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terça-feira, 29 de maio de 2018

GREVE: O CRISTÃO ENTRE A LICITUDE E A CONVENIÊNCIA




Numa situação econômica e moral como a que o nosso país se encontra as greves parecem brotar do chão por todos os lados. São inúmeras as reclamações e paralisações por motivos diversos. E claro, nós cristãos estamos inseridos nesses contextos. Seria relevante pararmos pra pensar em como o cristão deve se relacionar com essas greves? Muitos diriam que não. Creio que muitos achem um assunto tão "normal" que isso não tem implicações religiosas e/ou espirituais. Mas vamos pensar diferente. Vale a reflexão…

Tudo me é lícito...


Esse é um assunto complexo, pois envolve pessoas e situações muito diferentes, além de dor, sofrimento e injustiça. Do ponto de vista legal, a pessoa tem o direito de se envolver em greves, especialmente se as condições de trabalho ou de salário são desfavoráveis. Mas esta seria, realmente, a melhor atitude para um cristão? A Bíblia não fala sobre greves, como as que conhecemos hoje. Ela recomenda o amor como resposta à injustiça e a oração como instrumento de justiça social (Mateus 5:44; Lucas 6:27).

Creio que muitos ainda coloquem assuntos como esse no campo do secular, ou seja, sem envolvimento com o meu eu religioso/espiritual. É assim mesmo? Penso que não. Claro que não. Como seres e cristãos integrais, vejo nossa ética cristã (bíblica) adentrando e transformando nosso comportamento em todas as esferas da vida, principalmente no trabalho. Por isso quero fazer algumas considerações breves sobre a ética cristã e as greves. 

Cristãos podem participar?


Não tenho o objetivo (e nem a pretensão) de fechar o assunto e oferecer uma resposta universal e encerrada. As situações e contextos são muito diferentes, mas creio que podemos chegar ao bom senso cristão comum, digamos assim. Não vou apoiar nenhum extremo, nem o de que toda greve é pecaminosa e muito menos o de que toda greve é conveniente. Vamos lá! A primeira coisa que devemos lembrar é que nem toda greve é ilegal. Vejamos o que diz a "lei da greve" ou Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989.
  • "Art. 1º - É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
  • Art. 2º - Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.
  • Art. 3º - Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho (grifos meus)."
Essa lei possui 19 artigos reguladores das greves, mas somente esses três já no servem como um grande filtro de ética. Ainda nem estou na Escritura Sagrada, mas já posso afirmar que se a greve em questão não for pacífica nenhum cristão deve participar. É crime segundo a lei brasileira e segundo a lei de Deus. Segundo, se a greve começou sem nenhuma tentativa de resolução do problema por vias normais nenhum cristão deve participar. A greve é um último recurso que deve ser evitado, não um atalho para resolver logo qualquer tipo de problema.

...Mas nem tudo me convém!


Se analisarmos a legalidade das greves veremos que muitas delas fogem dos princípios reguladores do Estado Brasileiro. Portanto, nós já deveríamos estar com a pulga atrás da orelha com qualquer tipo de greve em nosso contexto. Mas digamos que seja uma greve lícita, como descrita na lei. Devemos participar? Vejamos o que diz a Bíblia.

Devemos honrar e obedecer nossos patrões


O texto de Efésios 6 deixa isso claro quando se refere ao escravo e o seu senhor. Devemos lembrar [e, por favor, enfatize-se isso] que a escravidão naquele tempo e cultura não é a mesma que a do nosso Brasil colonial. Podemos mais facilmente aplicar esse princípio ao nosso trabalho hoje.
"Escravos, obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e temor, com sinceridade de coração, como a Cristo. Obedeçam-lhes não apenas para agradá-los quando eles os observam, mas como escravos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus. Sirvam aos seus senhores de boa vontade, como ao Senhor, e não aos homens, porque vocês sabem que o Senhor recompensará a cada um pelo bem que praticar, seja escravo, seja livre" (Efésios 6:5-8, grifo meu).
Cristãos estão em pecado quando participam ou iniciam greves em que o princípio da obediência e da honra estão sendo quebrados. Não participe de greves que se iniciaram por debaixo dos panos, nem aquelas que têm como objetivo apenas prejudicar os patrões. Não participe desses atos de rebeldia. Procure saber se o patrão já foi procurado para resolução dos conflitos e se ele sabe a respeito do problema e da greve. Procure saber a motivação real de quem está liderando o movimento.

