Total de visualizações de página

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

CASO MARI FERRER — A CULTURA DO ESTUPRO: OS FATOS E OS FAKES

"Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o cinto da verdade, vestindo a couraça da justiça" (Efésios 6:14).
Vivemos em uma era em que a verdade é menosprezada. As pessoas não acreditam na verdade absoluta, cada um constrói a sua própria versão da verdade, que se ajusta ao seu modo de vida. Como cristãos, temos na Bíblia nosso parâmetro de Verdade absoluta. Nela, Jesus não diz que é apenas uma verdade, diz que Ele é A Verdade (João 14:6). 

Isso significa que Ele é a personificação da verdade e não há verdade fora d'Ele. Baseando-se nessa premissa, eu te convido a repercutir comigo essa notícia que está causando uma enorme mobilização social, principalmente e não tinha como ser diferente nas redes/mídias sociais/digitais.

O caso


Um caso chamou atenção nesta terça-feira (3/11) e agitou as redes sociais e imprensa. O caso Mariana Ferrer trouxe um termo que levantou perguntas e confusão: estupro culposo. Mas, antes de uma análise do caso, vamos rever um outro termo que também mobiliza a sociedade e que volta à pauta dos debates com a repercussão do caso envolvendo a influenciadora digital.

O que é a cultura do estupro?


A chamada cultura do estupro, faz parte de um sistema maior, o patriarcado. E é esse sistema maior que reforça a cultura do estupro. O sistema patriarcal consiste na estrutura de pensamento que insiste no modelo de interação baseado na dominação dos homens sobre as mulheres. Nesse sistema de pensamento, o dominador/homem crê ser superior à dominada/mulher. 

A crença deriva dos discursos de validação da hierarquia histórica e culturalmente estabelecida, tal como o discurso, por exemplo, que define a mulher, dentre outros, como objeto do prazer masculino. Com esses discursos de validação da hierarquia o dominador procura justificar as atrocidades cometidas pelos homens às mulheres.

Dados oficiais mostram o quanto a cultura do estupro está fortemente presente na sociedade brasileira, não nos esqueçamos da pesquisa realizada pelo IPEA, divulgada em 2014, "Tolerância social à violência contra as mulheres", na qual 58,5% dos entrevistados colocavam a culpa na vítima do estupro justificando que, se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros. 

Estupro: a vítima é a mulher!


Essa tentativa de livrar os homens da culpa é intolerável. Primeiro, a culpa nunca é da vítima; segundo, o estupro além de ser um crime hediondo, covarde e nojento, uma medonha bestialidade sob todos os aspectos, não tem e não pode ter justificativa; terceiro, casos de estupros às mulheres ocorrem nas mais diversas situações, ocorrem dentro de casa, da universidade, da escola, nos ambientes eclesiásticos, nas ruas, em bairro ricos, de classe média ou populares. Eles ocorrem independentemente do tipo de roupa que as mulheres estejam usando ou do comportamento delas. 

No ano de 2014, de acordo com o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram registrados 47.646 casos de estupros no Brasil. Mas esse número pode ser ainda mais aterrorizador se considerarmos a nota técnica "Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde", que sugere, a partir da pesquisa do IPEA já mencionada, que somente 10% dos casos são registrados e que haja anualmente 527 mil tentativas ou caso de estupros consumados no país, o que significa que os dados apresentados. Ainda segundo a nota técnica, 15% dos estupros são coletivos, ou seja, os casos acima estão longe de serem isolados (esses dados, aliás, já sofreram variações, contudo, são os que estão oficializados no estudo que ainda é o mais recente).

Agora sim, vamos ao caso


Como não sou especialista nos meandros jurídicos, fiz o que me é devido: pesquisei. Para explicar sobre o caso, o advogado e professor de Legislação Especial Leonardo Arpini comentou sobre o assunto. Conforme explicação do professor, neste caso, houve um erro de tipo. 
"Essa terminologia, estupro culposo, já está completamente equivocada"
explica.

Segundo o especialista, a única forma de punir os crimes de estupro são por forma exclusivamente dolosa.

