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sábado, 12 de novembro de 2022

CONTÉM SPOILERS — "OS PÁSSAROS", DE ALFRED HITCHCOCK

Neste capítulo da série especial de artigos Contém Spoilers, falarei sobre um dos grandes clássicos dos filmes de terror, assinado por ninguém menos que o lendário e icônico cineasta Alfred Hitchcock.

E, cara, vou te dizer, escrever sobre Hitchcock não é uma tarefa fácil, isto porque, justamente pelo fato dele ser um fenômeno histórico da sétima arte e também por eu ser fã do tipo "baba ovo" dele.

Sobre o autor


Nascido em Londres, no dia 13 de agosto de 1899, Alfred Joseph Hitchcock era filho único de William e Ema Hitchcock. 

Seu pai sempre esteve mais presente em suas falas, ao contrário de sua mãe, de modo que se sabe mais detalhes sobre ele do que sobre ela. 

William era um vendedor de hortaliças, possuía um perfil rígido e desempenhava uma educação severa. Com isso, as escolhas dos colégios na infância de Alfred também seguiam essa doutrina, passando primeiro por um convento e depois para um colégio jesuíta. 

Pelas declarações do próprio cineasta (que foram muitas, já que Hitchcock era bastante aberto a entrevistas, apesar de não muito sociável), a punição foi algo recorrente em sua vida, o que o fez ver as instituições (religiosas, políticas, policiais etc.) com um temor quase traumático.

Mestre do suspense


Alfred Hitchcock é conhecido como "mestre do suspense", justamente por marcar a História do Cinema com as suas criações, esse diretor. Sua vida, sua obra e suas produções cinematográfica sempre foram uma curiosidade inerente ao público.

No mundo cinematográfico, Hitchcock ficou conhecido por passar de designer de intertítulos e diretor de arte a diretor. Já no seu segundo filme, "O inquilino" (1927), alcançou sucesso de crítica e público. 

No Oscar, recebeu cinco indicações como diretor e uma como produtor. Nunca venceu. Em 1968, recebeu o prêmio Irving Thalberg pela sua carreira.

Dentre títulos famosos, podemos destacar "Sabotador" (1942), "A Sombra de Uma Dúvida" (1943), "Pacto Sinistro" (que tratava de um crime perfeito), "Janela Indiscreta" (1951), a história de um fotógrafo que desconfiava que seu vizinho era um assassino), "Um Corpo Que Cai" (1958), "Os Pássaros" (que eram na verdade os vilões), "Psicose" (o filme da famosa cena do chuveiro — 1960), dentre tantos outros sucessos.

Vida pessoal


Na vida privada, casou-se uma única vez, com Alma Reville (✩1899/✞1982), no ano de 1926. eles se conheceram na companhia onde ele trabalhava. 

Alma era roteirista também na Paramount’s Famous Players-Laskey e o casal teve uma única filha, Patricia. 

Seu nome apareceu nos créditos de muitas obras de Hichcock. Além disso era muito, mas muito tímido, e adorava viajar e filmar essas viagens.

Ele soube, melhor do que ninguém, aproveitar do que o cinema lhe permitia fazer. Mestre do suspense, é também um homem de palavras fortes, que muitas vezes magoava por ser rude (porém educado). 

Mas apesar disso, todos desejavam trabalhar ao seu lado. Uma das características era aparecer fazendo uma ponta em cada filme seu. Um diretor magnífico. O diretor faleceu em 29 de abril de 1980.

O filme aborda questões muito polissêmicas como o feminismo e a autonomia das mulheres, as relações de ciúmes e o Complexo de Édipo, a relação do homem com a natureza, etc. Indicado ao Oscar 1964 como Melhores Efeitos Especiais, o controverso "Os Pássaros" é um dos filmes de terror mais cultuados da história. E é sobre ele que falarei na sequência.

O filme


Alfred Hitchcock ainda colhia os frutos que plantara em sua última obra, "Psicose" (1960), quando realizou o filme mais enigmático e controverso de sua longa carreira cinematográfica. 

"Os Pássaros", de 1963, permanece até então como um enigma. Amado e cultuado por muitos como uma obra de arte legítima ou como uma expressão do que há mais sutil no gênero terror. 

