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domingo, 11 de janeiro de 2015

DERRUBANDO SOFISMAS MUSICAIS

Quando o assunto é música, o quiproquó está formado e a polêmica se estabelece (ou melhor seria estabelece-se a polêmica?). Há um grupo de cristãos que defendem biblicamente o conceito de que crentes não podem ouvir música do mundo: "é pecado!" No outro extremo, há os também crentes que defendem biblicamente o conceito de que crentes podem ouvir músicas mundanas, desde que as letras de tais músicas não sejam ofensivas à integridade espiritual. Ambos os grupos são radicais nas defesas de seus conceitos. 

Não sou louco de entrar nesse imbróglio do "isso pode / isso não pode". Tenho amor ao meu pescoço. [Mas, reflitamos, por exemplo, o Hino Nacional, o Hino da Bandeira e o famoso Parabéns pra você NÃO SÃO músicas sacras/religiosas, mas são comumente cantadas nos púlpitos das igrejas, assim como no terreiro de candomblé e nos altares católicos. Assim como podem também ser entoadas até em um prostíbulo, em especial o último citado (porque não?).]  E, quanto ao que eu ouço ou deixo de ouvir, só será sabido o que eu revelar. Os fones de ouvidos já foram invetados. O que quero expor aqui é o preconceito existente no meio musical contra a manifestação de fé (ou religiosa).

Preconceito musical


Por que o grande Vinícius de Moraes, nosso poeta mais merecidamente “canônico”, ao lado de Bandeira e Drummond, podia cantar seus amores e desamores, suas muitas mulheres e desilusões, suas aquarelas e querelas, seu ceticismo tão próximo de Camus, seu agnosticismo existencialista que, no entanto e contraditoriamente, consolava-se com e nos seus afro-sambas, quase “pontos de macumba”, cânticos rituais do candomblé em discos consagrados e no set list de shows célebres como, por exemplo: “Tom, Vinicius, Toquinho e Miúcha”, gravado ao vivo no Canecão, em 1977 - este disco é referência máxima quando o assunto é MPB -, e um cantor cristão não pode cantar um Salmo de Davi  - os Salmos são a referência máxima de louvor e adoração - no meio de um show?

Por que o talentoso compositor mineiro João Bosco pode fazer o mesmo que o “poetinha” - expressar sua religiosidade - depois de cantar clássicos da Música Popular Brasileira, como sua parceria com Aldir Blanc eternizada na voz abençoada de Elis “O Bêbado e o Equilibrista” - canção maravilhosa, um desabafo cívico nos tempos da ditadura militar -, e um canto crente  não pode dizer “Quão grande, é o meu Deus / Eu cantarei, quão grande é o meu Deus / E todos hão de ver / Quão grande é o meu Deus...” – ou, no mínimo, sob pena de estar “misturando as coisas”, não deva? 

Por que eu, caso esteja na plateia, assistindo a um show de Chico Buarque, Nana Caymmi, Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Arlindo Cruz ou qualquer outro artista brasileiro de renome, preciso aceitar como parte natural da cosmovisão do artista a expressão da sua fé ou crise/falta dela (exemplo: “Se eu quiser falar com Deus”, clássico dos clássicos do baiano tropicalista Gilberto Gil em expressão do  quão distante ele acredita estar Deus dele), mas um cantor crente não receba essa mesma contrapartida de “tolerância” se fizer o mesmo, isto é, num espetáculo musical quando cantar a beleza da Criação, a família, a dádiva da vida e, de repente, inclua algo como Sérgio Pimenta, João Alexandre, Guilherme Kerr, Jorge Camargo, Sérgio Lopes (esses caras são nomes de referência na MPC - Musica Popular Cristã, com canções intimistas, cujas letras são uma riqueza em rima e Bíblia) ou Rehder (É bem possível que você não conheça seu rosto, mas com certeza você já cantou ao menos uma de suas canções. As músicas de Jorge Rehder foram e são cantadas nas igrejas brasileiras e em outros lugares do mundo. É autor de "Barnabé", "Unidade e Diversidade" e "Rei das Nações", só para citar três entre as mais de 130 já gravadas. Algumas compôs sozinho, mas também tinha parceiros, como Guilherme Kerr, Nelson Bomílcar e Jorge Camargo.), ouvimos “Ah, isso é coisa de crente!”?

Preconceito. Intolerância dos tolerantes. Pode-se tudo desde que nada destoe do “ethos” pós-moderno. Eu nunca pensei nesses termos, mas sou parte de uma minoria. Até porque, cientificamente falando, minoria é um conceito sociológico - e não numérico, demográfico!Muitos cantores  narram a censura que sofrem ao se converterem - Rodolfo Abrantes já falou sobre isso. "Nada de música de crente, hein?" É o que ouvem. É óbvio que existe uma clara (às vezes, violenta) rejeição da classe intelectual brasileira ao protestantismo evangélico. Obviamente, pelo que vemos da TV, com razão. A desconfiança procede. O problema é colocar tudo o que se diz “evangélico” na mesma panela. O pensamento (!) e a práxis de Edir Macedo, R.R. Soares, Waldomiro Santiago e o deputado fanfarrão Feliciano são tão evangélicos quanto “Boquinha da garrafa”, “Lepo-Lepo”, "Beijinho no ombro" e   “Ai se eu te pego...“ devem ser consideradas algo da MPB. Teologia da prosperidade é algo tão cristão, protestante e evangélico quanto refrigerantes Baré e Coca estão na categoria de refrigerantes de Cola.