Mas, no caso, o promotor de Justiça ventilou a tese de que houve um erro de tipo, em que se exclui o dolo e mantém a culpa. Porém, por se tratar de fato atípico, o indivíduo foi absolvido.
"Só pode punir alguém por crime culposo, se houver previsão em lei. O que não é o caso do crime de estupro"
explica. 
"Esse erro de tipo ventilado pelo promotor seria de que o agente não tinha consciência de que a vítima estava vulnerável e não tinha capacidade oferecer resistência".
No entanto, o especialista reforça que, como o processo corre em segredo de justiça e todas as informações apanhadas foram por meio de notícias veiculadas, não se sabe de fato o que baseou a sentença do magistrado.
"Nada disso faz com que o juiz de direito seja obrigado a absolver o agente criminoso por essa tese ventilada nos memoriais"
explica.

Segundo o professor, se o juiz de direito tivesse entendido que houve um crime de estupro de vulnerável, ele podia condenar o agente por estupro de vulnerável, sem precisar aceitar a tese do promotor.

No entanto, o advogado Arpini, além de discordar com a tese erguida pelo promotor, vê problemas, inclusive, no trecho da audiência que foi divulgada.

Audiência ou sessão de tortura moral e psicológica?


Outro problema sobre todo o caso do "estupro culposo" foi a audiência, que, na visão do especialista, teve vários pontos polêmicos.
"O pior de tudo não foi só a atitude do advogado, foi a atitude do magistrado que foi omisso em não cassar a palavra do advogado"
opina Arpini.

Segundo o professor Arpini, a atitude do advogado foi lamentável e que o magistrado devia intervir. Ele lembrou que o magistrado tem o poder de polícia e pode cassar a fala do advogado.

O caso concreto do "estupro culposo"


Segundo informações divulgadas pela mídia, o fato pela visão da Mari Ferrer foi de que ela foi dopada e seu corpo foi violado. Já o acusado ofereceu outra teoria, de que teria realizado somente sexo oral de forma consensual.

Inicialmente, o primeiro promotor ofereceu denúncia por estupro de vulnerável, mas ele foi promovido e o mais recente promotor, nos memoriais, ventilou a tese de erro de tipo. 

O MP-SC lamenta a difusão de informações equivocadas, com erros jurídicos graves, que induzem a sociedade a acreditar que em algum momento fosse possível defender a inocência de um réu com base num tipo penal inexistente.

O Ministério Público de Santa Catarina afirmou, nesta terça-feira (3/11), que não requereu a absolvição do empresário André de Camargo Aranha com base no argumento de que ele praticou “estupro culposo” contra a influencer Mariana Borges Ferreira, conhecida como Mariana Ferrer. Na alegações finais do processo, a promotoria também não usa o termo. 

O pedido para que Aranha seja inocentado é fundamentado na falta de provas sobre eventual dolo em sua conduta. Sem isso, não há o crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A, parágrafo 1º, do Código Penal). Leia abaixo na íntegra a nota oficial do MP-SC.
"A 23ª Promotoria de Justiça da Capital, que atuou no caso, reafirma que combate de forma rigorosa a prática de atos de violência ou abuso sexual, tanto é que ofereceu denúncia criminal em busca da formação de elementos de prova em prol da verdade. Todavia, no caso concreto, após a produção de inúmeras provas, não foi possível a comprovação da prática de crime por parte do acusado.

Cabe ao Ministério Público, na condição de guardião dos direitos e deveres constitucionais, requerer o encaminhamento tecnicamente adequado para aquilo que consta no processo, independentemente da condição de autor ou vítima. Neste caso, a prova dos autos não demonstrou relação sexual sem que uma das partes tivesse o necessário discernimento dos fatos ou capacidade de oferecer resistência, ou, ainda, que a outra parte tivesse conhecimento dessa situação, pressupostos para a configuração de crime.

Portanto, a manifestação pela absolvição do acusado por parte do Promotor de Justiça não foi fundamentada na tese de "estupro culposo", até porque tal tipo penal inexiste no ordenamento jurídico brasileiro. O réu acabou sendo absolvido na Justiça de primeiro grau por falta de provas de estupro de vulnerável.

O Ministério Público também lamenta a postura do advogado do réu durante a audiência criminal, que não se coaduna com a conduta que se espera dos profissionais do Direito envolvidos em processos tão sensíveis e difíceis às vítimas, e ressalta a importância de a conduta ser devidamente apurada pela OAB pelos seus canais competentes.

Salienta-se, ainda, que o Promotor de Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo. 