Mal compreendido e criticado por outros, que consideram o filme uma anomalia criativa do mestre do suspense, uma trama ridícula numa situação absurda. Apesar das divergências é unânime a opinião de que "Os Pássaros" é um clássico da cinematografia e um marco dos anos 1960.

Sinopse complexa


Baseado em um conto de Daphne Du Maurier (✩1907/✞1989), com roteiro de Evan Hunter (✩1926/✞2005), o filme começa em um pet shop de San Francisco, aonde a senhorita Melanie Daniels (Tippi Hendren) vai à procura de um pássaro. 

Enquanto aguarda um telefonema da atendente é abordada por um homem que supostamente a confunde com a vendedora da loja. 

O freguês está à procura de um par de periquitos para presentear a sua irmã no aniversário de 11 anos. Melanie finge ser a atendente, mas acaba acarretando uma série de situações embaraçosas por na verdade não entender nada sobre aves.

Melanie descobre a identidade do estranho. Chama-se Mitch Brenner (Rod Taylor — ✩1930/✞2015) e é advogado. Na manhã seguinte, ela leva o par de periquitos para o seu endereço, mas é informada pelo vizinho de Mitch que ele viajou para a pequena cidade costeira de Bodega Bay, onde passa seus finais de semana. A Srta. Daniels trata de ir até a cidadezinha levando as aves em uma gaiola.

Ao chegar a Bodega Bay, Melanie se informa com os moradores locais sobre o paradeiro de Mitch e sobre o nome da sua irmãzinha. Vai até a casa da professora Annie Hayworth (Suzanne Pleshette — ✩1937/✞2008) e descobre que a menina chama-se Cathy. 

Dirige até a costa e segue de barco à casa dos Brenner, querendo fazer-lhe uma surpresa. Deixa as aves na sala da casa acompanhada de uma carta à Cathy sem que ninguém a veja e volta para a cidade de barco. No entanto, Mitch a vê com um binóculo e dirige rumo ao porto para encontrá-la.

Antes de atracar ao cais, Melanie Daniels é atacada por uma gaivota que fere a sua cabeça. Brenner a socorre e cuida do ferimento em um restaurante do porto enquanto trocam futilidades sobre os motivos da jovem estar em Bodega Bay. 

No restaurante, coincidentemente a Srta. Daniels conhece a mãe de Mitch, Lidya Brenner (Jessica Tandy — ✩1909/✞1994) e é convidada pelo advogado para jantar na sua casa. Melanie havia mentido para Brenner que estava hospedada na casa da professora Hayworth e que tinham sido colegas na universidade, então volta a casa dela e aluga um quarto para passar a noite.

Quando Melanie chega à casa dos Brenner conhece sua irmãzinha Cathy (Veronica Cartwright). Antes do jantar, a senhora Lidya está preocupada com as suas galinhas, que não quiseram comer ração e descobre ao ligar para a cidade que outros criadores estão tendo o mesmo problema, inclusive com marcas de ração diferentes. 

Após o jantar Lidya e Mitch conversam na cozinha sobre o passado da visitante, principalmente sobre uma notícia veiculada em um jornal de San Francisco onde dizia que Melanie já havia nadado nua em um chafariz em Roma, entre outras peripécias da juventude. Melanie e Mitch se desentendem e a Srta. Daniels volta para a casa de Annie. 

Lá, descobre que a professora e Brenner já haviam sido namorados e que a relação dos dois terminou pela personalidade possessiva da mãe dele, no entanto, Annie ainda gostava de Mitch. Ainda na mesma noite, Melanie é convidada por Mitch para participar da festa de aniversário de Cathy no dia seguinte e aceita o convite.

Brilhante controvérsia


Até então o filme não parece ser de Hitchcock, a não ser pela sagacidade em abordar aspectos aparentemente simples, mas na verdade complexos da natureza humana. 

Porém, na festa de aniversário de Cathy algo inesperado acontece. Enquanto os convidados comem e se divertem no quintal, um ataque furioso de gaivotas desaba sobre eles. 

Durante a noite, na casa dos Brenner, uma nuvem de pardais agressivos e descontrolados cai pela chaminé e provocam uma grande bagunça no interior da residência.

