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quinta-feira, 4 de junho de 2020

ESPECIAL — ZUMBI DOS PALMARES: A HISTÓRIA QUE A HISTÓRIA NÃO CONTA

Os acontecimentos dos últimos dias nos EUA, com violentos protestos anti raciais e (ao menos ditos) anti faticistas, iniciados desde a morte do ex atleta e segurança George Floyd, por quatro policiais brancos, na cidade de Minneapolis, no estado de Minnesota, ocorrido na segunda-feira (25/05/2020), que vem se alastrando por todo o país, deu também início a outras manifestações e trouxeram novamente à pauta a discussão sobre um problema que há séculos se arrasta, inclusive, aqui no Brasil: o racismo.

Além de debates acalorados, polêmicas que vão e vêm, militantes "ressuscitaram" novamente a história de um emblemático personagem brasileiro: Zumbi dos Palmares. Mas, será que ele foi mesmo tão herói assim como tantos ainda insistem em afirmar? O fato é que muitos fazem menção a Zumbi por puro eco, sem sequer saber mesmo ao certo o que e quem ele foi ou deixou de ser.

Mito, pode ser; herói, há controvérsias


Zumbi dos Palmares – Patrono geral | Blog da Academia de Cultura ...
O dia 20 de novembro, incluído no calendário escolar pela Lei 10.639 como o Dia Nacional da Consciência Negra, tem um significado especial para todos os brasileiros, negros ou brancos, que reverenciam Zumbi (✩1655?/✞1695) como o herói que lutou pela liberdade, pois foi neste dia, no ano de 1695, que morreu o último líder do Quilombo dos Palmares. 

O problema é que, de acordo com historiadores, esse mito criado em torno de Zumbi e a intenção de transformar a data de sua morte em uma data cívica baseiam-se em inverdades. A maior delas é que Zumbi lutou pela abolição da escravidão.

Sem dúvida alguma, Zumbi e outros quilombolas desejavam a liberdade, mas apenas a liberdade individual, eles jamais tiveram a pretensão de extinguir a escravidão. Pelo contrário, por mais estranho que possa parecer, a escravidão também existia dentro de Palmares. 

Paradoxo histórico


Há registros da época que mencionam a existência de escravos em Palmares. Segundo esses registros, esses escravos eram homens sequestrados pelos quilombolas e obrigados a trabalhar nas plantações. Era comum que um liberto quisesse ter seus próprios escravos. 

Ou seja, o mesmo escravo que sonhava com a própria liberdade não hesitaria em ter seus próprios escravos se o pudesse. O fato em si não causa surpresa se considerarmos que a escravidão já existia nas sociedades africanas antes mesmo da chegada dos portugueses na África, especialmente nos reinos do Congo e de Angola, locais de origem de grande parte dos quilombolas e de seus antepassados. 

Mas atenção: o fato de que a escravidão já existisse na África não justifica o tráfico de escravos africanos praticado por portugueses e outros europeus. Por outro lado, foi um dos fatores que facilitou o crescimento desse tráfico.

Suicídio ou assassinato? 


No primeiro ataque, em 1692, o exército de Domingos Jorge Velho (✩1641/✞1705) foi derrotado. Percebendo que não seria fácil derrotar os quilombolas, o bandeirante exigiu que as autoridades enviassem mais armas e munições. 

Milhares de homens foram recrutados em todas as capitanias do Nordeste para fazer parte do exército que atacaria Palmares. Assim, em 6 de fevereiro de 1694, o principal dos quilombos de Palmares foi atacado pelo exército comandado por Domingos Jorge Velho. Os quilombolas resistiram, mas acabaram derrotados. 

Zumbi, apesar de ferido, conseguiu fugir e resistiu por vários meses, organizando ataques contra os senhores de engenho. No entanto, Antônio Soares, um homem da confiança de Zumbi foi capturado e após ser torturado revelou o esconderijo de seu líder. 

Após a descoberta do esconderijo, Zumbi sofreu uma emboscada e morreu no dia 20 de novembro de 1695. As circunstâncias de sua morte ainda são objeto de debate: para uns, foi suicídio, para outros, foi assassinato. De qualquer modo, a cabeça de Zumbi foi cortada e levada para o Recife, onde foi colocada em um poste. 

