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domingo, 17 de julho de 2022

OS INSTINTOS SEXUAIS: COMUNS À NATUREZA HUMANA X OS IMPULSOS CARNAIS: E SUAS NOCIVAS ANOMALIAS

"Assim, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena de vocês: imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus e a ganância, que é idolatria. [...] Por isso digo: 'Vivam pelo Espírito, e de modo nenhum satisfarão os desejos da carne'" (Colossenses 3:3; Gálatas 5:16 — grifos meus).
O estarrecedor caso recente, envolvendo o [agora ex] médico anestesista, Giovanni Quintella Bezerra, 31 anos, preso em flagrante, na madrugada da última segunda-feira, 11, após abusar sexualmente de uma paciente parturiente, dentro de uma sala de cirurgia obstétrica, em um hospital no Rio de Janeiro, me serviu de inspiração para escrever esse artigo.

De acordo com a conhecida perita criminal Rosângela Monteiro, em uma live no canal Investigação Criminal, no YouTube, não querendo em absoluto, minimizar ou justificar (mesmo porque, é algo injustificável) os atos escabrosos, monstruosos, cometidos por essa criatura inqualificável, a renomada especialista, fazendo uma análise do contexto e do perfil dele, diz que Giovanni, certamente é portador de parafilia.

O que é parafilia?


De acordo com a Psicologia, as parafilias podem definir-se enquanto perturbações sexuais, mais especificamente, perturbações da orientação sexual, mais comumente designadas por "perversões sexuais", na gíria. Assim, as parafilias são orientações ou preferências sexuais não convencionais, por oposição a orientações sexuais saudáveis ou convencionais.

Quem sofre de um transtorno ou perturbação parafílica tem uma orientação sexual não saudável, isto é, tem fantasias, impulsos ou comportamentos sexuais intensos e recorrentes referentes a objetos e situações incomuns, portanto não considerados atrativos do ponto de vista sexual pela maioria das pessoas.

Assim, para que se considere que a pessoa sofre de uma parafilia, é necessário que, para além do sofrimento resultante da desaprovação social, a pessoa sinta angústia pessoal em relação ao seu foco parafílico. 

Mas isto não chega, sendo também necessário que o seu desejo ou comportamento sexual provoque o sofrimento, dano ou mesmo morte de outrem ou a prática sexual com pessoas que não querem ou que não podem ou não conseguem dar o seu consentimento para a mesma.

Mas o diagnóstico de parafilias implica que estas fantasias, impulsos ou comportamentos sexuais atípicos sejam recorrentes, persistam há pelo menos 6 meses e causem sofrimento pessoal ou disfunção a nível social.

As parafilias em si não necessitam obrigatoriamente de tratamento. Apenas quando existe sofrimento e disfunção para a pessoa é que se considera existir transtorno parafílico e o tratamento é adequado nesse caso.

O tratamento das parafilias é muito desafiante e complexo, pelo que é muito importante combinar a psicoterapia com medicação, a longo prazo. 

A natureza desafiante e complexa do tratamento está relacionada com a natureza da perturbação parafílica, que por definição é de cunho impulsivo, obsessivo e incontrolável, sendo que na ausência do estímulo parafílico a pessoa não obtém a vivência de uma sexualidade com prazer, causando assim também problemas relacionais com o/a parceiro/a sexual.

Mas, o que podemos saber, o que nos ensina a Bíblia sobre os instintos (que são naturais ao ser humano) e os impulsos sexuais (estes, são os que podemos chamar de transtornos, que geralmente levam o ser humano à prática que fogem do que se pode considerar normal, na vivência da sexualidade)? É o que iremos analisar no texto deste artigo.

A sexualidade na vida cristã

Uma perspectiva social


Nas últimas décadas, a temática da vida sexual vem se visibilizando na academia (e na sociedade) com relevo e importância (VANCE, 1995). Como nos lembra Foucault (1993a), isso se deve ao fato de, na modernidade, a sexualidade ser percebida como ponto de intersecção entre indivíduo e sociedade, operacionalizadora de problemáticas relacionadas à vida, à saúde, à doença e à morte — todas de especial interesse para políticas locais e globais. Temos na sexualidade um lugar estratégico para a gestão de populações.

Podemos dizer que foi numa perspectiva de refletir sobre os "perigos do sexo" que os anos de 1980 viram emergir no Brasil uma série de estudos sobre a sexualidade, sobre o "risco" das pessoas contraírem Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), dentre elas a Aids, e sobre a "gravidez na adolescência". 