No dia seguinte, após o susto, Lidya vai visitar um amigo, mas o encontra morto dentro de seu quarto, mutilado por bicadas de pássaros e rodeado de aves mortas por toda parte. No meio dessas situações bizarras e assustadoras, Melanie e Brenner se tornam mais próximos e assumem o romance. Apesar das enormes diferenças entre si, a Sra. Brenner e a Srta. Daniels também vão criando laços afetivos.

Quando Melanie vai buscar Cathy na escola protagoniza a cena mais antológica do filme. Enquanto está sentada fumando um cigarro em um banco do pátio, um brinquedo do parquinho começa a ficar enfestado de corvos. 

Melanie avisa a professora Annie que não deixe as crianças saírem para o recreio. Eles simulam uma emergência de incêndio e se põem a correr, no entanto, o ataque dos corvos é inevitável. Melanie e Cathy se salvam por pouco dentro de um carro. 

Minutos depois Melanie Daniels vai até o restaurante ligar para Mitch. Lá se envolve em uma discussão sobre o ataque dos pássaros que vai desde a perícia feita por uma velha especialista em aves até as profecias apocalípticas aviárias de um bêbado no bar.

Na rua, as aves voltam a atacar provocando uma explosão no posto de gasolina e uma série de catástrofes e mortes na cidade. Mitch e Melanie conseguem se refugiar novamente no restaurante, mas entre algumas mulheres que estão escondidas lá, uma senhora histérica culpa a Srta. Daniels pelo ataque dos pássaros, que começou assim que ela chegou a Bodega Bay. 

Assim que o ataque termina, o casal vai buscar Cathy na residência de Annie e encontram a professora morta na área da casa. O medo e a histeria vão se tornando coletivos. 

Os Brenner se trancam dentro da casa, mas sofrem outro grande ataque durante a noite com direito a janelas estilhaçadas, portas rachadas e muito sangue. As cenas finais são surpreendentes, aterradoras e de um suspense só mesmo produzido pelo mestre do gênero.

Roteiro intrigante e um tanto quanto controverso


Com roteiro de Eva Hunter, "The Birds" conta uma pequena e uma grande história. 

A pequena é a relação amorosa entre a protagonista Melanie Daniels e o advogado Mitch Brenner, relação que abrirá as portas para um triângulo e desembocará numa leitura edípica também, reforçando uma das muitas interpretações que as pessoas fazem deste filme através do viés psicanalítico.

Já a grande história é aquela que dá identidade ao filme e que traz o principal mistério da fita, perfeitamente ocultado pelo diretor: a partir de um determinado momento, sem explicações, os pássaros começam a atacar as pessoas em Bodega Bay. 

A quantidade de aves mais a violência dos ataques deixam os habitantes locais paralisados, incrédulos. Até que chega o momento em que precisam lutar por suas vidas.

Uma das formas de olhar para a obra é pela sua "desconexão" diante a filmografia de Hitchcock, e não levanto isso como um ponto negativo. Temos aqui um terror ligado à natureza que dá à obra um véu exploitation, especialmente porque não existe uma forma de explicar, combater ou afirmar que o problema estava para acabar. 

O final aberto dá o tom de desesperança essencial para a fita, e o diretor fez muito bem em deixar o filme exatamente nesse ponto, com o carro andando lentamente pela estrada, "mergulhado num mar de pássaros". 

Antes desse tipo de temática de animais descontrolados e vilões (a natureza voltando-se contra o homem, por algum motivo) ganhar um de seus maiores ícones — notem que eu estou excluindo "Godzilla" (o original, de 1954) aqui por motivo óbvios — e virar febre de produção, Hitchcock dava a esse tipo de temática uma chocante abordagem. 

Mesmo não sendo pioneiro no tratamento do tema — filmes com animais-vilões/natureza-vilã, posteriormente apelidados de eco-terror, são bem antigos –, certamente foi um dos mais inesquecíveis, inclusive fazendo escola.

Produção


Apesar de trabalhar bem com os efeitos que tinha na época, o filme demonstra claramente a idade que tem. Isso não tira da obra, contudo, o impacto do ataque dos pássaros (minha cena favorita é a do ataque às crianças saindo da escola. 

E toda a preparação para esta cena é sensacional) ou o terror que eles vão progressivamente nos causando. 