Por favor, senhores críticos da “intelligentsia” tupiniquim, especialmente os jornalistas de cultura, esses sociólogos de almanaque que parecem nunca ter lido e compreendido de verdade Adorno, por exemplo: precisamos de um pouco, um tiquinho de coerência e integridade intelectual, senhores! Como assim um articulista do Segundo Caderno do Globo pode expressar preocupação quase histérica com a possibilidade da Marina Presidente (nas eleições presidenciais passadas), ao dizer: “Já pensou? Uma presidente evangélica? Não teríamos mais carnaval! E além de tudo, cafona, com aquele coque...”? A senadora, respeitabilíssima mundo afora, caso tenha lido essa bobagem, deve ter gargalhado de chorar! E é o que devemos fazer quando formos atacados pela ignorância do preconceito, seja em que nível for.

Eu nunca acreditei que um(a) presidente evangélico(a) tenha poderes para mudar o Brasil ou que a música "gospel" seja a mais recomendável, entretanto, que não confundamos  Cristianismo com Cristandade. É achar que Cristo e Cultura devem ser a mesma coisa. É confundir o norte-americano com o cristão-protestante. Tem muita gente por aí que acha que ser evangelical (batista, presbiteriano, metodista, por exemplo) é ser “gringo”. De novo: a crítica não é semeada e vicejada do nada e no ar. A liturgia e as idiossincrasias religiosas desse segmento do cristianismo são tipicamente estadunidenses. Para não citar a arquitetura: a canção “Da linda pátria estou” é, na verdade, uma canção folk/caipira, assim como “Glória, glória, aleluia” - essa mesma, que já foi gravada inclusive pela cultuada banda de rock Oficina G3 -  é uma balada sobre um soldado sulista da Guerra de Secessão (1861-1865) - só para mencionar alguns dos nossos tão aclamados “hinos”.

Harpa Cristã 


A Harpa Cristã é o hinário oficial das Assembleias de Deus e contém hinos históricos, porém, grande parte dos hinos históricos nada mais são do que músicas folclóricas europeias com versões bíblicas. São Hino da Inglaterra, Hino da Alemanha, Hino da Finlândia, sem contar o monte de melodias tiradas do folclore pagão europeu. Melodias (música) da Harpa Cristã que são hinos nacionais de países:

1) Hino Nacional Alemão - O hino número 40, A CIDADE DO BOM DEUS, tem a letra da canção alemã: Einigkeit und Recht und Freiheit/Für das Deutsche Vaterland" (Unidade e justiça e liberdade / Pela Pátria Alemã), que é Das Lied der Deutschen (A Canção dos Alemães) ou Deutschlandlied. A Melodia foi escrita por Josef Haydn, em 1797.

2) Hino Nacional Inglês - Na Harpa Cristã encontramos o hino 185-INVOCAÇÃO E LOUVOR, que já fazia parte da 4ª Edição do Hinário Salmos e Hinos (1919), sob o número 509, com o mesmo título, e letra de A.H.S. (Alfredo Henrique da Silva). A melodia desse hino foi retirada do Hino Nacional Inglês "God Savethe Queen".

3) Hino Nacional das Ilhas Fiji - Meda Dau Doka ou God Bless Fiji é o hino nacional das Ilhas Fiji. A música resultou da adaptação de um hino de 1911, de Charles Austin Miles intitulado "Dwelling in Beulah Land", que é o hino 212 da Harpa Cristã: "OS GUERREIROS SE PREPARAM". A letra e a música resultante foram compostas por Michael Francis Alexander Prescott e adotadas após a independência, em 1970. A letra em inglês e em fijiano não são traduções mútuas, tendo,até, poucas semelhanças.

Equilibrando o ritmo e o tom


Mas é possível ser evangélico e ser brasileiro. O problema é que nossos compositores e artistas não sabem do conselho sagaz de Emily Dickenson: “Fala toda a verdade – mas fale indiretamente”. Essa dica é especialmente salutar no que diz respeito ao desafio que cristãos evangelicais têm para fazer uma música para fora da igreja que possa ser cantada no culto e uma música para o culto (como Bach fazia) que possa ser executada fora.

Eu olho para esses cantores e compositores cristãos  - assustados e acuados dentro dos seus guetos "gospel" -  e os vejo declamando, apavorados, o Salmo 137.4: “Como, porém, haveríamos de entoar o canto do Senhor em terra estranha?”. A resposta (a que eu encontro, seguindo Paulo, no seu sermão no Aerópago ateniense (Atos 17:16-34), Calvino, Kuyper, Francis Schaeffer, Hans Rookmaaker, historiador holandês e cristão de arte e a feliz interação de teologia e literatura na obra vasta, piedosa e erudita de Eugene Peterson, pode ser muito bem sintetizada na frase famosa de T.S. Elliot, em “Religion and Literature”: conheçam, critiquem e dialoguem com a cultura, para elaborar uma arte que seja “inconscientemente, em vez de deliberada e provocadoramente, cristã”. Ou seja, que digam ao nos ouvirem “Ah, isso é coisa de crente!” – mas com outra entonação. A que se deslumbrar diante da Beleza e da Verdade de mãos dadas. Que ser CRENTE seja mais motivo de orgulho do que simplesmente ser "gospel".

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