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terça-feira, 28 de março de 2017

TOC - CURA OU LIBERTAÇÃO?

O chamado Transtorno Obsessivo-Compulsivo ("TOC" [na literatura em inglês Obsessive-Compulsive Disorder – "OCD"]) é uma doença em que o indivíduo apresenta obsessões e compulsões, ou seja, sofre de ideias e/ou comportamentos que podem parecer absurdas ou ridículas para a própria pessoa e para os outros e mesmo assim são incontroláveis, repetitivas e persistentes. 

Características


A pessoa é dominada por pensamentos desagradáveis que podem possuir conteúdo sexual, trágico 
e até espirituais , entre outros que são difíceis de afastar de sua mente, parecem sem sentido e são aliviados temporariamente por determinados comportamentos. O Transtorno Obsessivo-Compulsivo é considerado o quarto diagnóstico psiquiátrico mais frequente na população. 

De acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), até o ano 2020 o Transtorno Obsessivo-Compulsivo estará entre as dez causas mais importantes de comprometimento por doença. Além da interferência nas atividades, os Sintomas Obsessivo-Compulsivos (SOC) causam incômodo e angústia aos pacientes e seus familiares.

Compulsão é um comportamento consciente e repetitivo, como contar, verificar ou evitar um pensamento que serve para anular uma obsessão. Outros exemplos de compulsão são o ato de lavar as mãos ou tomar banho repetidamente, conferir reiteradamente se esqueceu algo como uma torneira aberta ou a porta de casa sem trancar. Deve-se deixar claro porém que para que esses comportamentos sejam considerados compulsivos, devem ocorrer em uma frequência bem acima do necessário diante de qualquer padrão de avaliação.

Acomete 2 a 3% da população geral. A idade média de início costuma ser por volta dos 20 anos e acomete tanto homens como mulheres. Depressão Maior e Fobia Social podem acometer os pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo ao longo da vida.

Sintomas


Frequentemente as pessoas acometidas por este transtorno escondem de amigos e familiares essas ideias e comportamentos, tanto por vergonha quanto por terem noção do absurdo das exigências auto-impostas. 

Muitas vezes desconhecem que esses problemas fazem parte de um quadro psicológico tratável e cada vez mais responsivo à medicamentos específicos e à psicoterapia. As obsessões tendem a aumentar a ansiedade da pessoa ao passo que a execução de compulsões a reduz. Porém, se uma pessoa resiste a realizacão de uma compulsão ou é impedida de fazê-la surge intensa ansiedade. 

A pessoa pode perceber que a obsessão é irracional e reconhecê-la como um produto de sua mente, experimentando tanto a obsessão quanto a compulsão como algo fora de seu controle e desejo, o que causa muito sofrimento. Pode ser um problema incapacitante porque as obsessões podem consumir tempo (muitas horas do dia) e interferirem significativamente na rotina normal do indivíduo, no seu trabalho, em atividades sociais ou relacionamentos com amigos e familiares.

Tratamento


O tratamento deve ser individualizado, dependendo das características e da gravidade dos sintomas que o paciente apresenta. Em linhas gerais, contudo, utiliza-se a psicoterapia de orientação dinâmica ou cognitivo-comportamental associada com tratamento farmacológico às vezes, em doses bem mais elevadas que as utilizadas no tratamento da depressão. Segundo especialistas, entre os fármacos preconizados, destacam-se os Inibidores da Recaptação de Serotonina (IRS), tanto os seletivos como os não seletivos. A Clomipramina é a droga padrão-ouro, e muitos Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS), como fluoxetina, sertralina e paroxetina, são utilizados com boa eficácia.

TOC com idade de início precoce dos sintomas


Como já descrito acima, o perfil bimodal de prevalência do transtorno obsessivo-compulsivo de acordo com o sexo e idade de início dos sintomas reforçou a ideia de que o transtorno obsessivo-compulsivo de início precoce poderia representar um subgrupo distinto de pacientes.

É importante ressaltar que não existe consenso na literatura acerca de qual a idade que poderia ser considerada "início precoce" dos sintomas. Alguns autores propõem diferentes limiares para estudos clínicos, genéticos, neurobiológicos e de resposta ao tratamento. Alguns consideram precoce a idade inferior a sete anos; dez anos outros anterior a 15 anos e ainda anterior a 18 anos. Conforme descrito abaixo:
  • Aumento na frequência de tiques e/ou ST entre os pacientes de início precoce (48%) em relação ao grupo de início tardio;
  • Idade média do início das compulsões menor que a idade média do início das obsessões (7,8± 1,6 comparado com 9,3± 3,6). No grupo de início tardio não houve esta diferença, com idades médias para obsessões e compulsões praticamente iguais (23,9 e 24,0);
  • Média de pontos na Y-BOCS mais alta no início precoce (30,3) do que no grupo de início tardio (26,6);
  • Aumento de frequência de fenômenos sensoriais precedendo ou acompanhando as compulsões no início precoce;
  • Aumento na média de comorbidades no início precoce (3,0) do que no grupo de início tardio (1,8);
  • Diferenças estatisticamente significantes entre os dois grupos para obsessões e compulsões de colecionismo (p=0,05), compulsões de repetição (p=0,05) e compulsões do tipo tic-like;
  • Resposta significativamente pior no início precoce ao tratamento de curto prazo com clomipramina em relação ao grupo de início tardio.

Incidência


No Brasil, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é uma doença que atinge atualmente entre 3 e 4 milhões de pessoas. Muitas destas pessoas, embora tenham suas vidas gravemente comprometidas pelos sintomas, nunca foram diagnosticadas e tampouco tratadas. Talvez a maioria desconheça que seus pensamentos e comportamentos fazem parte de uma doença.

E se engana quem pense que no meio do círculo cristão evangélico não exista quem sofra desse mal. Nesse público, especificamente, o problema tende a ser ainda maior, pois ou o indivíduo não identifica a doença e/ou, quando a identifica, se recusa a procurar uma intervenção médica, tratando-a apenas no âmbito espiritual.

As obsessões e compulsões mais conhecidas são:


  • Obsessões com sujeira, contaminação, limpeza e doenças – preocupação exagerada com limpeza, medo de ser contaminado ou contrair alguma doença. Estas compulsões impulsionam a pessoa a lavar as mãos, escovar os dentes, lavar móveis e objetos inúmeras vezes sem parar, trocar excessivamente de roupa mesmo que estejam limpas, usar sabão, detergente e desinfetante de forma descomunal, tomar banhos demorados, eventualmente usando álcool, exigir que familiares ao virem da rua tirem os sapatos ou tomem banho, passar o guardanapo nas louças ou talheres do restaurante antes de servir-se etc. Evitações por limpeza e contaminação: a pessoa evita tocar objetos, usar utensílios, frequentar lugares sujos ou contaminados como hospital e salas de espera de clínicas, evita apertos de mão, não senta em bancos de praça ou coletivos, não usa banheiros coletivos, não usa toalhas ou lençóis de hotéis, não usa telefones públicos, não frequenta a piscina, não toca em trincos de portas, corrimão ou tampas de vasos de banheiro etc.
  • Obsessão com perfeccionismo – preocupação exagerada em falhar ou de ter dúvida.
  • Obsessões de armazenagem/poupança – acumular, colecionar ou guardar objetos inúteis (jornais velhos, documentos, caixas de sapato, garrafas de plástico, roupas sem uso etc.).
  • Compulsões de verificação ou controle – verifica repetidamente fechaduras, fogão, gás, janelas, torneiras, portas, bolsa, portas de carro etc.
  • Compulsão por ordem – alinha quadros, objetos e roupas simetricamente, coloca numa certa sequência pessoal os objetos (pastas, cadeira, luminárias e computador), etc.
  • Compulsão por contagem – contar janelas de prédios, pessoas na fila, contar ou repetir inúmeras vezes uma sequência de números mentalmente etc.
  • Repetições – relê ou reescreve/digita parágrafos ou páginas, passa a limpo bilhetes, cartas ou listas de supermercado, relê documentos e não entrega para os colegas de trabalho, mesmo depois de não ter encontrado qualquer erro, entra e sai pela porta, por exemplo, 4 ou 5 vezes, senta e levanta da cadeira, por exemplo, 2 ou 3 vezes, etc.
Essas obsessões são acompanhadas de emoções intensas (ansiedade, medo, culpa, acusação etc) e levam a pessoa a fazer algo (compulsões ou rituais) ou a evitar a fazer como tentativa de diminuir o sofrimento provocado pelas emoções e pensamentos.  Entretanto, essas atitudes só proporcionam um alívio momentâneo e não melhoram o seu quadro clínico. E ainda podemos listar outras usadas pelos pensamentos obsessivos. Os mais comuns são:
  • Contaminação – Medo desmedido de se contagiar por vírus, bactérias ou substância tóxicas. Esse tipo de obsessão está associado a rituais de limpeza e lavagem.
  • Sexual  – A mente pode ser dominada por pensamentos obscenos e impulsos incestuosos, indesejados ou impróprios, que causam enorme sofrimento à vítima do TOC.
  • Simetria – Cuidado extremo com exatidão ou alinhamento de objetos. Às vezes, ao tocar algum objeto ou alguém sem querer com um dos braços, a pessoa sente que tem de fazer o mesmo com o outro braço.
  • Religioso – Pensamentos invadem a mente, com pensamentos de blasfêmia contra Deus. Outras pessoas têm a mania de fazer todo tipo de promessa, pacto, voto e às vezes até esquece o que prometeu a aí sofre com isso.
Existem outras obsessões e compulsões. Acima foram expostas apenas as mais conhecidas em geral. Nas três últimas décadas houve avanço notável no tratamento do TOC. Conforme as pesquisas científicas, a psicoterapia tem se revelado de grande ajuda para a maioria dos portadores da doença, mesmo para aqueles que não obtêm melhora utilizando medicamentos. Há inclusive o registro de casos de suicídios (tentados e consumados) por pessoas que sofriam de TOC. Portanto, informe àqueles que estão sofrendo que há alternativas para a doença. No meio científico não se fala em cura, mas em controle que torna a vida da pessoa mais equilibrada.