Devemos honrar a nossa palavra


Devemos honrar a nossa palavra e o contrato que assinamos: Aprendemos que a palavra de um cristão precisa ser direta e verdadeira como um "sim" e um "não". A parábola dos trabalhadores na vinha serve de grande exemplo para o contexto das greves. Nela vemos que, independente do contexto e desigualdades, precisamos manter nossa palavra e contrato. Aconteceu que o dono da vinha pagou o mesmo salário aos trabalhadores que trabalharam em cargas horárias diferentes. Quando o questionamento sobre a injustiça se levantou eis a resposta do dono:
"Mas ele respondeu a um deles: 'Amigo, não estou sendo injusto com você. Você não concordou em trabalhar por um denário? Receba o que é seu e vá. Eu quero dar ao que foi contratado por último o mesmo que lhe dei. Não tenho o direito de fazer o que quero com o meu dinheiro? Ou você está com inveja porque sou generoso?'" (Mateus 20:13-15)
Não aproveite a greve para sair ganhando em cima de alguém. Não entre em algum movimento que contradiz sua palavra. Aquilo que você aceitou deve guiar seu procedimento. Não se importe se fulano entrou ganhando mais, trabalhe pelo que você assinou em seu contrato. Se estiver precisando de um aumento, peça, se não for possível procure outro emprego, mas não use da greve para burlar sua própria palavra de crente. Você está querendo participar de uma greve que luta contra aquilo que você mesmo acertou com seu patrão? Pare agora!

O comentário de Calvino sobre o oitavo mandamento (não furtarás) é muito esclarecedor:
"Além disso, transgressão deste mandamento não é só prejudicar alguém quanto a dinheiro, comércio ou direito de propriedade, mas também quanto ao não atendimento a qualquer dever nosso e a qualquer direito do próximo. Porque tanto defraudamos o nosso próximo usurpando os seus bens como lhe negando os serviços que lhe devemos prestar. 
Assim, se um procurador ou mordomo ou administrador, em vez de zelar dos bens entregues aos seus cuidados, viver na ociosidade, sem se preocupar com o seu dever de procurar o bem daquele que lhe dá o sustento; se desperdiçar ou empregar mal o que lhe foi confiado, ou o gastar em coisas supérfluas; se o empregado zombar do seu chefe ou patrão, se divulgar os seus segredos, ou se planejar algo contra os bens dele ou contra a sua reputação ou contra a sua vida [Romanos 13; 1 Pedro 2; Tito 3]; se, por outro lado, o chefe ou patrão ou pai tratar desumanamente os seus subordinados ou a sua família, para Deus é um ladrão. 
Porque, aquele que não pratica o que a sua vocação o manda fazer pelos outros, com isso retém o que pertence a outros" (As Institutas da Religião Cristã).
Se você não estiver recebendo o que foi acertado o caso é outro. Você pode tomar as providências e, quem sabe, depois de passar pelo filtro cristão, participar de uma greve.

Cuidado com o seu coração


Por último e não menos importante (o mais importante), sonde o seu coração. Ore pedindo a Deus que revele o seu desejo pela greve. Se você está pensando nessa possibilidade pelo aumento salarial, cuidado. A ganância pode ser o real motivo. Muitos participam da greve com o interesse apenas de aumentar seus padrões de vida ou ganhar mais vantagens que o deixem em situação de mais conforto. Muitos estão motivados pela preguiça. Fuja disso! O texto de 1 Timóteo 6 encerra esse meu argumento com uma bela definição da relação do indivíduo piedoso e o dinheiro:
"De fato, a piedade com contentamento é grande fonte de lucro, pois nada trouxemos para este mundo e dele nada podemos levar; por isso, tendo o que comer e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos. 
Os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição, pois o amor ao dinheiro é raiz de todos os males. 
Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram a si mesmas com muitos sofrimentos. Você, porém, homem de Deus, fuja de tudo isso e busque a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança e a mansidão" (1 Timóteo 6:6-11, grifos meus).