A 3ª Vara Criminal de Florianópolis absolveu Aranha, com base no princípio in dubio pro reo, por entender que a acusação de estupro só foi baseada nos relatos de Mariana e sua mãe. O juiz Rudson Marcos afirmou que não ficou provado que a influencer estava alcoolizada ou sob efeito de droga a ponto de ser considerada vulnerável e não consentir com o ato sexual por não ter capacidade de oferecer resistência."

Os fatos X os fakes


O site The Intercept Brasil afirmou, em reportagem publicada nesta terça, que o promotor do caso, Thiago Carriço de Oliveira, pediu, e o juiz aceitou, a absolvição de Aranha pelo fato de ele ter cometido "estupro culposo".
"Segundo o promotor responsável pelo caso, não havia como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo portanto 'intenção' de estuprar. Por isso, o juiz aceitou a argumentação de que ele cometeu 'estupro culposo', um 'crime' não previsto por lei. Como ninguém pode ser condenado por um crime que não existe, Aranha foi absolvido"
disse o texto do Intercept.

Mas, como vimos na nota acima, o MP-SC afirmou, que 
"não é verdadeira a informação de que o promotor de Justiça manifestou-se pela absolvição de réu por ter cometido 'estupro culposo', tipo penal que não existe no ordenamento jurídico brasileiro".

Expressão ausente


Ainda de acordo com o MP-SC, as alegações finais do processo, oferecidas em 10 de agosto, o promotor Thiago Oliveira também não pede a absolvição do empresário com base na alegação de que ele teria praticado "estupro culposo", e sim com o fundamentado de que não ficou provado que ele agiu com dolo. Sem isso, não há crime, analisou.

O integrante do MP-SC disse que Mariana Ferrer, logo antes do ato, 
"estava com vestes ajeitadas, de pé, conseguia caminhar sem socorro, não apresentava troca de palavras e, portanto, não aparentava estar incapaz de resistir ao interesse do acusado".
Dessa maneira, ressaltou Oliveira, não há indicação de que Aranha agiu com dolo — isto é, com consciência de eventual vulnerabilidade da influencer. Assim, destacou, não é razoável presumir que o empresário soubesse ou devesse saber que a mulher não desejava a relação sexual.

Nesse cenário, segundo o membro do MP-SC, deve ser aplicado o erro de tipo essencial (artigo 20 do Código Penal). Em tal situação, há a exclusão do dolo do agente, embora exista a possibilidade de condenação por conduta culposa. No entanto, o estupro de vulnerável só admite a modalidade dolosa, e não a culposa, apontou Oliveira. Portanto, se o suspeito não agiu com dolo, não há crime.

Ainda de acordo com o que consta nos autos, se houve recusa de Mariana, foi após a relação, quando ela disse, em mensagem enviada para uma amiga, que não queria "esse boy" ou quando, já em casa, disse não ter consentido em praticar qualquer tipo de ato sexual, ponderou o promotor.
"Desse modo, não obstante haja a comprovação da ocorrência de conjunção carnal e de atos libidinosos, não há, nos autos, qualquer comprovação de que o acusado tinha conhecimento ou deu origem à suposta incapacidade da vítima para resistir a sua investida".

Relatos de testemunhas


Ainda de acordo com os especialistas (não se trata de uma opinião pessoal minha) o juiz Rudson Marcos também não fundamentou a absolvição de André Aranha na tese de que ele cometeu "estupro culposo".

Na sentença, o juiz afirmou que, para a configuração do estupro de vulnerável, é necessário que a vítima não tenha condições físicas ou psicológicas de oferecer resistência à investida sexual e que haja dolo na conduta do agressor e ciência da vulnerabilidade do alvo.

O julgador mencionou trecho do livro Direito Penal esquematizado, volume 3: parte especial, artigos 213 ao 359-H (Método), de Cleber Masson. Na passagem, Masson diz que a vulnerabilidade tem natureza objetiva. Dessa maneira, a pessoa é ou não vulnerável se reunir ou não as peculiaridades indicadas pelo caput (ser menor de 14 anos) ou pelo parágrafo 1º ("alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência") do artigo 217-A do Código Penal.

Entretanto, Masson deixa claro que nada impede a incidência, quanto a estupro de vulnerável, do erro do tipo, descrito no artigo 20, caput, do Código Penal. O dispositivo tem a seguinte redação: 
"O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei".
Para o especialista, o erro do tipo não se confunde com a existência ou não da vulnerabilidade da vítima. 
"Como não foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulnerável, o fato é atípico"
diz Masson na passagem citada pelo juiz.