Conclusão

Obsessão e compulsão "santas"?


O salmista tem "compulsão" por Deus (Salmo 42:1,2) e Paulo tem "obsessão" pela pregação do evangelho (1 Coríntios 9:16). O próprio Jesus expressava compulsão e obsessão em fazer a vontade de Deus (João 4:34, 6:38) Pode-se falar em compulsão/obsessão positiva e obsessão/compulsão negativa? Elas podem coexistir?

Não considero adequado o uso da expressão para caracterizar tais exemplos. Ansiar por Deus e pela propagação da fé a todos que dela podem se beneficiar são expressões de elevada sensibilidade e desprendimento. Não se trata de experiências patológicas. Antes, são disposições de sublime valor psicológico e espiritual.

Não creio ser adequado falar-se em "compulsão/obsessão positiva". O notável psiquiatra vienense Viktor Frankl, criador da Logoterapia, dizia que somos empurrados por nossos instintos ou pulsões, mas atraídos por nossos valores ou por aquilo que nos dá sentido à vida. Essa diferença entre ser empurrado e ser atraído pode transferir-se para a questão das compulsões: elas nos empurram, não são o resultado de escolhas conscientes que possamos fazer; podem nos escravizar. 

Por outro lado, aquilo a que damos prioridade e que procede do mais profundo de nosso ser espiritual, pode-se dizer que nos atrai. Ir em busca disso implica estar livre para cumprir os ditames de nossa própria natureza espiritual, em consonância com a missão que Deus confia a cada um de nós. 

Quanto ao que Paulo diz em 1 Coríntios 9:16, de fato tem sido interpretado por alguns comentaristas como referente a uma compulsão. Seria, então, uma compulsão positiva. O que distinguiria umas de outras? Apenas os objetivos envolvidos? Mas, então, o indivíduo – no caso, Paulo – estaria privado de sua liberdade de escolha? Creio que podemos ver as coisas de outro modo, ou seja, se somos cristãos maduros, temos liberdade de aceitar ou rejeitar uma missão que nos é confiada por Deus, e que nos atrai. 

Quando a rejeitamos, a graça nos garante que Deus não nos rejeitará por isso, mas a consequência é de perda para nós mesmos quanto ao nosso pleno desenvolvimento espiritual e psicológico. Contudo, quando a aceitamos, passamos a ter de obedecer a um imperativo que nos domina a consciência – que é a instância pela qual Deus nos fala – e que passa a ser o sentido último de nossa vida. A característica compulsiva existiria, então, só neste segundo momento, como resultado de uma escolha inicialmente livre, não compulsiva.

Enfim, o ideal para quem sofra de TOC é a procura de ajuda médica sem, contudo, menosprezar uma necessária e indispensável intervenção espiritual. Com a palavra, a Bíblia:
"Meu filho, guarde consigo a sensatez e o equilíbrio, nunca os perca de vista; trarão vida a você e serão um enfeite para o seu pescoço. Então você seguirá o seu caminho em segurança e não tropeçará; quando se deitar, não terá medo, e o seu sono será tranquilo" (Provérbios 3:21-24, grifos meus).

[Fonte de pesquisas: SciELO e Lagoinha.com]

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segunda-feira, 27 de março de 2017

ASSUNTOS DIFÍCEIS DA BÍBLIA - JESUS "PREGOU" NO INFERNO?

Vou dar início aqui a mais uma série especial de artigos. Nesta irei trazer aqueles assuntos da Bíblia que dão panos para muita mangas. São os textos considerados de difícil interpretação e que ao longo do tempo vêm alimentando acalorados debates teológicos e, consequentemente, muitas heresias. Não meu intuito com esta série encerrar os temas que serão aqui abordados. Não sou tão pretensioso, mas vou expor meu entendimento acerca dos mesmos, buscando sempre refúgio na verossimilidade bíblica.

Jesus pregou no inferno? 


Muita gente tem dúvida se Jesus desceu ao inferno e pregou aos mortos, e não é para menos, já que os textos bíblicos que tratam este assunto estão entre os mais difíceis de se interpretar. Como qualquer outro texto difícil da Bíblia, existem diversas interpretações defendidas por vários teólogos. Porém, devido a algumas interpretações equivocadas sobre este tema, muitas heresias foram ensinadas ao longo da história da igreja.

Antes de começarmos é preciso saber que a palavra "inferno" é utilizada para traduzir quatro termos originais, sendo: Sheol, Hades, Gehenna e Tártaro. A palavra Tártaro é utilizada apenas uma vez (2 Pedro 2:4). Sheol é uma palavra hebraica utilizada com certa frequência no Antigo Testamento, e o grego Hades traduz o hebraico Sheol na Septuaginta (versão grega do Antigo Testamento), e também é utilizado no Novo Testamento de forma praticamente equivalente ao Sheol no Antigo Testamento.

Tanto Sheol quanto Hades podem assumir significados diferentes dependendo do contexto, sendo eles: sepultura, esfera dos mortos (estado desencarnado) e o lugar de punição dos ímpios após a morte (o inferno em seu estado intermediário).

Já o termo Gehenna é uma adaptação grega de uma palavra hebraica, e é utilizado no Novo Testamento para se referir ao inferno em seu estado final, ou seja, o lugar de condenação dos ímpios e de satanás e seus anjos após o juízo final (o lago de fogo). 

Neste texto nós iremos falar sobre o estado intermediário dos mortos, ou seja, o período de existência da alma separada do corpo enquanto aguarda a ressurreição para comparecer ao julgamento final. Logo, quando utilizarmos a palavra "inferno" não estaremos nos referindo ao inferno em seu estado final. 

Basicamente os principais textos bíblicos utilizados nos debates sobre este assunto são:
"Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito; No qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão; Os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água" (1 Pedro 3:18-20, grifo meu). 
"Porque por isto foi pregado o evangelho também aos mortos, para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens na carne, mas vivessem segundo Deus em espírito" (4:6, grifo meu).
Não pretendo fazer uma exposição detalhada sobre o tema, pois o texto ficaria muito longo e bastante complexo. Vejamos apenas, bem resumidamente, as diferentes interpretações sobre o assunto.

"Jesus desceu ao inferno para pregar aos mortos"


De forma geral, essa interpretação defende que Jesus, entre sua morte e ressurreição, desceu ao inferno para pregar aos mortos. Dentro dessa visão, existem diferentes interpretações em relação a quem seriam esses mortos e qual o tipo de pregação. Vejamos:
  • Jesus desceu ao inferno para pregar aos mortos que foram vitimas do Dilúvio e se arrependeram antes de morrerem (neste caso trazendo salvação). 
  • Jesus desceu ao inferno para pregar aos mortos que morreram antes de seu ministério, dando-lhes oportunidade para arrependimento (neste caso trazendo salvação para os arrependidos e o juízo para os que não se arrependeram).
  • Jesus desceu ao inferno para pregar aos mortos que morreram no Dilúvio e não creram na pregação de Noé (neste caso trazendo juízo).
Qualquer uma das três interpretações acima não encontra base Bíblica, porém as piores são as interpretações que acreditam em uma pregação para salvação (1 e 2). Qualquer ensino que defenda uma segunda chance após a morte é herético e deve ser rejeitado. A Bíblia claramente ensina que após a morte só resta ao homem o juízo.
"E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo" (Hebreus 9:27).

"Jesus desceu ao inferno para libertar os santos do Antigo Testamento"


Nesta interpretação Jesus teria ido pregar o Evangelho e libertar aos santos do Antigo Testamento que estavam esperando a consumação da redenção por Jesus para serem levados ao paraíso. Em outras palavras, os santos do Antigo Testamento morreram na promessa, e Jesus precisou "aparecer" a eles para que a promessa fosse cumprida. Essa visão baseia-se em algumas referências como Salmos 16:10 e Mateus 12:40.