Era uma forma de as autoridades desencorajarem novas tentativas de fuga e de acabar com os boatos de que Zumbi era "imortal". Morria o homem e surgia o mito. Um mito tão forte, que, nos dias de hoje, parte da comunidade negra do Brasil escolheu a data da morte de Zumbi, 20 de novembro, para comemorar o Dia da Consciência Negra. A data foi transformada em feriado em algumas cidades brasileiras.

Zumbi, senhor de escravos?


Zumbi dos Palmares não era um herói. Era um dono de escravos. É assim que a história do Brasil deveria ser ensinada segundo o jornalista Leandro Narloch. Ele abre seu "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil" (Editora Leya) com um manifesto pedindo por uma novela sem mocinhos, menos maniqueísta, onde não seja tão fácil enxergar sempre um coitadinho de um lado, um vilão de outro. Uma história, enfim, menos politicamente correta.

A revista Galileu teve acesso exclusivo aos originais do livro, selecionou alguns capítulos e convidou especialistas para comentar e rebater. Houve quem simplesmente preferisse atirar o livro pela janela. Nada mal. É uma obra feita para criar polêmica, gerar debate, arranhar certezas.

Amparado em três anos de pesquisas e na consulta de mais de uma centena de dissertações, livros e especialistas, o escritor abriu a porta para trabalhos mais recentes, que revisam muito do que você foi levado a acreditar sobre a formação da nação, tipo um lado B do Brasil.

O que ensina a história 


Conforme vimos acima, a história ensina que Zumbi dos Palmares conduziu uma das revoltas de escravos mais importantes da América, tornando-o um herói tão grande que merece que o Dia da Consciência Negra seja celebrado no aniversário de sua morte. Instituição das mais execráveis da História, a escravidão era constituída de brancos colocando negros em navios e vendendo-os a outros brancos.

Entretanto, segundo o "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil", não é bem assim porque, mesmo sendo, sem dúvida alguma, a instituição das mais execráveis da história, a escravidão contou com a colaboração dos negros. As coisas não são tão convenientemente em preto-e-branco quanto a militância política ou as novelas de época fazem parecer. Como acontecia na América, os escravos eram fruto das guerras entre clãs, tribos e nações africanas.

E as relações com esses senhores de escravos iam muito além do mero contato comercial. Nobres escravocratas africanos acabavam exilados ou vinham estudar no Brasil. O rei nigeriano Kosoko (✩1904/✞1872), por exemplo, mandou três de seus filhos em viagem à Bahia — eles voltaram em 1850 rebatizados como Lourenço, Simplício e Camilo. Esses "empresários", enriquecidos em seus negócios com os europeus, lutaram contra o fim da escravidão ao longo do século 19.

Ainda que evidentemente cada escravo detestasse a própria escravidão, dificilmente viam problemas na escravidão dos outros. Um certo Zé Alfaiate, por exemplo, foi alforriado no Brasil em 1830 e se tornou um célebre traficante na África anos seguintes. E isso não era uma exceção. 
"No vilarejo de São Gonçalo dos Campos, pardos e negros alforriados tinham 29,8% de todos os cativos. Em Santiago do Iguape, 46,5% dos escravos eram propriedade de negros, que, diante dos brancos, eram minoria da população livre"
diz o "Guia...".

Ninguém encarnou melhor essa dubiedade que o próprio quilombo dos Palmares e seu líder. Como vimos, Zumbi foi executado por resistir à aniquilação pelos portugueses em 1694. Palmares era terra de bravos, mas estava longe de ser um enclave de liberdade moderna num mundo de escravidão colonial. Era mais uma vila africana como aquelas onde os traficantes compravam sua carga. 

Sim, a sociedade de Palmares tinha escravos negros  quando faziam uma incursão para atacar uma fazenda, os cativos não eram libertados, eram capturados para servir ao quilombo. Apenas ex-escravos que chegassem lá por seus próprios meios eram mantidos livres  mas não podiam ir embora, ou seriam perseguidos por capitães-do-mato do próprio quilombo. Isso em hipótese alguma livra os europeus da culpa de terem comprado e lucrado com o tráfico humano, mas a escravidão não foi inventada por eles. 

O Quilombo dos Palmares: seus fatos e suas controvérsias


Conhecer e confrontar essas interpretações é o que possibilita a reconstrução da História e a (re)nomeação dos papéis desempenhados pelos afrodescendentes e também por outros grupos excluídos das esferas mais favorecidas da vida social. 