Rudson Marcos apontou que não ficou provado que Mariana Ferrer estava alcoolizada ou sob efeito de droga a ponto de ser considerada vulnerável e não consentir com o ato sexual por não ter capacidade de oferecer resistência.

Marcos destacou que os exames de alcoolemia e toxicológico apresentaram resultado negativo. O juiz também citou que a única testemunha que corroborou a versão de Mariana foi a sua mãe.
"Em que pesem tais relatos, fato é que as testemunhas que estavam na companhia da vítima afirmaram que esta estava consciente durante o período que tiveram contato com a mesma, um 'pouco alegre', mas nada demais, nada que demonstrasse estado de inconsciência ou incapacidade, nem mesmo foram alertados pela ofendida de que havia sido violentada"
avaliou o julgador.

Os relatos de Mariana e sua mãe não permitem concluir que Aranha praticou estupro, avaliou o juiz. Em sua visão, não há outras provas que embasem a versão de que ela não tinha capacidade para consentir com o ato sexual.
"Sendo assim, a meu sentir, o relato da vítima não se reveste de suficiente segurança ou verossimilhança para autorizar a condenação do acusado. Em que pese seja de sabença que a jurisprudência pátria é dominante no sentido de validar os relatos da vítima, como prova preponderante para embasar a condenação em delitos contra a dignidade sexual, nos quais a prova oral deve receber validade maior, constata-se também que dito testemunho precisa ser corroborado por outros elementos de prova, o que não se constata nos autos em tela, pois a versão da vítima deixa dúvidas que não lograram ser dirimidas"
analisou Marcos.

Como as provas são conflitantes, não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois 
"melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente"
declarou o juiz ao inocentar Aranha com base no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal ("não existir prova suficiente para a condenação").

Conclusão


A cultura do estupro, como um subproduto do patriarcado, não terá fim enquanto a culpa for colocada na mulher; não houver punição para os estupradores; tivermos representantes do alto judiciário conivente com o estupro e com o estuprador. Precisamos acabar com a cultura do estupro e com a cultura da violência contra as mulheres e podemos começar com a educação, um processo mais longo, sei, porém com resultados mais sólidos. 

Mas a educação deve ser de outro tipo. Precisamos de uma educação que ensine para os meninos, desde crianças, que o corpo da mulher não é objeto, que ele não existe para ser violado e para ser agredido. Precisamos de uma educação onde o respeito ao outro seja ensinado. Precisamos de uma educação mais amorosa.

Isto posto, enfim, sobre o caso em questão, de acordo com o posicionamento de especialistas jurídicos acima, o que se questiona e o que deve ser levado em conta, NÃO É a notícia veiculada pelo site Intercept, que já se provou, inclusive com uma nota pública do próprio, tratar-se de uma fake news — ou seja, o réu não foi inocentado com base na inexistente sentença de "Estupro Culposo", mas sim por não ter havido provas suficientes para sua condenação — e sim a conduta omissa do magistrado, do promotor e do advogado de defesa em relação à maneira agressiva, sexista, misógina, desrespeitosa e humilhante com a qual o advogado de defesa do réu tratou a suposta vítima, expondo-a a uma inadmissível e absurda tortura moral durante a audiência. 

Esse caso, que certamente ainda vai dar muito pano para mangas (celebridades e anônimos já estão se manifestando e tem até protestos já marcados), mais uma vez, nos alerta para a importância de procurarmos nos inteirar dos fatos, pesquisando, checando fontes, antes de formar opiniões baseadas apenas em títulos tendenciosos de matérias espetaculosas, sem o devido compromisso com a informação da verdade. Foi o que fiz para confecção do texto deste artigo.

[Fonte: Conjur, por Sérgio Rodas correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro. Le Monde Diplomatique Brasil, por Vânia dos Santos Silva é pesquisadora de Estudos Clássicos na Universidade de Coimbra. E-mail: vania21santos@gmail.com.]

A Deus toda glória. 
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade. 
E nem 1% religioso. 
O uso correto da máscara não precisava ser obrigatório, por se tratar de uma proteção individual extensiva ao coletivo. É tudo uma questão não de obrigação, mas de consciência.
Respeite a etiqueta e o distanciamento sociais e evite aglomerações. A pandemia não passou, a guerra não acabou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário