Total de visualizações de página

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

ACONTECIMENTOS ESPECIAL — OS CEM ANOS DA SEMANA DE ARTE MODERNA: HÁ O QUE SER COMEMORADO?

Este ano, quando está sendo comemorado o centenário da Semana de Arte Moderna, ocorrida em fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, se torna definitivamente uma efeméride nacional. 

A história dessa consagração, porém, é tortuosa e escrita por diferentes frentes de ação. Quase cem anos depois do evento — narrado pela sua fortuna crítica como, paradoxalmente, origem e destino da arte brasileira no século XX — sua força centrípeta paulistana e seu corte de classe colocam o arquivo modernista frente a novas perguntas e respostas sobre os impasses do Brasil contemporâneo. 

Indo direto ao ponto que dá o tom das comemorações que surgem no horizonte, é preciso rever as histórias ligadas à Semana de Arte Moderna de 1922. Nesse exercício crítico fundamental, três eixos se tornam basilares nessa revisão centenária: as transformações teóricas, estéticas e, por que não, políticas que o país atravessou e, principalmente, atravessa neste momento; a limitação da amostragem do que se poderia ver, já àquela altura, como arte moderna; e a alegada excessiva centralidade paulista em prol de uma série de acontecimentos modernos simultâneos ao redor do país.

O que foi o movimento cultural que se tornou um marco na história artística brasileira


No dia 17 de fevereiro de 1922, a plateia que aguardava a apresentação do pianista Heitor Villa-Lobos (☆1887/✞1959)
no Theatro Municipal de São Paulo estava, ao mesmo tempo, ansiosa e arisca. 

Aquela récita seria o encerramento de uma ousadia que durou três dias — 13, 15 e 17 de fevereiro —, mas que entrou na história como se fosse uma semana inteira: a Semana de Arte Moderna. 

E Villa-Lobos talvez representasse um raro momento de tranquilidade que não necessariamente existiu nos dias anteriores, com uma série de apresentações e exposições que o jornal Correio Paulistano, no dia 29 de janeiro, afirmava ser 
"a perfeita demonstração do que há em nosso meio em escultura, arquitetura, música e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual"
— só faltou combinar com a plateia. 

E aquela do dia 17 se assustou ao ver o maestro e pianista subir ao palco de fraque — como o espaço vetusto da elite paulistana exigia —, só que com um pé calçando sapato e o outro… de pantufa. 

O público interpretou aquilo como uma atitude futurista e desrespeitosa e vaiou o artista impiedosamente. Depois, Villa-Lobos explicaria: não havia nada de futurista, moderno ou o que fosse. Nem falta de respeito. O que havia era um prosaico calo inflamado.

Foi há cem anos que o calo de Villa-Lobos chocou e irritou uma plateia que não estava ainda preparada para aquilo chamado de "modernismo" ou de "arte moderna". E por que um pé com pantufa poderia criar tanto rebuliço? 

Porque, na esteira dessa cena, tinham ocorrido outros episódios que mais confundiram do que explicaram. O festival organizado por gente do naipe de Oswald de Andrade
(☆1890/✞1954), Mário de Andrade (☆1893/✞1945), Ronald de Carvalho (☆1893/✞1935), Anita Malfatti (☆1889/✞1964), Menotti del Picchia (☆1892/✞1988), Victor Brecheret (☆1894/✞1955), Di Cavalcanti (☆1897/✞1976) e Villa-Lobos — Tarsila do Amaral (☆1886/✞1973)estava na Europa na época — entre as cortinas e paredes bem ornamentadas do Theatro Municipal — um templo das artes clássicas em São Paulo, um pedaço de Paris às margens do Tamanduateí —, inaugurou um outro momento das artes brasileiras. E toda novidade traz, também, um quê de ruptura com o passado. 

No caso, dos modernistas, com o classicismo, o chamado "passadismo" e o parnasianismo, ainda em voga no eixo Rio-São Paulo — as cidades que realmente importavam cultural, social, política e economicamente naquele Brasil agrário, semianalfabeto e às voltas com as agruras de uma República com pouco mais de 30 anos e os votos de cabresto.

"A semana efetivamente foi o marco simbólico de muitos desdobramentos que se deram a posteriori, até a década de 1950, acerca da possibilidade de se implantar no Brasil uma arte moderna que representasse o desejo de demonstrar que a velha nação rural, oligárquica e escravocrata ficara definitivamente para trás, que era possível ao Brasil comparecer ao concerto das nações cultas com uma arte, uma cultura, além de uma ciência atualizada em relação ao que estava ocorrendo no resto do mundo, porém com uma identidade própria. Essa pelo menos foi a intenção primordial", 
afirma Luiz Armando Bagolin, professor e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB-USP) e curador da mostra "Era Uma Vez o Moderno", uma parceria da USP com a Fiesp.

Há mesmo o que se comemorar?


Isso tudo foi há cem anos. O resto é história? É. Mas trata-se aqui de uma semana que dura para sempre. E as discussões a seu respeito sempre estão à mesa — sejam elas em pesquisas aprofundadas sobre o movimento e seus desdobramentos, sejam na forma estéril e até um tanto provinciana de se tentar localizar geograficamente o Modernismo brasileiro, quase que querendo apontar a autoria e a primazia moderna para Rio, São Paulo ou outras plagas.

