas, nos EUA, e mataram todos os seus moradores, o pai, a mãe e os dois filhos. Cinco anos depois, os dois sujeitos foram enforcados pelo crime cometido.

Basicamente foi isso que aconteceu, mas esse amontoado de frases conta apenas com a frieza das informações enfileiradas. Muitas vezes basta ao texto jornalístico informar, porém esta ação nem sempre dá conta da dimensão da experiência humana como um todo, uma vez que não raro uma tragédia é reduzida a números. Quatro pessoas foram assassinadas, mas quem são essas pessoas? Dois homens cometeram o crime, ok, mas e aí, quem são esses caras? Por que eles fizeram uma coisa horrível dessas?

Olhar psicanalítico


Como estudante de Psicanálise, agora, não consigo fazer nada sem olhar pelo viés de uma análise psicanalítica do caso. Foi o que fiz, ao ler esse livro. A riqueza na descrição dos detalhes me transportaram para a horripilante noite do assassinato da família Clutter e me fez sentir conhecido dos moradores da pequena cidade de Holcomb — foi como fazer uma viagem macabra sem sair de casa. Me senti enraivado quando li sobre o crime, mas no final do livro quase senti pena de Dick e Perry, dois ladrões muito, na falta de uma palavra melhor, burros.

As vítimas


Os Clutter eram uma família conhecida e respeitada na cidade, os últimos que qualquer conhecido esperaria encontrar mortos. 

A narração de Capote insere o leitor dentro de dois mundo ao mesmo tempo: o da família, nos apresentando aos quatro membros ainda em vida e seus relacionamentos uns com os outros e ainda com terceiros; e o outro, o mundo de Dick e Perry, que procuram uma maneira de ganhar dinheiro fácil e acabam se deparando com os Clutter.

Os algozes


Ainda dentro da cabeça dos ladrões, o autor nos mostra o vicio em aspirinas de Perry e o relacionamento dele com Dick, tornando assombrosamente fácil simpatizar com ele  há também quem diga que Capote era apaixonado por Perry, o que me leva a comentar: nunca li nenhum livro com uma fama e "lendas" como "A Sangue Frio".

A fascinante escrita de Truman Capote não é permeada de emoção, como estamos acostumados, mas a cena em que o namorado de Nancy descobre sobre o seu assassinato me partiu o coração em pedaços. 

E depois, quando observei a amizade entre ele e a melhor amiga da garota crescer e então murchar, fez com que eu entrasse em uma nova maneira de compreender livros e as relações interpessoais que eles nos apresentam.

Fato é que, mesmo quando Dick e Perry são presos e a maneira com que os crimes foram cometidos  — assim como seus motivos — são revelados, você ainda não consegue odiá-los completamente (ou sou eu mesmo que devo ter problemas e simpatizo com assassinos? Freud explica!). Ainda estou tentando me decidir se isso é devido a imparcialidade da escrita, ou se Capote realmente pendeu mais para o lado dos rapazes.

Linguagem jornalística


O jornalismo está atento a isso e sabe que elaborar uma narrativa atrai público, por isso é bastante fácil perceber hoje em dia a forma meio desconjuntada com que repórteres tentam superar a frieza do mero repasse de informações e tentam produzir emoção, por exemplo, enfiando a câmera na cara de alguém que sobreviveu a uma tragédia e acabou de perder tudo e fazer a famigerada pergunta clichê: 
"...como você está se sentindo nesse momento?".
Há, nesta insensibilidade brutal, um visível desinteresse pelo ser humano, uma vez que o que importa é apenas a história que pode ser arrancada dali, com luzes e ângulos corretos.

Com o frenesi de prazos e demandas, parece não haver muito espaço para algo que vá um pouco além desta miríade sensacionalista, já que isso obviamente demanda tempo e nem sempre atende aos anseios dos leitores. Por isso um trabalho como o de Truman Capote, que levou mais de um ano só pra entrevistar as pessoas, é tão prestigiado até hoje, como um grande marco para a profissão.

O que Capote fez foi contar uma história verdadeira de forma literária, ou seja, ele seguiu os procedimentos de pequisa jornalística, mas adequou as informações levantadas à estrutura e à linguagem da literatura como uma ferramenta para narrar a complexa história de um crime real.

O autor afirma que com "A Sangue Frio" ele criou um novo gênero literário, o romance de não-ficção, o que não chega a ser verdade, já que outros escritores já tinham utilizado procedimento semelhante antes dele. A diferença é que Capote foi simplesmente genial nessa empreitada e entregou um trabalho impressionante, que não à toa é considerado uma obra-prima.

Fake ou fato?


Mas nem tudo são flores na vida do autor, já que este modelo de narrativa levanta questionamentos quanto à veracidade das informações, uma vez que durante as entrevistas ele não fez gravações e nem mesmo anotações na frente das pessoas, por achar que isso atrapalharia no comportamento delas. 

Na edição lançada pela Companhia das Letras, com tradução de Sergio Flaksman, há um posfácio escrito por Matinas Suzuki Jr. que trata desta questão e fala sobre como no fim das contas os procedimentos de apuração de Truman Capote eram muito precisos, quase obsessivos, incluindo aí uma capacidade de memorização impressionante.

Através de uma profusão inacreditável de detalhes, ficamos sabendo, por exemplo, como foi o dia de cada um dos envolvidos, a fuga, o impacto causado na população daquela cidade e todo o processo de investigação que culminou na prisão, julgamento e execução dos criminosos. 

Tudo isso é bem perturbador, mas talvez nada se compare ao relato minucioso dos assassinos explicando passo a passo tudo o que aconteceu na casa. É um troço de fazer gelar os ossos.

Algo curioso é que por mais que haja um volume absurdo de informações detalhadas, relatos, cartas, confissões etc, ainda assim não existe uma reposta simples e definitiva para a pergunta: por que, afinal, eles cometeram esse crime de forma tão brutal?

Conclusão


Enfim, Capote nos apresenta um pequeno naco da experiência humana sob seus mais diversos ângulos e nos larga ali, atolados em pensamentos sombrios.

Aparentemente Capote esgotou toda sua criatividade e excelente escrita em seu livro de maior sucesso, mas ainda assim não deixa de merecer todos os elogios que recebeu com a obra. 

"A Sangue Frio" é o melhor livro policial que já li (não-fictício também, mesmo,  embora, conforme já dito acima, algumas pessoas insistam em dizer que parte da história foi inventada por Capote) e um dos melhores livros que já li em toda minha vida, no apanhado geral. Merece de longe as cinco estrelas que tem. E o meu seleto carimbo de:
  • Título: "A Sangue Frio"
  • Autor: Truman Capote
  • Editora: Companhia das Letras
  • Lançamento: 1967
  • 412 páginas
Ao Deus Perfeito Criador, toda glória.
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E nem 1% religioso.

Um comentário:

  1. Claudianí de Fátima Macedo24 de dezembro de 2022 às 11:15

    Ainda não li este livro . Vou colocar na minha lista de "Desejos de leitura." Ótimo texto como sempre.

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