Análise social


Um dos graves problemas da nossa sociedade é a ausência de espaço para associações voluntárias. Isso torna o Brasil bastante "monocromático". Por que precisamos de mais "cor"? Sabendo que não pode viver só, o ser humano tem formado grupos e associações desde os primórdios, criando ambientes para facilitar o intercâmbio daquilo que julga ser necessário a uma vida de qualidade . Contudo, devido a vários problemas ligados ao caráter estatísta e paternalista do nosso desenvolvimento histórico, temos hoje pouca diversidade de associações, e uma sociedade organizada em "grandes blocos".

Um exemplo claro é o efeito de diversas leis trabalhistas modernas nas nossas associações profissionais e de classe. O resultado hoje é o favorecimento, por essas regulações, aos grupos sindicais bem articulados na barganha coletiva e, em vários casos, bem sucedidos na monopolização de representação trabalhista. Essa concentração que favorece esses "grandes bloco" não reflete um mercado de trabalho livre e desregulado, e sim um ambiente pesadamente regulado, que "expulsa" ou "desencoraja" arranjos alternativos.

Conclusão


Assim, para término de conversa, uma greve não violenta, que não violasse a ética cristã (incluindo a ofensa aos direitos de propriedade e de contrato), poderia ser um ponto de partida abstrato para se pensar a "greve justa". Como dever geral, o cristão deveria cumprir o que prometeu em contrato de trabalho, da mesma forma que deveria respeitar a vida alheia. 

Porém, se aceitamos o princípio de legítima defesa no caso de agressão sofrida, também devemos considerar o caso da agressão sofrida por parte do empregador. Mas como, especificamente? É claro que existem mecanismos legais e governamentais para lidar com isso, mas será que haveria também espaço para uma "greve justa" tratar da questão? Essa é uma pergunta que uma teoria da "greve justa" deveria responder.

Na prática, porém, é difícil pensar em como isso deve ser aplicado, uma vez que há pouco espaço em nossa sociedade "monocromática" para organizações trabalhistas, cooperativas ou sindicatos que se pautem por princípios da ética cristã. Quando esse tipo de coisa existir (se ainda não existe), ela deverá levar em consideração a possibilidade de uma maneira mais criativa e moralmente aceitável de ação coletiva. No momento, é mais simples incentivar a reflexão normativa em cada ramo profissional, além da defesa aos fracos quando há injustiça na relação de trabalho.

Procure saber quais organizações servem de apoio aos cristãos na sua área de atuação. Quem sabe você poderá ajudar de alguma forma, ou receber algum fruto da atuação dessas organizações. Procure saber se existe algum grupo cristão que se dispõe a auxiliar, sem cometer mais injustiça e coerção, aqueles que foram injustamente prejudicados na sua atividade profissional. De novo: talvez você possa apoiar os seus esforços, ou recorrer aos seus serviços. 

Finalmente, procure se informar a respeito de como um ambiente de regulação trabalhista pesada tem prejudicado a criação e desenvolvimento de organizações cristãs de trabalho que promoveriam uma prática mais consistente com a ética bíblica. Uma sociedade menos "monocromática" requer alguma medida de esforço ativo ao construir "novos blocos" e criticar os "grandes blocos" mantidos pela distorção do sistema.

Por fim, concluo que greve e piedade não combinam em muitos casos. Minha opinião final é a seguinte: o filtro da Escritura e da piedade é grande quando se trata de greve. E eu poderia citar ainda várias outras passagens bíblicas. 

Arrisco dizer que a maioria das greves não esteja dentro da lei humana, da lei divina e da piedade do seu coração. O cristão deve ter muita cautela nessa área. Portanto, pense muitas vezes antes e corra para a Bíblia se sua empresa ou categoria estiverem em greve. Não nego a possibilidade de uma "greve santa", mas na dúvida não participe. Se você puder, vá trabalhar. Se não, fique em casa sem colocar mais lenha na fogueira. Em todo caso ore e peça a Deus discernimento. Glorifique a Deus não participando de movimentos sociais que são contrários aos princípios da Palavra de Deus.

A Deus toda glória. 
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E nem 1% religioso.

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