Há crimes que, pela repercussão, geram um esforço de investigação impressionante — a ponto de, em poucos dias, serem elucidados. E há outros que só são apurados após muita insistência.
Este caso pertence à segunda categoria. Esse crime, que marcou a história policial da capital mineira, é o que relembro aqui, em mais um capítulo da minha série especial de artigos, Eu Não Me Esqueci.
Relembre o caso
Em 6 de agosto de 2000 a ex-modelo Cristiana Aparecida Ferreira foi encontrada morta em um flat de luxo aqui em Belo Horizonte.
As investigações iniciais indicavam que a modelo teria cometido suicídio ao ingerir veneno para ratos, conhecido como "chumbinho".
Duas pessoas chegaram a ser presas, suspeitas de assassinato: o noivo da modelo, Luiz Fernando Ferreira, e o sócio dele, Fábio Araújo.
Duas pessoas chegaram a ser presas, suspeitas de assassinato: o noivo da modelo, Luiz Fernando Ferreira, e o sócio dele, Fábio Araújo.
Um ano depois, o caso foi arquivado. Os promotores responsáveis pela investigação do caso diziam ter certeza de que a modelo teria sido assassinada e, a pedido da família, o caso foi reaberto, em novembro de 2002.
Só quando se passaram dois anos e meio do assassinato, que se conheceu oficialmente a causa da morte — Cristiana foi sufocada com um objeto de pano, que pode ter sido um travesseiro ou um lençol enrolado. Ela foi agredida e as marcas da violência foram registradas em seu corpo.
Imbróglio jurídico
Para chegar a essa conclusão foi preciso reanalisar as fotos da vítima, exumar o cadáver e fazer uma necropsia. O primeiro laudo, que atestava um suposto "suicídio", revelou-se uma grosseira peça de ficção.
Os médicos-legistas responsáveis pelo documento, Remar dos Santos e Tyrone Abud Belmak, à época dos fatos, não se pronunciam. O Ministério Público (MP), então, começou a investigar por que foi montada a farsa, típica dos anos da ditadura.
A vítima
Cristiana, morena de 1,78 metro, queria fazer carreira de modelo, mas, aos 24 anos, havia conseguido apenas se tornar uma figura popular entre os ricos e famosos da capital mineira.
Quando foi morta — aparentemente por um ex-namorado ciumento, que perdeu a carona na ascensão social e nas amizades importantes da moça —, o MP teve de enviar à polícia diversos ofícios pedindo a apuração do caso.
"Requisitamos várias diligências, mas elas nunca foram feitas",
disse o então promotor Luís Carlos Martins Costa.
Quando a polícia encaminha um cadáver para o IML, tem de preencher uma ficha pedindo vários tipos de exame — basta marcar um "x" em cada um deles. Pode-se procurar, por exemplo, indícios de agressão física e violência sexual.
O corpo de Cristiana foi encontrado na cama apenas de sutiã, sem calcinha e com vários hematomas, mas os investigadores solicitaram apenas exame toxicológico, anotando ao lado: "Suspeita de suicídio".
Na cena do crime não havia nada que sugerisse isso, como vidro de raticida, seringa ou bilhete de despedida. O boletim de ocorrência foi lavrado em 6 de agosto daquele ano. Somente no dia 11 de dezembro, quatro meses depois, foi instaurado um inquérito policial.
Ele passou por vários delegados e muitas trapalhadas — um ex-namorado, o empresário Luiz Fernando Novaes, chegou a ser preso e depois solto por falta de provas. A conclusão final, porém, foi novamente de "auto-extermínio". O Ministério Público teve de investigar sozinho, colher 41 depoimentos e pedir a exumação do cadáver.
Um suspeito, muitos supostos envolvidos
O ex-namorado Reinaldo Pacífico, contra quem Cristiana já havia registrado um boletim de ocorrência por agressão, vinha perseguindo a modelo.
Sujeito misterioso, além de teólogo, ganhava a vida como detetive particular mas se apresentava como "juiz criminal". Ele tornou-se o principal suspeito depois que uma testemunha — que ficou sob proteção federal — admitiu tê-lo ouvido confessar o crime.