Essa é a interpretação mais conhecida, e já foi defendida em algum momento inclusive por Lutero, e ainda é a mais aceita por muitos protestantes. Com algumas diferenças, essa teoria também é a posição do catecismo Católico.

O problema com essa interpretação é que a Bíblia é bastante clara ao afirmar que os santos do Antigo Testamento em nenhum momento foram para um lugar esperar por uma consumação da salvação, mas foram estar com Deus (Gênesis 5:24; 2 Reis 2:11; Sl 73:23), pois eles também haviam sido justificados (Romanos 4:3; Hb 11:5).

"Jesus desceu ao inferno pregar aos anjos caídos"


Esta interpretação acredita que Jesus foi pregar aos anjos caídos, não no sentido de "evangelizar", mas de proclamar vitória sobre eles em uma pregação vindicativa. Os textos de Judas 1:6 e 2 Pe 2:4, são os mais utilizados na defesa dessa visão, além do texto de 1 Pe 3:18-20.

A questão aqui é que, em nenhum lugar da Bíblia, encontramos alguma referência sobre Jesus descendo ao inferno para pregar (mesmo de forma vindicativa) para anjos caídos. Utilizar as referências de Judas e das Epístolas de Pedro para defender essa ideia é forçar bastante os textos.

A referência de 1 Pedro, por exemplo, a todo momento está se referindo a pessoas e não a espíritos malignos, anjos caídos ou demônios. Portanto, o que justificaria no meio do texto ele mudar radicalmente o foco da escrita?

Também precisamos considerar que naquela época as pessoas para quem Pedro escreveu não possuíam uma Bíblia organizada como temos hoje, que possibilitasse um estudo com referências cruzadas e notas de rodapé. Se Pedro tivesse feito isso, o texto seria praticamente impossível de ser interpretado por aqueles irmãos.

"Jesus desceu ao inferno para tomar as chaves de Satanás"


Esta interpretação é bastante semelhante a anterior, e diz que Jesus desceu ao inferno para proclamar a vitória sobre Satanás e tomar as chaves da morte e do inferno. Essa ideia também tem raízes em uma interpretação sobre o resgate pago à Satanás na expiação de Cristo.

Essa é uma das interpretações mais absurdas que encontramos por aí. Primeiro, temos que esclarecer que nunca foi pago resgate algum à satanás. O resgate foi pago à Deus, o pecado foi contra Deus, e é a justiça de Deus que exigia tal pagamento. Qualquer coisa diferente disso é apenas alegoria e falta de Bíblia.

Sobre as tais chaves, a referência mais utilizada é Apocalipse 1:18, onde lemos que Cristo tem a chave da morte e do Hades. O termo "Hades" está sendo aplicado nesse versículo não no sentido de inferno, mas como uma referência ao estado de existência desencarnada, isto é, o momento em que a alma se separa do corpo, sendo o corpo conduzido a sepultura.

Quando o texto diz que Ele tem as chaves da morte e do Hades, quer dizer que Ele tem autoridade e poder sobre a morte, para que esta não seja um motivo de dano ao salvos, pois Ele mesmo recebe a alma dos santos no céu, além de que, em sua segunda vinda, Ele ressuscitará os mortos, que deixarão o estado de existência desencarnada (no contexto o Hades) para receberem corpos ressuscitados.

Não se pode interpretar esse texto de maneira estritamente literal, com Jesus descendo à um lugar em que Satanás habita e tomando as chaves da mão dele. Aqui, a referência é a obra de Cristo na cruz, onde, por sua morte, Ele destruiu aquele que utilizava a morte como uma arma contra nós (Hb 2:14), ou seja, o diabo, que sempre desejou a morte do homem, tanto física como espiritual, e se apresentava diante de Deus para nos acusar (Ap 12:10; cf. Zacarias 3:1,2).

Entenda que Satanás cumpria o papel de acusador, mas não era o responsável em proferir a sentença. A sentença de morte contra o homem foi pronunciada por Deus quando Adão e Eva caíram no pecado. Jesus derrotou Satanás na cruz. Foi ali que Ele experimentou todo peso da ira de Deus pelos nossos pecados, dando sua vida para nos libertar da maldição da morte.

Considerando o contexto histórico da passagem de Apocalipse, a declaração de que Jesus é quem possui as chaves da morte e do Hades representou um grande conforto para aqueles irmãos do século 1 d.C. que diariamente eram expostos ao martírio.

Ao saber que o controle sobre a morte está nas mãos de Cristo, eles entendiam que não era preciso temer a morte, pois se seus corpos caíssem aqui na terra, suas almas estariam com Cristo no céu, aguardando o dia em que, assim como Cristo ressuscitou, seus corpos também serão ressuscitados.


"Cristo pregou aos mortos enquanto eles ainda estavam vivos"


Esta interpretação defende que o Espírito de Cristo, através da vida de Noé e de outros profetas, pregou aos agora mortos, mas na ocasião vivos, a justiça e o arrependimento.

Qual é a interpretação biblicamente correta?


Como pudemos ver, existem várias interpretações, porém o que temos que considerar é que a Bíblia apresenta uma estrutura perfeita, e precisa ser interpretada de uma forma coerente com todo o ensino presente nela, para não causarmos contradições.

Particularmente, acredito que a interpretação mais correta biblicamente, que não isola textos específicos para explora-los fora do contexto, é de que Cristo pregou aos mortos quando estes ainda estavam em vida (última interpretação apresentada acima).

Ao lermos a primeira Epístola de Pedro podemos perceber isso claramente. No capítulo 1, Pedro afirma categoricamente que o Espírito de Cristo é quem conduzia os profetas em suas pregações.

Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir (1 Pe 1:10,11).

Aplicando esse texto ao capítulo 3:18-20, podemos entender sem dificuldade que Cristo, através de Noé, pregou às pessoas que desobedeceram naquele tempo e que agora são "espíritos em prisão", ou seja, condenados ao juízo eterno. De forma mais clara, tais pessoas ouviram a pregação e a rejeitaram ainda em vida, e agora estão em condenação eterna.

Sobre o texto de 1 Pedro 4:6, o mesmo princípio é válido, isto é, o Evangelho foi pregado também aos mortos quando eles ainda eram vivos.

Outro texto bastante utilizado para defender a descida literal de Jesus ao inferno é Atos 2:31, porém originalmente o texto se refere a sepultura, ou seja, ao "estado de sepultado" literalmente. Vale lembrar que neste texto o Apóstolo Pedro está citando o Salmo 16:8-11, e interpreta uma profecia de Davi acerca da ressurreição do Messias. Então ele aponta para o contraste entre o tumulo de Davi em Jerusalém, e o tumulo de Cristo vazio, porque Deus o ressuscitou dos mortos.

Quanto ao texto de Efésios 4:9, usá-lo para defender uma descida literal de Jesus ao inferno é forçar muito a estrutura do próprio texto, e desconsiderar totalmente o contexto e o objetivo da mensagem que está sendo passada que se refere ao ministério de Cristo na terra, ao plano de salvação e a unidade e organização da igreja como corpo de Cristo.

Também não existe uma possibilidade biblicamente aceitável de que Jesus pregou o Evangelho para quem viveu no Antigo Testamento, para que eles tivessem uma chance de crer. Afirmar isso é a mesma coisa de considerar inúteis todos os profetas levantados por Deus no Antigo Testamento. Do próprio Noé, o Novo Testamento testifica que ele foi o "pregoeiro da justiça" (2 Pe 2:5), sendo assim, só me resta concordar com Pedro e afirmar que Cristo pregou através do ministério dos profetas.

Sobre a ideia de que Jesus precisou libertar e "alocar" os santos do Antigo Testamento, não encontro base bíblica alguma para justificar essa teoria. É um raciocínio muito simples. Vamos considerar Enoque e o Profeta Elias. Para que Deus tomaria ambos para si se não fosse para estar com Ele? Será que Deus os levaria para que eles ficassem em um local temporário esperando uma consumação da redenção?

Bem, a Bíblia é muito clara ao dizer que eles foram estar com Deus. Na transfiguração, pelo estado descrito de Moisés e do próprio Elias, não me parece que eles estavam em qualquer outro lugar a não ser com o próprio Deus. Outra coisa que devemos considerar, é que nas passagens que falam sobre o assunto na Bíblia, o sentido de "paraíso" é sinônimo de céu, o terceiro céu, conforme o Apóstolo Paulo indicou em 2 Coríntios 12:2-4 (outro tema polêmico que irei enfocar nessa série).

Também é importante saber que não existe na Bíblia, com referência a Jesus Cristo, a expressão "desceu ao inferno/Hades". Essa expressão passou a ser utilizada na Confissão de Fé Apostólica, talvez por volta do século IV d. C., pois em suas formas mais primitivas essa expressão não era encontrada.

Na verdade, ela foi utilizada originalmente para substituir a expressão "crucificado, morto e sepultado", o que também estaria correto, porém quando as duas expressões começaram a aparecer juntas no Credo Apostólico por volta do século VII é que começaram as confusões teológicas.