Os estudos contemporâneos (em áreas como a Literatura Comparada e os Estudos Culturais) têm demonstrado uma grande preocupação com estes temas, em particular com as questões dos afrodescendentes, colaborando para valorizar suas realizações sociais e culturais. 

O que se pretende com estes estudos é contribuir para uma leitura da presença dos afrodescendentes no contexto da sociedade brasileira, estimulando a maturação de uma consciência crítica. O negro foi escravizado sim, mas não se curvou. As lutas contra a dominação e a resistência geraram muitas vozes que foram se erguendo. 

A injustiça e a incompreensão formaram homens, guerreiros, capazes de lutar contra tudo de indigno que havia na escravidão e recuperar a liberdade. Zumbi, juntamente com outros representantes da coletividade negra, durante o período escravista brasileiro, empenhou-se na luta contra a opressão do sistema que impunha o trabalho compulsório aos africanos e seus descendentes. 

Palmares tem sido motivo de grande atenção e produção de muitos trabalhos, registrados em crônicas, na historiografia, na música popular, na prosa de ficção, na poesia, nas artes plásticas e nas pesquisas arqueológicas. Este tema é clássico, sempre revisitado no estudo sobre quilombos, e Zumbi é o grande líder palmarino que se tornou um símbolo de resistência. 

A produção cultural sobre este quilombo, especificamente, é vasta e diversa, reflete a riqueza das pesquisas e a multiplicidade artística decorrente deste fato histórico. Os escritos sobre esse tema ocorrem na literatura brasileira através do olhar de diversas vozes, dentre elas, Leda Maria de Albuquerque Noronha, autora da narrativa: "Zumbi dos Palmares", publicada pela primeira vez em 1944 pela editora Leitura, do Rio de Janeiro. 

Este livro é belissimamente ilustrado por Noêmia Mourão Moacyr, fato que possibilitou uma relação entre texto e imagem valorizando e enriquecendo ainda mais esta obra

É comum na historiografia atribuir a origem de Palmares à fuga de 40 escravos de um engenho próximos à costa alagoana que partiram em direção à mata mais fechada repleta de palmeiras. Isto é correto, mas, além disto, a origem do quilombo dos Palmares possui um contexto ainda mais abrangente que é o contexto da produção, distribuição e consumo do açúcar (O “Ouro Branco”). 

O Brasil do tempo da origem do Quilombo dos Palmares era uma colônia exportadora de açúcar, o segundo grande ciclo econômico do País, depois da madeira. O objetivo dos povos Ibéricos e Holandeses que exploraram a região era único. 

Encontrar meios de aumentar a produção, utilizar para isto a mão-de-obra escrava (indígena e africana), facilitar a distribuição e o transporte, utilizar para isto engenhos (isto é, fábricas com motrizes processadoras de açúcar) próximos das regiões onde seria escoado o produto de onde era levado para a Europa. 

Para esta distribuição os locais mais próximos geograficamente da Europa que ao mesmo tempo tinham a regularidade das chuvas, o clima e solo propício para o cultivo da cana-de-açúcar era o nordeste brasileiro e seu massapê (a fértil “terra escura”)  sendo Pernambuco o principal centros produtor no período do pernambucano Zumbi. Os quilombos não são tão isolados como podemos imaginar. 

Sabemos disto hoje graças a novas análises dos registos históricos, eles tinham um enorme penetração e comunicatividade nas áreas urbanas. As notícias dos quilombos corriam facilmente para as áreas onde haviam ainda escravizados e vice-versa. A existência dos quilombos, esta promessa de vida livre, estimulavam aqueles que ainda estavam sofrendo no cativeiro. 

A esmagadora maioria dos escravos de Pernambuco da época estavam ligados ao ciclo do açúcar. Uns trabalhavam na plantação e extração da cana (nos chamados canaviais), outros trabalhavam no processamento (nos engenhos) e no transporte (carregamento dos navios); e ainda outros trabalhavam para manter este sistema funcionando: toda série de trabalhadores braçais que exigia a sociedade rural e urbana tais como os produtores rurais, capatazes, os mestres de ofícios, artesãos produtores de utensílios, barqueiros pescadores, pastores, oleiros, mensageiros, tecelões, ferreiros que se encarregavam do trabalho no ferro, cobre etc.; havia ainda os escravos de ganho (vendedores ambulantes) e, em especial, as mucamas (mulheres encarregadas do trabalho doméstico, parteiras, não raro também trabalhavam como escravas sexuais ou como amas-de-leite e como cuidadoras das crianças dos seus senhores). 