Parece difícil, contudo, que Pacífico tenha sido capaz de agir sozinho na etapa seguinte do crime — a de embaralhar pistas e transformar sinais de um assassinato brutal em suicídio.
Essa tarefa exigia a cumplicidade de policiais, além da boa vontade da cúpula da máquina de segurança de Minas Gerais — recursos pouco acessíveis na mala de truques de um detetive particular. Por isso a promotoria quis apurar o que levou a polícia e os legistas a conduzirem a investigação de forma tão relapsa. De acordo com as investigações, houve indícios de supressão e de alteração de documentos.
Entre outros papéis, sumiu o depoimento de um dos irmãos da vítima, Cláudio Ferreira, que havia dado a lista de todas as pessoas importantes com as quais Cristiana teria se relacionado.
"O delegado chamou o rapaz alguns dias depois, disse que o depoimento não tinha validade e o questionou novamente, orientando para não citar nomes",
acusou o promotor do caso.
Relações Perigosas — Enredo de série policial
Entre os famosos mencionados pela família de Cristiana estava Jairo Magalhães Costa, diretor do extinto Banco Real, o único a admitir ter tido um caso com a moça. Mas uma irmã da vítima, Simone Ferreira, testemunhou dizendo que ela "estava se encontrando" com Djalma Moraes, então presidente da Companhia Energética de Minas (Cemig), a companhia estatal gerenciadora da energia elétrica em Minas Gerais.
Ele, que era casado, obviamente, negou qualquer relacionamento com a modelo e declarou que a viu apenas duas vezes — foram apresentados por outro figurão, o ex-secretário da Casa Civil Henrique Hargreaves. Moraes admitiu, então, ter tido apenas um contato profissional com a modelo e que, no dia da morte, estava em Juiz de Fora.
Antes de morrer, Cristiana fez 22 ligações. Na lista, constavam os números da Casa Civil de Minas, da Cemig e da casa de Moraes.
Em outro depoimento, uma amiga de Cristiana disse que ela apregoava um breve caso com o ex-governador Newton Cardoso, que declarou jamais tê-la visto na vida. E vários parentes afirmaram que Cristiana era amiga próxima do então ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, para quem trabalhava e viajava frequentemente.
Num depoimento tomado às vésperas da posse na equipe do primeiro governo de Lula (PT), em 2003, Mares Guia disse que a conhecia de vista. Para uma pessoa tão pouco relacionada, é surpreendente que tenha conseguido ser recebida no Palácio da Liberdade, quando chegou a ser fotografada ao lado do governador Itamar Franco (✩1930/✞2011) — parentes dizem que ela fora pedir um emprego.
A agenda
Uma agenda de Cristiana levou a polícia a nomes. Autoridades do governo de Minas eram citadas. A família afirmava que ela frequentava gabinetes de secretários de estado.
Entendeu-se que pessoas importantes queriam proteger sua intimidade, especialmente contra boatos que podiam não ter fundamento. Resta saber se foi por influência política que o primeiro laudo notava "ausência de lesões externas macroscopicamente visíveis" num cadáver com três fraturas e vários hematomas.
É um erro tão grosseiro que lembrou os documentos produzidos nos anos de chumbo para mascarar a tortura de presos políticos.
Os desdobramentos
Cristiane foi assassinada em agosto de 2000 e quase três anos depois foi que Reynaldo Pacífico, acusado de matar a modelo nas dependências do San Francisco Flat, no centro de Belo Horizonte, foi condenado a 14 anos de reclusão em regime fechado e jamais foi detido.
Embora o crime tendo ganhado repercussão nacional por envolver o nome de vários políticos de projeção, entre eles o ex-presidente Itamar Franco, o ex-secretário da Casa Civil de Minas, Henrique Hargreves, o ex-governador Newton Cardoso, o ex-ministro do Turismo do primeiro governo do presidente Lula, Walfrido dos Mares Guia e o presidente da Companhia Energética de Minas Gerais, Djalma Moraes.