Outra coisa que vale ser lembrada, é que o conceito de um lugar comum, dividido em dois setores, para onde iam todos os mortos, encontra sua origem na doutrina pagã grega do Hades. No paganismo grego, todos os mortos ficavam em um lugar chamado Hades, e dentro do Hades havia duas alas: o Tártaro (onde ficavam todos os maus), e o Elísios (onde ficavam todos os bons).

Como inferno é uma das traduções para tártaro, e paraíso é uma das traduções para elísios [aliás, é daí a conhecida expressão "campos elísios", indicando um lugar de descanso para os bons], então já dá para saber a origem de alguns erros de interpretação que originaram doutrinas estranhas ao ensino Bíblico. A Bíblia claramente ensina que o ímpio quando morre, já está em tormento enquanto aguarda a condenação eterna no Juízo Final (2 Pe 2:9), e o salvo quando morre vai estar com Deus, aguardando a ressurreição em corpo glorioso na segunda vinda de Cristo (Filipenses 1:23).

Conclusão

Mas onde Jesus estava entre sua morte e ressurreição?


A Bíblia não fornece muitos detalhes sobre esse período, mas sabemos com certeza que Ele foi ao céu (paraíso), o que também concorda com o fato de Ele ter entregado o Seu Espírito ao Pai, apenas quando tudo foi consumado, ou seja, a expiação de Cristo foi concluída na cruz, e não ficou nenhuma etapa para ser concluída no inferno ou em qualquer outro lugar.
"E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso" (Lucas 23:43, grifo meu).
"E, quando Jesus tomou o vinagre, disse: 'Está consumado'. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito" (João 19:30, grifo meu). 
"E, clamando Jesus com grande voz, disse: 'Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito'. E, havendo dito isto, expirou" (Lucas 23:46, grifo meu).
Enfim, não ficou etapa alguma a ser concluída. Após a cruz, nós sabemos o que realmente importa: Ele ressuscitou!

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ANÁLISE SISTEMÁTICA DAS EPÍSTOLAS DE PEDRO

As duas cartas de Pedro não fazem parte dos livros prediletos dos cristãos, sendo preteridas pelas epístolas paulinas. Elas fazem parte das epístolas católicas, que recebem este nome porque não foram destinadas a igrejas em particular (como as de Paulo), mas são universais (este é o sentido literal da palavra "católico"). Fazer uma análise sistemática dessas duas epístolas não é tarefa nada fácil por causa das complexidades dos detalhes elas contém em seu conteúdo. Este foi meu desafio neste artigo.


Autoria


Nunca houve dúvida alguma na história da igreja de que seu autor fosse o apóstolo Pedro. Ele não possuía grande instrução acadêmica (Atos 4:13), mas suas cartas são bem escritas. Ele não frequentou as escolas gregas, como provavelmente o autor de Hebreus frequentou, nem teve instrução teologia, filosófica e jurídica, como Paulo, que era um doutor da lei. 

Mas não se deve presumir que fosse analfabeto ou ignorante. Não conhecia a filosofia grega ou o direito romano - afinal, era apenas um simples pescador e passou grande parte de sua vida em alto mar -, mas como o grego era língua conhecida por todo o mundo, escreveu em grego. Também falava o aramaico, que era sua língua natal, e talvez o hebraico, que era a língua dos doutores da lei (como no passado, os padres falavam o latim). Não era um doutor da lei, mas ouvia o hebraico, como frequentador da sinagoga, onde a lei era ensinada.


Conteúdo


Ele escreve esta carta com autoridade, sem titubeios. Apresenta-se como "apóstolo" (1:1) e "testemunha das aflições de Cristo" (5:1). Mas "apóstolo", para ele (bem como para os demais autores do Novo Testamento) não significava domínio sobre os demais. Nem era sinal de superioridade eclesiástica ou título de nobreza espiritual (acho que os autodenominados "apóstolos" da atualidade estão um tanto quanto equivocados). 

Era consequência de terem vivido com Jesus e recebido uma missão da parte dEle. Não era uma carreira que se fazia na igreja, mas uma função que se desempenhava. E que não levava à riqueza e à boa vida, mas trazia uma missão que levou todos os apóstolos (exceção de João) à morte. Naquele momento, ser apóstolo não significa ser o "chefão", mas ser o primeiro na lista dos candidatos à execução.


Análise geral


Para uma compreensão mais ampla dos textos de 1 e 2 Pedro, uma aproximação histórica e contextual é necessária. Para tanto estaremos lançando mão da pesquisa de alguns autores importantes no cenário teológico, que são: Raymond E. Brown (1928-1998), o padre Alberto Antoniazzi (1937-1994), J. Konings, W. Krull, Helmut Koester (1926-2016) e Oscar Cullmann (1902-1999). 

Compararemos suas pesquisas, questionamentos e conclusões sobre estas duas cartas. Trataremos então da autoria (autenticidade), da data, do local, dos destinatários e dos motivos que provavelmente levaram à escrita das mesmas.


Propósito


Acerca dos motivos que levaram à autoria de 1 Pedro, os autores pesquisados concordam unanimemente que a motivação estava em orientar e encorajar, exortar e reforçar a convicção dos destinatários que estavam passando por sofrimento em relação à vida social e religiosa. Para o pe. Antoniazzi, 
"a carta de Pedro visa infundir esperança e perseverança nos leitores e reforçar neles o sentimento de que pertencem a uma grande família, à 'casa' não de algum poderoso desta terra, mas do próprio Deus," (pg 57).
Antoniazzi observa que o autor da carta de 1 Pedro se apresenta como o próprio Pedro (1 Pe 1:1), apóstolo de Jesus Cristo, o que Raymond Brown afirma ser uma evocação à autoridade apostólica de Pedro. Para Koester, a primeira epístola de Pedro possui uma característica paulina muito forte, advinda de Silvano (companheiro de Paulo), citado nas saudações finais.

Na carta também consta um grego bastante culto, o que afasta a possibilidade de ter sido escrito por Pedro, que não possuía tal domínio do grego. Cullmann ainda mostra que não há na carta nenhuma lembrança pessoal de Pedro a respeito de Jesus, o que acaba por problematizar mais ainda possibilidade de Pedro ter sido o autor.

A data da obra está, segundo a maioria dos autores citados, no final do primeiro século, entre as décadas de 70 e 90. Konings sugere isso com base na afirmação de que nesta época, Pedro já era uma figura de grande prestígio em toda a igreja. Brown ainda levanta a possibilidade remota de que a carta possa ter sido escrita entre 60 e 63.

O local


Como eu já disse a Primeira Carta de Pedro é considerada uma carta católica ou geral (universal). Diferentemente das cartas paulinas, foi endereçada a um grupo maior de cristãos, espalhados por diversas regiões da Ásia Menor.

A Primeira Carta de Pedro é considerada a mais pastoral do NT. A nota dominante é o permanente alento que Pedro dá a seus leitores para que se mantenham firmes em sua conduta mesmo em face da perseguição.

O ilustre escritor Myer Pearlman (1898-1942) diz que a carta foi escrita para animar os fiéis a estarem firmes durante o sofrimento e levá-los à santidade. De fato, trata-se de uma das mais comoventes peças da literatura do período da perseguição. Pedro diz que escreveu esta epístola em parceria com Silvano (5.12), um dos homens notáveis da igreja primitiva (Atos 15.22). 

Esse Silvano foi o mesmo Silas que acompanhou Paulo na segunda viagem missionária. Ele era cidadão romano e também profeta (Atos 15.32). Bem poderia ser que Pedro fosse o autor da carta e Silvano o seu amanuense. O erudito William Barclay sugere que Silvano foi o agente ou instrumento de Pedro para escrever esta carta.

Somos informados de que Pedro escreveu esta carta da Babilônia (5.13). A grande questão é saber a qual Babilônia se refere Pedro. Havia naquela época três cidades com esse nome.
  • A primeira era uma pequena cidade que ficava no norte do Egito, onde se localizava um posto avançado do exército romano. Ali havia uma comunidade de judeus e alguns cristãos, mas é pouco provável que Pedro estivesse nessa região quando escreveu esta epístola.
  • A segunda Babilônia ficava no Oriente, junto ao rio Eufrates, na Mesopotâmia. Também nessa cidade havia grande comunidade de judeus e certamente nessa época, os cristãos já povoavam a cidade. Calvino é de opinião que Pedro escreveu esta carta do Oriente, uma vez que Paulo não faz referência a Pedro em sua epístola aos Romanos nem cita Pedro na cinco cartas que escreveu de Roma.
  • A terceira Babilônia era Roma. Pedro teria usado o mesmo recurso que o apóstolo João empregou no livro do Apocalipse (Apocalipse 17:4-6,9,18; 18:10), referindo-se a Roma por meio de um código, em linguagem metafórica. A maioria dos estudiosos, dentre eles os pais da Igreja Eusébio e Jerônimo, entende que Pedro escreveu sua carta de Roma e, por se tratar de um tempo de perseguição, preferiu referir-se à capital do império por meio de códigos. 
  • O erudito Robert Gundry afirma que os primeiros pais da Igreja entenderam que "Babilônia" era uma referência a Roma. A tradição desconhece a existência de qualquer igreja em Babilônia da Mesopotâmia e nada sabe de alguma visita ali feita por Pedro; todavia, a tradição indica que Pedro morreu em Roma.
Conclusão: É quase impossível fechar a questão nesse ponto. Melhor é deixar aberta a questão do local onde estava Pedro ao escrever sua epístola.