As ONGs procuram mitificar a história do Quilombo dos Palmares, apresentando-o como um refúgio de liberdade do negro perseguido. A realidade histórica, entretanto, difere bastante dessa criação legendária. Na verdade, o referido quilombo espalhava terror, mesmo entre muitos negros.

O historiador José de Souza Martins denuncia a mistificação do Quilombo dos Palmares ao denunciar a existência da escravidão dentro dele: 
"Os escravos que se recusavam a fugir das fazendas e ir para os quilombos eram capturados e convertidos em cativos dos quilombos. A luta de Palmares não era contra a iniquidade desumanizadora da escravidão. 
Era apenas recusa da escravidão própria, mas não da escravidão alheia. As etnias de que procederam os escravos negros do Brasil praticavam e praticam a escravidão ainda hoje, na África. Não raro capturavam seus iguais para vendê-los aos traficantes. Ainda o fazem. 
Não faz muito tempo, os bantos, do mesmo grupo linguístico de que procede Zumbi, foram denunciados na ONU por escravizarem pigmeus nos Camarões" (José de Souza Martins, Divisões Perigosas, Ed. Civilização Brasileira, Rio, 2007, p. 99).
Faz parte da propaganda de certos movimentos negros exaltar a figura de Zumbi como libertador dos escravos. Ora, a ascensão dele se deu após o assassinato do tio: 
"Depois de feitas as pazes em 1678, os negros mataram o rei Ganga-Zumba, envenenando-o, e Zumbi assumiu o governo e o comando-em-chefe do Quilombo" (Edison Carneiro, "O Quilombo dos Palmares", Ed. Civilização Brasileira, 3a ed., Rio, 1966, p. 35).
Carneiro confirma o governo despótico de Zumbi: 
"Nina Rodrigues esclarece que nos Palmares havia ‘um governo central despótico’ semelhante aos da África na ocasião" (idem, p. 4).
Não havia liberdade para sair: 
"Se algum escravo fugia dos Palmares, eram enviados negros no seu encalço e, se capturado, era executado pela ‘severa justiça’ do quilombo" (idem, p. 4).
Zumbi rompeu as pazes e espalhou o terror. Tais eram as devastações que os quilombolas espalhavam em torno de si que a pedido da população circunvizinha foram organizadas as expedições armadas das quais resultou a sua destruição de Palmares.

Décio Freitas, autor do livro "Palmares — A Guerra dos Escravos", em entrevista para a "Folha de S. Paulo", confessou que depois das pesquisas, 
"ele tem hoje uma visão diferente do líder negro Zumbi. ‘Acho que, se ele tivesse sido menos radical e mais diplomático, como foi seu tio Ganga-Zumba, teria possivelmente alterado os rumos da escravidão no Brasil (http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/zumbi_17.htm)".

Conclusão


Enfim, o fato é que Zumbi não tinha pretensões de libertar os escravos — maior mercadoria da África  e mantinha os costumes ali vigentes pelos quais algumas etnias escravizavam os seus inimigos.

Os portugueses, na maior parte das vezes, não capturavam os escravos, mas os compravam das tribos africanas. Até hoje a escravidão é praticada em várias regiões da África. Zumbi mantinha escravos de tribos inimigas para os trabalhos do quilombo.   
  • Registre-se: como negro, afrodescendente, minha intenção com este artigo, NÃO É, em absoluto, minimizar o quão hediondo foi o período dos quase 400 anos de escravatura no Brasil, que, ao menos na teoria, terminou no dia 13 de maio de 1822, por meio da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel (✩1846/✞1921) e/ou tampouco as lutas dos movimentos contra o racismo, que, dadas as devidas proporções, são inquestionavelmente legítimas, plausíveis, mas sim, propor uma análise real dos contextos históricos, sem romantização, a criação de heróis, acréscimos ou decréscimos para beneficiar um lado ou outro.
[Fonte: Museu Afrobrasil; Instituto Plínio Corrêa de Oliveira (IPCO), por Revolução Quilombola, Guerra racial, Confisco agrário e urbano, Coletivismo, Nelson Ramos Barretto, Editora Artpress, SP, 2009, pp. 106-108; Brasil Escola, por Túlio Vilela; Revista Galileu, por Fábio Marton]

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