Em agosto de 2005, a ligação da morte da modelo com o escândalo do mensalão mineiro veio à tona, depois que a tal agenda, já mencionada, com o telefone e o endereço de uma das agências de propaganda do empresário Marcos Valério Souza ser apreendida.
A modelo Cristiane Aparecida Ferreira, além de envolvimento sexual com os políticos, teria se transformado também em agenciadora de garotas de programas e "mula" para o transporte de dinheiro proveniente do "mensalão".
Após o júri, um de seus parentes, que não quis se identificar, revelou que no dia em que ela foi morta ele recebeu um telefonema dela, dado de São Paulo, pedindo para ir se encontrar com ela que estava de posse de uma mala com um milhão de reais.
Ele viajou a São Paulo, houve um desencontro, Cristiane veio para Belo Horizonte e acabou sendo morta. Com este novo documento mostrou que Cristiane Aparecida Ferreira teria recebido quase R$ 2 milhões de políticos e empresários ligados ao mensalão, levantando ainda mais a hipótese de que ela estaria associada ao caso e de que o assassinato pode estar relacionado ao esquema. O documento teria sido entregue a família de Cristiane, tendo sido posteriormente investigado, como uma das peças do polêmico caso.
Em 19 de dezembro de 2002 o corpo da modelo foi exumado, com base em laudo pedido pela família. Segundo o promotor de Justiça Francisco de Assis Santiago, o laudo do perito Roberto Campos após a exumação comprovava que a modelo tinha morrido asfixiada com um travesseiro ou uma toalha.
O documento indicava ainda fraturas no nariz de Cristiana, em dedos da mão direita e na última vértebra. O legista também detectou diversos hematomas na parte interna do braço.
Com o relatório, o promotor deu como encerrado o procedimento administrativo do caso, e o Ministério Público fez a denúncia contra o detetive particular Reinaldo Pacífico, ex-namorado da modelo. Ele teve a prisão decretada em 7 de janeiro de 2003, mas ficou foragido até maio do mesmo ano.
O já citado irmão de Cristiana, Eduardo Alves Ferreira, ao prestar depoimento ao promotor Francisco Santiago, do 2º Tribunal do Júri de Minas, em agosto de 2005, afirmou que, pouco antes de morrer, Cristiana começou a se envolver com políticos e a receber telefonemas de Brasília e de São Paulo.
Segundo ele, em determinado momento a modelo começou a viajar para Brasília com malas lacradas. Ela dizia para o irmão que eram "documentos de altíssima importância". Cristiana teria ficado preocupada, certa vez, porque precisava fazer um depósito de R$1,3 milhão, dinheiro que pertenceria a políticos. Na época, Euler Marques foi procurado, mas não foi encontrado para comentar o caso.
Conclusão
Queima de arquivo?
A polícia do então governo tucano de Minas Gerais jamais quis investigar o assassinato de Cristiane Ferreira.
O fato é que, a bela jovem Cristiane, 24 anos, além de andar com muito dinheiro do mensalinho, era amiga íntima, mais do que íntima, de um presidente da República, de dois ex-governadores de Minas Gerais, e de dois ex-ministros de Estado, entre outros figurões dos poderes do País da Geral.
O ex-amante de Cristiane, um detive particular, foi acusado e condenado pelo crime, e, mesmo condenado, continuou ainda leve e solto, por um bom tempo, não tendo jamais revelado o(s) mandante(s).
Esse mesmo silêncio, que por muito tempo garantiu sua liberdade, enquanto a justiça de Minas não estava nem aí. Ah, sim, só para citar, também a justiça de Minas engavetou o mensalinho tucano. Enfim, vida que segue, tudo como dantes, no quartel de Abrantes, mas, eu não me esqueci.
[Fonte: Texto originalmente publicado no Jornal Extra, livremente adaptado por Leonardo S. Silva]
Ao Deus Perfeito Criador, toda glória.
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E nem 1% religioso.
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