  • Destinatário

Para Brown, a carta de 1 Pedro é destinada aos estrangeiros da dispersão do Ponto, da Galácia, da Capadócia, da Ásia e da Bitínia, o que nos levaria a crer em um escrito voltado somente para o público gentílico, porém, Brown mostra que ela foi direcionada também aos judeus-cristãos, por causa do conteúdo presente na carta que remonta sempre a historiografia de Israel em diversas analogias.


Panorama


Apesar das discussões teológica sobre o local de onde a epístola foi remetida, hoje, quase universalmente, esta carta é aceita como proveniente de Roma. Fato do qual, inclusive, se valem os teólogos católicos romano, para afirmarem ter sido Pedro o primeiro papa da Igreja Católica.

A respeito da segunda carta de Pedro, os autores comentam de maneira mais sucinta. Para Cullmann, é o último documento escrito do Novo Testamento, mesmo tendo sido aceita no Cânon antes de outros anteriores. Esta carta autodenomina-se de Pedro, pretendendo ser uma sequência da primeira carta e foi escrita por volta de 150. 

Para ele, a o autor parece ser um cristão da Ásia Menor, visando com esta carta, advertir os leitores contra o gnosticismo. Para Brown, a carta de II Pedro foi escrita mais provavelmente no ano 130, com margem de erro de uma década para mais ou para menos, sendo posterior às de I Pedro, das cartas Paulinas e de Judas. Brown supõe que a carta foi escrita para um público de cristãos da Ásia Menor, que conhecia os escritos paulinos e I Pedro. Ele comenta que se trata de uma carta pseudônima pode ter sido escrita em Roma, sendo que Alexandria e Ásia Menor também teriam sido sugeridas.

É bom lembrar que Antoniazzi faz uma leitura das cartas de Pedro a partir da comunidade, enquanto que Brown lê as mesmas a partir de Pedro; sendo assim podemos constatar que a depender da perspectiva da leitura teremos interpretações diferentes de um mesmo texto.

Mesmo sendo uma carta que lida com o sofrimento do povo ela não tem caráter de conformismo, ou seja, ela não quer que seus leitores se conformem com as situações de sofrimento pelas quais estão passando, mas traz esperança para o povo, esperança esta que como diz Antoniazzi é uma esperança que apesar de nos voltar para o futuro e para as coisas que ainda não aconteceram, não nos tira as responsabilidades na sociedade. Estas cartas então nos lembram o nosso comprometimento, não nos acomodarmos com as injustiças, mas sermos testemunhas da esperança.

  • 1 Pedro

Autor: 1 Pedro 1:1 identifica o apóstolo Pedro como o seu autor.

Quando foi escrito: O livro de 1 Pedro foi provavelmente escrito entre 60 e 65 DC.

Propósito: 1 Pedro é uma carta de Pedro aos fiéis que tinham sido dispersos por todo o mundo antigo e estavam sob intensa perseguição. Pedro realmente entendia o que era ser perseguido. Ele foi espancado, ameaçado, punido e preso por pregar a Palavra de Deus. Ele sabia o que era perseverar sem amargura e sem nunca perder a esperança, assim como viver uma vida obediente e vitoriosa em muita fé. Esse conhecimento da esperança viva em Jesus foi a sua mensagem, assim como seguir o exemplo de Cristo.

Versículos-chave: 
"Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Conforme a sua grande misericórdia, ele nos regenerou para uma esperança viva, por meio da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos" (1:3).
"Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz" (2:9).
"Ele mesmo levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, a fim de que morrêssemos para os pecados e vivêssemos para a justiça; por suas feridas vocês foram curados" (2:9).
"Sejam sóbrios e vigiem. O diabo, o inimigo de vocês, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a quem possa devorar. Resistam-lhe, permanecendo firmes na fé, sabendo que os irmãos que vocês têm em todo o mundo estão passando pelos mesmos sofrimentos" (5:8,9).
Resumo: Embora este tempo de perseguição tenha sido muito violento, Pedro revela que era, na verdade, um tempo de regozijo. Ele diz que sofrer pelo amor de Cristo, assim como seu Salvador sofreu por eles, deve ser encarado como um privilégio. Esta carta faz referência às experiências pessoais de Pedro com Jesus, assim como aos seus sermões do livro de Atos. Pedro confirma que Satanás é o grande inimigo de todos os cristãos, mas que a garantia do retorno futuro de Cristo fornece o incentivo de esperança.

Conexões: A familiaridade de Pedro com a lei e os profetas do Antigo Testamento permitiu-lhe explicar várias passagens do AT à luz da vida e obra do Messias, Jesus Cristo. Em 1 Pedro 1:16, ele cita Levítico 11:44: 
"...sejam santos, porque eu sou santo." 
Entretanto, ele começa com uma explicação de que a santidade não é alcançada pela observância da lei, mas pela graça concedida a todos os que creem em Cristo (v. 13). Além disso, Pedro explica a referência à "pedra angular" de Isaías 28:16 e Salmo 118:22 como sendo Cristo, o qual foi rejeitado pelos judeus através de sua desobediência e incredulidade. Referências adicionais do Antigo Testamento incluem o Cristo sem pecado (1 Pedro 2:22 / Isaías 53:9) e admoestações para uma vida santa através do poder de Deus que produz bênçãos (1 Pedro 3:10-12, Salmo 34:12-16; 1 Pedro 5:5, Provérbios 3:34).

Aplicação Prática: A certeza da vida eterna é dada a todos os cristãos. Uma forma de identificar-se com Cristo é compartilhar de Seu sofrimento. Para nós, isso significaria suportar os insultos e calúnias daqueles que nos chamam de "conservadores" ou "santinhos". Isso é tão insignificante comparado ao que Cristo sofreu por nós na cruz. Permaneça firme sobre o que você sabe e crê ser o certo e alegre-se quando o mundo e Satanás tentam te machucar.

  • 2 Pedro

Autor: Em 1:1 declara especificamente que o apóstolo Pedro foi o seu autor. A autoria de Pedro a esta espístola tem sido questionada mais do que qualquer outro livro no Novo Testamento. No entanto, nós, assim como os pais da igreja primitiva, não encontramos nenhuma boa razão para rejeitá-la.

Quando foi escrito: Esta segunda epístola de foi escrita no final da vida de Pedro. Já que Pedro foi martirizado em Roma durante o reinado de Nero, sua morte deve ter ocorrido antes de 68 d.C. Ele muito provavelmente escreveu 2 Pedro entre 65 e 68 d.C.

Propósito: Pedro ficou alarmado que falsos mestres estavam começando a infiltrar-se nas igrejas. Ele fez um chamado aos cristãos para crescerem e tornarem-se fortes em sua fé, a fim de detectarem e combaterem a crescente apostasia. Ele enfatizou fortemente a autenticidade da Palavra de Deus e a certeza do retorno do Senhor Jesus.

Versículos-chave: 2
"Visto como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento daquele que nos chamou pela sua glória e virtude; Pelas quais ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas fiqueis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo" (1:3,4).
"O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se" (3:9).
"Antes crescei na graça e conhecimento de nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo. A ele seja dada a glória, assim agora, como no dia da eternidade. Amém" (3:18).
A palavra-chave é "conhecimento", com seus sinônimos, ocorrendo pelo menos 13 vezes no livro de 2 Pedro.

Resumo: Sabendo que seu tempo era curto (1:13-15) e que essas igrejas enfrentavam perigo imediato (2:1-3), ele convidou os leitores a refrescarem a sua memória (1:13) e a estimularem a sua forma de pensar (3:1-2) para que pudessem se lembrar de seu ensino (1:15). Ele desafiou os crentes a se tornarem mais maduros em sua fé ao adicionar a ela virtudes cristãs específicas, assim tornando-se eficazes e produtivos em seu conhecimento de Jesus Cristo (1:5-9). 

Os escritores do Antigo e Novo Testamentos foram estabelecidos como a autoridade de sua fé (1:12-21, 3:2, 3:15,16). Pedro desejava que eles se tornassem firmes na sua fé para suportar os falsos mestres que haviam infiltrado e estavam influenciando negativamente as igrejas. Em sua denúncia deles, Pedro descreveu seu comportamento, sua condenação e suas características (capítulo 2), e também que eles ridicularizaram a segunda vinda do Senhor (3:3-7). 