O fato é que a Semana de Arte Moderna aconteceu em São Paulo, foi criada por alguns paulistas —  o polímata Mário, o antropofágico Oswald, o ideológico Menotti del Picchia — , mas não só: afinal, o imortal da ABL Graça Aranha (☆1868/✞1931), um dos organizadores do evento, era maranhense (radicado no Rio de Janeiro), Ronald de Carvalho e Villa-Lobos eram cariocas, Manuel Bandeira 
(☆1886/✞1968), pernambucano. 

Mas isso realmente importa? Essa não deve ser a questão — o evento de 1922 teve um caráter essencialmente catalisador, congregando artistas da mais variada estirpe (incluindo muitos cariocas) e com projetos singulares nas mais variadas linguagens.

Pode-se dizer que foi a partir da Semana de 22 que o Modernismo e a modernidade amplificaram suas vozes Brasil afora — claro que a matriz paulistana reverberando mais forte, em um tom "paulistocêntrico", como diz Martin Grossmann —, como uma pedra jogada em um lago e que vai formando círculos expansivos, pequenas ondulações se abrindo e que vão levando as folhas que estiverem no caminho.

Entre tantas reverberações, talvez a revista Verde, de Cataguases (MG), tenha sido aquela que mais de perto acompanhou o espírito radical dos modernistas paulistas.

A Semana e o Modernismo de matriz paulista nos criam uma armadilha, ou melhor, um paradoxo que já anuncio: ao mesmo tempo que o evento do Theatro Municipal proclama uma origem em um local específico e com nomes determinados por documentações da época, o desdobramento do que ali ocorreu inventa aos poucos uma ideia de Brasil que será a base para que possamos deslocar São Paulo como o único espaço moderno que rompeu com a tradição local e se afiliou às correntes de vanguarda e demais rupturas que ocorriam no mundo. 

Ou seja, ao mesmo tempo em que a centralidade do Modernismo paulista apagou os demais modernismos brasileiros, talvez só possamos pensar nesses outros modernismos porque o modelo paulista se espraiou como vetor histórico e estético sobre os demais espaços modernos ao redor do País.

Modernismo além de 22


Cem anos depois, especialistas defendem a importância da Semana de Arte Moderna, mas também enfatizam que o movimento e a construção do modernismo no Brasil contaram com outros elementos.

O grande aprendizado é esse: a gente tentar entender a potência e os limites do que foi a Semana de 22 porque acho que o que não dá mais hoje é, nas escolas, continuar falando da arte moderna e só da Semana de 22. Porque muita coisa aconteceu, muita coisa além. As experiências do modernismo no Brasil vão muito além da Semana de 22.

Ainda na avaliação dos especialistas, o moderno hoje implica aprender com as diversidades brasileiras. Ou seja, o ser moderno hoje é encarar as diferenças, a diversidade, a pluralidade. Nós somos diferentes. O Brasil é muito vasto, tem coisas que os brasileiros não conhecem. 

Não somos iguais e nós temos que nos entender nas diferenças. A gente não pode resolver essa história, formulando, a título de um projeto político ou ideológico, um Brasil no singular, um brasileiro no singular, todo mundo com a mesma nação.

Em suma, ser moderno hoje implica fazer a revisão de toda a nossa história e de toda a nossa cultura numa perspectiva decolonial, de decolonialidade. Isso é um dado recente. Aliás, é um conceito sociológico que data do final dos anos 90. Então é importante não perder esse instrumento sociológico porque ele nos formula muitos desafios

Conclusão


Se a Semana de 1922 chega ao seu centenário nas bordas de um país em vias de uma eleição tensa, atravessando um tempo e um espaço esgarçados pelo cenário desolador de violências, racismos, feminicídios e pandemias, sua convocação para nos repensarmos criticamente à luz — ora pálida, ora excessiva — do seu arquivo nos obriga a acreditar que, com todos seus limites, o que ocorreu de forma breve naqueles três dias de fevereiro ainda mobiliza as máquinas de futuros possíveis que temos a obrigação de inventar para seguirmos na luta criadora pelos muitos passados em aberto e, principalmente, pelo tempo presente que precisamos reinventar a cada dia. E para responder à epígrafe inicial de Mário de Andrade, talvez tudo que nos resta seja, sim, defender nossa perplexidade — frente ao centenário da Semana e frente a tudo mais que nos mobiliza aqui e agora.

[Fonte: Jornal da USP, por Marcello Rollemberg; Agência Brasil, por Elaine Patricia Cruz]

A Deus toda glória.
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade.
E nem 1% religioso.
O uso correto da máscara não precisava ser obrigatório, por se tratar de uma proteção individual extensiva ao coletivo. É tudo uma questão não de obrigação, mas de consciência.
Respeite a etiqueta e o distanciamento sociais e evite aglomerações. Não confuda avanço na vacinação e flexibilização com o fim da pandemia

Nenhum comentário:

Postar um comentário