Sem pressa, o diretor nos faz conhecer a personalidade de Melanie e, em torno de sua paixão repentina, adiciona uma boa dose de humor, sentimento que vai minando à medida que os pássaros mudam o seu comportamento e também muda o nosso olhar para eles, indo das belas aves no início da obra às medonhas máquinas de matar, no final. 

A cena do caos em que mergulham a cidade e o grande plano que temos desses animais na última cena é algo verdadeiramente assustador e se torna ainda mais impactante porque é difícil aceitar um ataque e até um comportamento agressivo/assassino desses animais no dia a dia (sim, os magpies são famosos por atacar humanos, mas é algo bem diferente do que temos no filme). E é jogando com esse combo de imprevisibilidades que o cineasta consegue o seu triunfo.

O filme já ganhou todo tipo de interpretação possível, com questões simbólicas, místicas, psicanalíticas até situações políticas típicas daquele momento da Guerra Fria (os pássaros como uma invasão comunista, etc.). 

Mas o enredo sempre está dando conta das relações casuais, disfarçadas por uma certa beligerância e que no momento em que se tornam fortes, recebem um chamado externo: a luta pela sobrevivência, o fim das amenidades. 

Independente do que motivou o ataque dos pássaros — isso, a meu ver, não tem a mínima importância — o filme guia facilmente as duas esferas de transformação, interna e externa aos personagens, que se desenvolvem em contraste. Uma assustadora história de mudanças comportamentais e transformação do belo e comum em motivo de medo. E tudo por motivos inexplicáveis.

Elenco e Personagens


O elenco escolhido por Alfred Hitchcock é sempre formado por grandes atores. E aqui, em Os Pássaros, não é diferente.

Dada a grande despesa com os complexos processos técnicos, Hitchcock escolheu intérpretes pouco conhecidos, mas competentes da mesma forma.

A protagonista Melanie é interpretada por Tippi Hedren, mais uma reencarnação da loira fatal de Hitchcock, presente em todos os filmes do diretor.

Ao seu lado temos Rod Taylor, interpretando Mitch. Os dois são nada mais que um fragmento de algo muito mais amplo, como revelado pelos esplêndidos diálogos realizados entre os dois personagens.

Conclusão


Além da trama, a questão técnica do filme também se tornou clássica. Desde os cenários complementados com pinturas, passando pelos grandes pássaros de borracha presos a barbantes e indo até a sonorização adotada para causar pavor. 

Na sequência final, Hitchcock não quis introduzir a palavra "Fim" ou "The end", por considerar que o horror da trama não acabaria ali. 

O grande enigma do filme é: por que os pássaros atacam? As interpretações são várias e essa ambiguidade é que garantiu o sucesso do longa metragem. Além disso, o filme aborda questões muito polissêmicas como o feminismo e a autonomia das mulheres, as relações de ciúmes e o Complexo de Édipo, a relação do homem com a natureza, etc. 

Indicado ao Oscar 1964 como Melhores Efeitos Especiais, o controverso "Os Pássaros" é um dos filmes de terror mais cultuados da história. Sendo um filme de Hitchcock, não me atrevo a contar o final. Por isso, só...
  • "Os Pássaros (The Birds)" — EUA, 1963
  • Direção: Alfred Hitchcock
  • Roteiro: Evan Hunter (baseado na obra de Daphne Du Maurier)
  • Elenco: Rod Taylor, Jessica Tandy, Suzanne Pleshette, Tippi Hedren, Veronica Cartwright, Ethel Griffies, Charles McGraw, Ruth McDevitt, Lonny Chapman, Joe Mantell, Doodles Weaver, Malcolm Atterbury, John McGovern, Karl Swenson, Richard Deacon
  • Duração: 119 min.
[Fonte: Canto dos Clássicos, por Bruno Yashinishi — Pesquisador na área do cinema com ênfase em História do Cinema, relação entre Cinema e História e cinema e Filosofia. Pesquisador do cinema clássico contemporâneo com ênfase nas obras do diretor Stanley Kubrick, bem como seu procedimento estético e narrativo. Também foi professor de Filosofia, Sociologia e Ensino Religioso nas séries do Ensino Médio de colégios da rede particular de ensino. Plano Crítico, por Luiz Santiago.]

Ao Deus Perfeito Criador, toda glória.
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