Para os cristãos, Pedro ensinou que a Segunda Vinda era o incentivo para uma vida santa (3:14). Depois de uma advertência final, Pedro novamente encorajou-os a crescerem na graça e no conhecimento do seu Senhor e Salvador Jesus Cristo. Ele concluiu com uma palavra de louvor ao seu Senhor e Salvador (3:18).

Conexões: Em sua denúncia dos falsos profetas, Pedro repete um predominante tema do Antigo Testamento que deve ter sido muito familiar aos seus leitores. Muitos dos primeiros cristãos eram judeus convertidos que haviam sido bem ensinados na lei e nos profetas. Quando Pedro se referiu à "palavra dos profetas" do Antigo Testamento em 2 Pedro 1:19-21, ele de uma vez denunciou os falsos profetas e afirmou que os verdadeiros profetas eram movidos pelo Espírito Santo que falava através deles (2 Samuel 23:2). 

Jeremias foi igualmente contundente em sua crítica dos falsos profetas, perguntando: 
"Até quando sucederá isso no coração dos profetas que profetizam mentiras, e que só profetizam do engano do seu coração?" (Jeremias 23:26). 
Claramente, os mesmos iludidos falsos mestres que flagelaram o povo de Deus tanto no Antigo e Novo Testamentos ainda estão conosco, fazendo a segunda epístola de Pedro tão relevante hoje como era há 2000 anos.

Aplicação Prática: Certamente, como cristãos no século 21, estamos mais próximos da volta do Senhor que os cristãos do primeiro século, a quem esta epístola foi escrita. Através da televisão e outros meios de comunicação de massa, cristãos maduros estão conscientes de que muitos charlatões estão desfilando como verdadeiros líderes cristãos, e que os cristãos imaturos estão sendo "tomados" pelo seu charlatanismo e falsa interpretação das Escrituras. Cabe a todos os cristãos renascidos a serem tão fundamentados na Palavra que seremos capazes de discernir a verdade do erro.

A mesma receita para o crescimento na fé que Pedro deu (1:5-11), quando aplicada à nossa vida, irá assegurar-nos também uma rica recompensa na "entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (1:10,11). O fundamento da nossa fé é e sempre será a mesma Palavra de Deus que Pedro pregou.
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ANÁLISE DA VIDA DE JESUS, SEGUNDO OS EVANGELHOS

Os Evangelhos foram escritos algumas décadas após a morte e ressurreição de Jesus Cristo, pelos crentes daqueles dias. Graças aos relatos da história de Jesus encontrados nesses livros, Sua vida, Suas palavras, Suas ações e Sua promessa de salvação foram preservadas e compartilhadas vezes sem conta ao longo dos séculos. Lemos hoje os mesmos Evangelhos com os quais aprenderam seus primeiros leitores, há dois mil anos. Neste artigo faremos uma resumida análise da vida de Jesus, segundo o enfoque do Evangelhos.


"Biografia" autorizada pelo Espírito Santo


De muitas maneiras, os Evangelhos foram escritos de forma similar às antigas biografias que, ao contrário das modernas, os autores e historiadores não escreviam de um ponto de vista dito objetivo. Não tentavam, necessariamente, documentar todos os períodos da vida de um indivíduo nem ordenar seus relatos cronologicamente. 

Com frequência, agrupavam os acontecimentos em uma narrativa, mesmo que tenham acontecido em tempos diferentes. O que a pessoa sobre a qual escreviam disse — suas conversas, preleções — era muitas vezes abreviado ou parafraseado. 

Os autores dos Evangelhos escreveram dessa forma. 


Marcos nada nos conta sobre a vida de Jesus anterior ao Seu ministério. Mateus e Lucas escreveram sobre Seu nascimento, mas deram ênfase ou incluíram aspectos distintos. João deixou de fora muitos dos detalhes encontrados nos outros Evangelhos, concentrando-se mais em aspectos específicos dos ensinamentos de Jesus.

O propósito dos evangelistas não era fazer um relato detalhado da vida de Jesus. Nada nos contam sobre Sua infância, Sua relação com os pais e irmãos. Não discorrem sobre Seus traços de personalidades, gostos, preferências, etc. — detalhes tipicamente encontrados nas biografias modernas. Em vez de pormenorizarem as ações de Jesus, muitas vezes as resumem em frases, como: "Curou a todos" ou "Viajou pelas cidades e aldeias ensinando e pregando." 

Ao concluir o Evangelho que escreveu, João afirmou que Jesus fizera muitas outras coisas que ele não incluíra no livro. Os evangelistas apenas descrevam as partes da vida de Jesus que julgaram mais eficazes para informar aos leitores quem Ele era, o que pregou e o significado de Sua morte, Sua ressurreição e nossa salvação. O propósito principal era dar a boa notícia, atrair os outros à fé em Jesus, prover os recursos para ensinar aos novos convertidos sobre Ele e a mensagem que pregou, para que, por sua vez, ensinassem aos outros.

Antes de os Evangelhos serem escritos, boa parte do seu conteúdo era divulgado oralmente. Muitos dos ensinamentos de Jesus eram apresentados em forma de poesia, de forma similar aos escritos do Antigo Testamento, o que facilitava a memorização. Esse era o método mais usado na educação na antiguidade, em particular em Israel, o que permitia às pessoas recontar ensinamentos extensos, bem mais que os quatro Evangelhos reunidos.

O propósito dos Evangelhos


Antes de começarmos a tratar do conteúdo dos Evangelhos, convém falarmos um pouco sobre por quem, por que e onde foram escritos. Os historiadores datam os três primeiros Evangelhos — Mateus, Marcos, e Lucas — entre 45 e 69 d.C. e o último, João, em cerca de 90 d.C. Os três primeiros são denominados Evangelhos Sinópticos, pois, postos lado a lado em três colunas paralelas, suas semelhanças e diferenças podem ser facilmente observadas.

Não há como garantirem, mas os estudiosos de um modo geral apontam o Evangelho segundo Marcos como o primeiro a ser escrito, seguido de Mateus e Lucas. O consenso entre os acadêmicos é que Mateus e Lucas tiveram acesso ao texto de Marcos quando escreveram os seus, e que ambos tiveram outra fonte de consulta em comum. Além disso, Mateus dispunha de recursos independentes aos quais Lucas não tinha acesso, que, por sua vez, contava com suas próprias fontes. Isso explica a grande similaridade entre os conteúdos nos Evangelhos Sinópticos.

O Evangelho segundo João, escrito décadas após os outros três, não segue o mesmo padrão dos demais. Apesar de se assemelhar aos sinópticos em linhas gerais, possui peculiaridades no que diz respeito ao conteúdo, estilo e composição que o distinguem dos outros Evangelhos. 

Em vez de contar sobre o nascimento de Jesus ou relacionar Sua genealogia, como fizeram Mateus e Lucas, João explica a vinda de Jesus ao mundo como a manifestação da Palavra de Deus que se fez carne (adotando corpo humano). Em vez de recontar as parábolas de Jesus, registra Seus ensinamentos por meio de diálogos longos. João não dispõe os acontecimentos em uma ordem diferente da apresentada nos Evangelhos Sinópticos.

Além da difusão pela palavra falada das histórias da vida e ministério de Jesus, há indicações da existência de alguns relatos escritos de coisas que Jesus disse e fez, como evidenciado pelo que Lucas escreveu no início do Evangelho de sua autoria:
"Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos por aqueles que desde o início foram testemunhas oculares e servos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, desde o começo, e decidi escrever-te um relato ordenado, ó excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das coisas que te foram ensinadas" (Lucas 1:1-4).
Tonou-se importante que as informações sobre Jesus e Seus ensinamentos fossem escritas. Por dois motivos: 
  • A primeira é que as testemunhas oculares estavam envelhecendo e algumas já haviam morrido; 
  • A segunda é que o Evangelho havia se espalhado por boa parte do que então era o Império Romano. 
Isso significava que não era mais possível que os apóstolos e os outros primeiros cristãos viajassem para pontos mais remotos do império para ensinar o que aprenderam aos pés de Jesus. A história de Jesus, Sua vida e ensinamentos precisavam ser escritos para que fossem preservados e levados além dos limites do que eram capazes os que faziam a divulgação então.

Os evangelistas


Não encontramos nos Evangelhos explicitados os nomes de seus autores. Alguns escritos cristãos datados do início do segundo século foram usados como base para a identificação desses autores. A questão não é unanimidade entre os acadêmicos, mas há argumentos históricos para defender a autoria de Mateus, Marcos, Lucas e João. Vejamos alguns.
  • Mateus
A maior referência para Mateus, autor do livro com o mesmo nome, foi Papias (falecido por volta de 130 d.C.), bispo de Hierápolis, na Frígia (nas proximidades de Pamukkale, na atual Turquia). Outros escritores fazem menção à influência de Papias revelada no fato de o Evangelho segundo Mateus ter sido escrito em hebraico ou aramaico e, posteriormente, traduzido por outros. 

Atualmente, os estudiosos questionam se Mateus teria escrito de fato em hebraico ou aramaico, ou se o escreveu em grego usando o estilo hebraico. Outros pais da igreja — Irineu (c. 120–203), Orígenes (c. 185–254) e Eusébio (c. 260–340) — atestam a autoria de Mateus.
  • Marcos
Papias também foi a fonte para identificação do autor do terceiro livro do Novo Testamento, João Marcos, jovem que viajou com Paulo. A autoria foi ratificada por outros pais da primeira igreja. Papias escreveu que "o presbítero", que se subtende ser o apóstolo João, disse que Marcos, que havia trabalhado com o apóstolo Pedro, escreveu precisamente que este lhe havia ensinado e pregado sobre o que Jesus disse e fez. 

Marcos não fora testemunha ocular, mas escreveu o que Pedro lhe contara sobre a vida de Jesus. Era muito próximo do apóstolo, que o chamava "filho". Marcos era de uma família abastada de Jerusalém, primo de Barnabé (Atos 4:36.37), ao lado de quem viajou com Paulo. Apesar de haver se separado de Paulo e Barnabé durante suas viagens, resultado de um desentendimento com Paulo, os dois se reconciliaram tempos depois, como indicam os escritos do apóstolo:
"Traga Marcos com você, porque ele me é útil para o ministério" (2 Timóteo 4:11b).
  • Lucas
O Evangelho escrito por Lucas é o mais longo e o único que tem uma continuação: o livro Atos dos Apóstolos. Lucas não foi uma testemunha ocular do ministério de Jesus, mas a introdução que o evangelista faz ao terceiro livro do Novo Testamento deixa claro que ele colheu informações dentre os primeiros crentes, conferiu suas descobertas com testemunha oculares e ministros da Palavra, e ordenou os relatos. Lucas era médico e muito provavelmente, um gentio (ou seja, não era judeu) que conhecia Paulo com quem, às vezes, viajava. Diversos pais da primeira igreja apontam Lucas como o autor do terceiro Evangelho, o qual tem seu nome.

Os estudiosos de modo geral acreditam que Lucas teve acesso ao Evangelho escrito por Marcos e a boa quantidade de relatos orais e textos de outras fontes, pois mais de quarenta por cento desse livro é diferente dos demais Evangelhos, inclusive no que diz respeito às informações sobre o nascimento do Salvador, assim como citações e parábolas de Jesus não encontradas nos outros três livros canônicos que contam Sua vida. A análise do Evangelho segundo Lucas mostra que as descrições que o autor faz dos contextos, costumes e locais revelam uma grande preocupação com a precisão das informações.

Como Lucas é também o autor do Livro de Atos, que termina com Paulo ainda preso e, portanto, não relata a morte do apóstolo, é possível que o Evangelho segundo Lucas tenha sido escrito entre o final da década de 50 d.C. e o início dos anos 60 d.C., pouco antes da execução de Paulo. O público alvo de Lucas era, aparentemente, cristãos com um passado pagão. Os dois livros foram escritos para Teófilo, possivelmente um novo convertido gentio a quem o evangelista queria dar uma explicação completa sobre a vida e mensagem de Jesus.
  • João
A autoria do Evangelho segundo João tem sido amplamente debatida no último século. Os pais da igreja atribuíam ao apóstolo João, filho de Zebedeu, a condição de autor do Livro. Mais recentemente, isso foi questionado em face de suas características contrastantes quando comparado aos sinóticos. 

Os que questionam se João seria um dos evangelistas se fundamentam no fato de que esse Evangelho apresenta uma teologia mais desenvolvida que os demais e dispõe as palavras de Jesus em uma ordem também diferente. Isso os leva à conclusão de o livro ter sido escrito muito mais tarde. Portanto, essa rejeição se baseia na análise do texto e não em registros históricos.

Já os que defendem ter sido João quem escreveu o quarto Evangelho justificam sua posição com os escritos de vários pais da igreja, datados do segundo século. Irineu (c. 180) escreveu que João publicara um Evangelho quando vivia em Éfeso, na Ásia. Boa parte dos escritos de Irineu deriva dos de Policarpo (c. 69–155), seguidor de João.

A data tradicionalmente atribuída ao Evangelho segundo João é entre 90 e 100 d.C. Provavelmente, foi escrito em Éfeso, na atual Turquia.

Esse Evangelho não traz as parábolas encontradas nos sinóticos. Tampouco lemos nele sobre exorcismos, sobre a cura de leprosos nem sobre a Última Ceia, quando Jesus dividiu pão e vinho com Seus discípulos. João destaca diálogos que Jesus manteve com indivíduos, tais como com Nicodemos, com a samaritana à beira do poço e com os discípulos no cenáculo. 

Alguns estudiosos sugerem que João não teve acesso ou sequer conhecimento aos outros três Evangelhos; enquanto outros defendem que ele preferiu não repetir o que os outros já haviam escrito, escolhendo abordar outros aspectos da vida e ministério de Jesus.

Ao terminar o Evangelho, João especifica o propósito do livro:
"Jesus operou na presença de Seus discípulos muitos outros sinais miraculosos que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome" (20:30,31).
Apesar de a identidade dos evangelistas ser objeto de debate entre os eruditos, refiro-me neste artigo a Mateus, Marcos, Lucas e João como autores para evitar o uso de expressões como "o autor do Evangelho segundo Lucas", etc. conforme comumente usado por alguns pregadores.

Conclusão

O Evangelho Quádruplo


Na primeira metade do segundo século, talvez de dez a vinte anos após o Evangelho segundo João ter sido escrito, os quatro Evangelhos passaram a circular juntos e ficaram conhecidos como o Evangelho Quádruplo. Isso se tornou possível devido à adoção do códice, uma forma de publicação introduzida no fim do primeiro século, substituindo os pergaminhos. Similar aos livros atuais, os códices tinham folhas de papiro e papel velino, costuradas em um único volume. 

Nos pergaminhos, as folhas de papiro eram coladas em sequência pelas bordas, ficando lado a lado, em uma tira contínua. O início e o fim do pergaminho eram, muitas vezes, presos a peças cilíndricas nos quais as páginas se enrolavam, facilitando ao leitor passar de uma para a outra, movendo-as horizontalmente, da esquerda para a direita. Não seria prático ou sequer possível ter os quatro Evangelhos escritos em um único pergaminho, mas o códice permitiu a conveniência de reunir os quatro no mesmo volume.

Quando os Evangelhos começaram a circular juntos, o livro Atos dos Apóstolos, que deu continuidade ao Evangelho segundo Lucas foi mantido separado e não fazia parte do mesmo códice. Nesse período, outra coleção de escritos também circulava entre as igrejas — as cartas escritas por Paulo, chamadas epístolas. À época, o Livro de Atos funcionava com um elo entre os Evangelhos e as cartas de Paulo. Posteriormente, todos esses escritos se combinaram com outras epístolas para constituir o Novo Testamento.

[Fonte: A menos que indicado ao contrário, todas as referências às Escrituras foram extraídas da "Bíblia Sagrada" — Tradução de João Ferreira de Almeida — Edição Contemporânea, Copyright © 1990, por Editora Vida.]
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sábado, 25 de março de 2017

LIVROS QUE EU LI - "A DIVINA REVELAÇÃO DO INFERNO"


Este é um daqueles livros que eu li, mas que não deveria nunca ter lido. Uma caudalosa enxurrada de testemunhos de pessoas que supostamente estiveram no céu ou no inferno tem proliferado no meio dos evangélicos. São relatos surpreendentes, porém extremamente sensacionalistas e repletos de aberrações teológicas. Revelam ser, na verdade, produto de uma mente brilhante, capaz de produzir filmes como "Guerra nas Estrelas", "E.T., O Extraterrestre"  e tantos outros, arrancando até mesmo aplausos do gênio da ficção científica hollywoodiana, Steven Spielberg e provocando inveja no mestre do terror, o magnífico Stephen King.


A "obra" - criadora e criatura


"A Divina Revelação do Inferno" foi publicada originalmente em inglês com o título: "A Divine Revelation of Hell", em 1993, nos Estados Unidos. A autora, Mary Baxter, é ministra da Igreja Nacional de Deus, em Washington, EUA. Nasceu em Chattanooga, Tennessee, EUA. 

Segundo relata, começou a ter "visões" de Deus na década de 60, em Michigan; mas foi em 1976, que Jesus teria aparecido para ela, na forma humana, em sonhos, visões e revelações, durante quarenta noites, e mandou-a transmitir as profundezas, degradações e tormentos das almas perdidas no inferno (pp. 183, 184). 

Quem recomenda a leitura dessa patacoada


Entre as pessoas citadas, que indicam o referido livro, encontra-se a Sra. Marilyn Hickey, que num de seus livros ensina ter Noé, sob o efeito da embriaguez, praticado atos homossexuais com seu neto Canaã, além de dizer que o homem possui a natureza de Deus, tornando-se participante de "todos os seus atributos". Percebe-se, pois, que a insensatez acompanha não apenas a obra indicada, mas também quem a indicou.

Outro nome de peso é o de David (Paul) Yonggi Cho, que declarou: 
"Eu li este livro, tremendo no meu coração. Eu realmente creio que Rev. Baxter teve um verdadeiro encontro com a realidade do inferno na sua experiência da revelação de Jesus Cristo nosso Senhor" (quarta capa). 
Apesar de ser notável no meio evangélico, o Sr. Cho pode cometer erros (ele não é infalível!); aliás, não seria a primeira vez que ele ensina algo inconsistente (teologicamente falando). Em uma de suas obras, Cho diz que pediu a Deus três coisas: uma escrivaninha, uma cadeira e uma bicicleta; contudo, Deus disse que não poderia atendê-lo pela seguinte razão: Cho não especificou o que queria. Deus lhe teria dito: 
"Será que você não sabe que há dezenas de tipos de escrivaninhas, cadeiras e bicicletas? Mas você simplesmente pediu-me uma escrivaninha, uma cadeira e uma bicicleta. Não pediu uma escrivaninha específica, nem uma cadeira nem uma bicicleta específicas". 
Sem perceber, o Sr. Cho atentou contra a onisciência de Deus que, segundo o próprio Jesus, sabe de tudo que necessitamos, antes mesmo de pedir (Mateus 6:25-32).

Assim, devemos analisar as declarações da Srª. Baxter à luz da Bíblia, e não nos fiarmos em declarações de pessoas que, assim como nós, estão propensas a análises errôneas, não importa quão afamada seja tal pessoa no círculo cristão (Atos 17:10,11).


Contradições, equívocos... MENTIRAS


O caráter contraditório de algumas declarações desqualificam a "revelação" da Srª. Baxter. Por exemplo: na página 16 encontramos a suposta declaração de Jesus para ela: 
"Minha filha, levarei você até o inferno (...). Quero que escreva um livro e conte todas as coisas que vou revelar a você" (grifo acrescentado). 
Desobedecendo à ordem de Jesus, porém, ela comenta na p. 20: 
"Algumas coisas, por serem horríveis demais, não consegui passar para o papel" (grifo acrescentado). 
Ora, por mais que a mensagem a ser transmitida fosse dura, os profetas de Deus declaravam o que Ele ordenava, independentemente do que sentiam a esse respeito; tal foi o caso de Jonas, Jeremias, Oséias e outros. A Srª. Baxter revela não possuir características próprias de uma profetisa de Deus. Para terminar o festival de contradições, diz: 
"Como obreira de Deus, submeti-me ao comando de Nosso Senhor Jesus Cristo e registrei fervorosamente as coisas que me foram mostradas e reveladas por Ele" (p. 181) — grifo acrescentado.

O Inferno da Srª. Baxter


A Srª. Baxter relata sua "visita" ao inferno nos seguintes termos: 
"Jesus veio a mim em 1976 (...). Jesus levou-me ao inferno por um período de 40 dias. (...) No mesmo momento, minha alma foi retirada do meu corpo. Saí com Jesus do meu quarto em direção ao céu. (...) Meu corpo permanecia na cama, enquanto o meu espírito ia com Jesus através do telhado da casa. (...) Depois, começamos a subir cada vez mais e eu já podia ver a Terra embaixo. Saindo dela, de vários pontos, haviam tubos girando em direção a um ponto central, indo e vindo. Eles se moviam como gigantes, continuamente e envolviam a Terra toda. (...) São os portões do inferno" (pp. 11, 16-18).
A imaginação da Srª. Baxter é fertilíssima. Ela retrata o inferno como se fora um corpo humano. O livro tem alguns capítulos interessantes, como, por exemplo: A perna esquerda do inferno (02), A perna direita do inferno (03), O ventre do inferno (07), O coração do inferno (10), O braço direito do inferno (13), O braço esquerdo do inferno (14), As mandíbulas do inferno (19) etc. 

Relata a Srª. Baxter (aparentemente citando as palavras de Jesus): 
"O inferno tem a forma de um corpo (semelhante à forma humana) deitado no centro da Terra. Ele tem a forma de um corpo humano - grande e com muitos compartimentos cheios de tormentos (...). O corpo está deitado de costas, com os braços e as pernas estendidas para fora" (pp. 31, 32, 52, 53). 
Nada há nas Escrituras (nem mesmo na literatura apócrifa) que apoie essa versão da Srª. Baxter.

Curiosidades Infernais


O inferno da Srª. Baxter é sui generis. Nada há igual. Numa realidade totalmente espiritual, a Srª. Baxter usa e abusa de seu profuso talento artístico. Veja o que ela "viu" no inferno:
  • Ratos e serpentes (p. 53). Como foram parar ali?
  • Uma alma — com coração e sangue — dentro de um caixão (p. 57). De que era feito esse caixão, só a Srª. Baxter sabe.
  • Uma mulher presa numa cela, cujas paredes eram de "barro" e a porta de "um metal escuro com barras e uma fechadura", e sentada numa "cadeira de balanço, balançando e chorando copiosamente" (p. 70). Pelo que parece, o inferno anda contratando pedreiro, ferreiro e carpinteiro.
  • Há uma cena curiosa: satanás está despachando com um grupo de mulheres, instruindo-as para enganar a muitas pessoas. De repente, "uma estante alta foi trazida para perto de satanás e lá havia muitos papéis. Ele pegou alguns e começou a ler para as mulheres" (p. 63). De que eram feitos aqueles papéis que não queimavam nas profundezas ardentes do inferno da Srª. Baxter?

Aberrações doutrinárias


Doutrinariamente, Baxter se revela herege ao ensinar um conceito errôneo sobre a Trindade. Ela afirma ouvir de Deus, o Pai, o seguinte: 
"O Pai, o Filho e o Espírito Santo são uma única pessoa" (p. 158) - grifo acrescentado. 
Essa heresia, que não faz distinção entre as "pessoas" da Trindade, chama-se patripassionismo (ou modalismo, também conhecida como sabelianismo). Para os patripassianos, foi o próprio Pai que assumiu a natureza humana, sofreu, morreu e ressuscitou. Diziam que a expressão "Filho" refere-se à carne de Jesus (=natureza humana), e que "Pai" é o elemento divino unido à carne (=Deus). 

Hoje, muitas seitas ensinam tal heresia, como por exemplo o Tabernáculo da Fé, Igreja Pentecostal Unida do Brasil, Igreja Voz da Verdade, Testemunhas de Ierrochua etc. 

No inferno da Srª. Baxter, Satanás jamais sofre; ao contrário, ele conta com um "Centro de Divertimento" (p. 80), onde ele e seus demônios deleitam-se com a desgraça alheia (p. 82). O apóstolo João, porém, diz que Satanás, ao invés de ter um "centro de divertimento", será atormentado pelos séculos dos séculos (Apocalipse 20:10).

Torturada no Inferno


Ao visitar o "coração" do inferno (capítulo 10), juntamente com Jesus, ele a abandonou, entregando-a aos demônios. Ela conta que sofreu tormentos, foi aprisionada, ajoelhou-se diante de satã. Diz Baxter: 
"espíritos na forma de morcegos me mordiam por toda parte" (p. 90). 
Ao indagar de Jesus a razão desse incidente, a resposta foi: 
"Minha filha, o inferno é real. Mas você jamais poderia ter certeza até que experimentasse por si mesma. Agora você sabe da verdade e o que é estar perdido para sempre lá. Você poderá relatar para os outros a sua experiência, sem sentir nenhuma dúvida" (p. 92). 
O "jesus" (assim mesmo, com 'j' minúsculo) que conduziu a Srª. Baxter ao inferno não era o Jesus da Bíblia (2 Coríntios 11:4). O que a Srª. Baxter conheceu não se deu por satisfeito e, após essa experiência traumática, enviou-a mais uma vez para os tormentos infernais, desta vez às mandíbulas do inferno (capítulo 20). 

Depois de entrar em colapso, ela declarou que queria 
"estar bem longe – longe de Jesus, da minha família e de qualquer pessoa" (p. 92). 
Certamente que o Jesus dos Evangelhos não submeteria nenhum de seus irmãos a horrendas atrocidades, como se ele fosse um carrasco nazista.


Conclusão


Não há muito que aproveitar d'"A Divina Revelação do Inferno". A Srª. Baxter deveria levar a sério o que seu "jesus" lhe disse: 
"Mantenham-se afastados dos falsos profetas que falam em Meu nome e espalham doutrinas falsas. Despertem! Despertem!" (p. 114). 
Para concluir, o "jesus" da Srª. Baxter revelou medíocre conhecimento sobre o inferno, mas, em contrapartida, estava certo quando disse: 
"Minha filha, algumas pessoas ao lerem o livro que você vai escrever, acharão que tudo isso é uma obra de ficção" (p. 129). 
Dito e feito!

Para esse livro horrível sobre todos os aspectos meu carimbo de:

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