Sem querer retomar aqui uma revisão de como evoluíram esses dois campos de estudos (vide CALAZANS, 2000; RIOS et al., 2002), gostaria de resgatar das perspectivas que considero mais promissoras, fruto dos debates dos últimos anos, uma sinalização que muitas vezes foi dita, mas que poucos levaram a sério na elaboração de pesquisas e/ou intervenções: 
  • a importância das culturas religiosas na construção da sexualidade — na produção e reprodução da vida social (cf. especialmente MACHADO, 1996; RIOS, 2004; GIUMBELLI, 2005). 
Talvez, por que levaram a sério demais um velho vaticínio dos clássicos cientistas sociais da religião, que apontavam para um futuro desencantado, em que a religião cederia espaço à ciência (WEBER, 2004; BERGER, 1985). 

Mas o vaticínio não se cumpriu (pelo menos, não completamente) nem no Brasil, nem no mundo (HERVIEU-LÉGER, 1997; BERGER, 2001; MARIZ, 2001 e 2006; SOUZA, 2007).

Do mesmo modo, numa outra via de reflexão que tira o foco do sexual, vale recuperar outro importante ingrediente na proposta de se levar mais a sério o lugar da religiosidade quando se quer pensar (e promover) a saúde sexual. 

Ele consiste numa revisão dos significados da "sexualidade" no Ocidente, enfocando seu trato ao longo da história do cristianismo. Nossa expectativa é a de que possa iluminar as compreensões atuais sobre as questões referentes à sexualidade, dentro e fora dos contextos religiosos do Brasil contemporâneo. 

Questões, lembro, de especial interesse para os preocupados com velhas e novas problemáticas localizadas no campo do que se tem denominado de direitos sexuais e reprodutivos, com rebatimentos não apenas no contexto religioso, mas no campo da saúde pública.

O corpo cristão: 

"na minha carne, não habita bem algum"


"Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço" (Romanos 7:18,19).
Corpo e Espírito são temas-chave nos discursos religiosos cristãos, articulados quase sempre por uma perspectiva teleológica de "salvação", neste ou no "outro mundo". 

É certo que visões de mundo e de "outro mundo" variam de denominação a denominação. Talvez o que não varie, nas diferentes tradições de fundo cristão, é a existência de uma série de técnicas de poder, incorporadas enquanto técnicas de si (FOUCAULT, 2004), que se propõem, através de ações sobre o corpo, viabilizar o alcance de estados ideais de "santidade" (nas múltiplas definições que cada religião dá ao termo). 

Outra característica que perpassa as várias tradições cristãs é que nelas, as técnicas de si, em menor ou maior grau, vão incidir e refletir sobre as implicações morais a propósito do que os humanos fazem com os desejos e as sensações prazerosas do baixo corporal, para si mesmos e para a obra divina.

Neste contexto, o corpo-carne, do qual o apóstolo Paulo foi um dos principais comentadores do cristianismo nascente, parece se afigurar como importante categoria de entendimento do sexual e do que se deve com ele fazer. 

Sem nenhuma pretensão de exegese teológica, vejamos então como a carne aparece no Novo Testamento, mais especificamente nas epístolas paulinas. Nelas o termo torna-se emblemático, sendo retomadas, séculos depois, pelos especialistas cristãos organizados numa estrutura de igreja, que será dominante na Europa e daí disseminada pelo mundo nas práticas de colonização (ARIÈS, 1987).

O pastorado


Também é importante refletir sobre quais são, e como operam, os mecanismos para que as diretrizes do cristianismo se cumpram em seus seguidores. Em Omnes et Singulatim, Foucault (2006)12 discute o poder exercido pelo cristianismo sobre os adeptos, através do dispositivo do pastorado — em outras palavras, as tecnologias de poder feitas tecnologias de si. 

A metáfora do cuidado prestado pelo pastor ao seu rebanho, para falar da gestão de comunidades não é uma invenção do cristianismo. Ela vai aparecer entre gregos e hebreus, mas vai ganhar novo sentido no contexto cristão.
"Na concepção cristã, o pastor deve prestar contas - não só de cada uma das ovelhas, mas de todas as suas ações, de todo o bem ou o mal que são capazes de realizar, de tudo o que lhes acontece" (FOUCAULT, 2006, p. 367). 
O cristianismo institui, então, um intercâmbio e uma circulação complexos de pecados e de méritos entre cada ovelha e seu pastor:
"O pecado da ovelha é também imputável ao pastor. [...] ajudando seu rebanho a encontrar a salvação, o pastor encontrará também a sua. Mas, salvando suas ovelhas, corre o risco de se perder; se quiser salvar a si mesmo, deve necessariamente correr o risco de estar perdido para os outros. Se ele se perder, é o rebanho que ficará exposto aos maiores perigos" (FOUCAULT, 2006, p. 367 — grifo meu).
Estes paradoxos ajudam a acentuar o que será sublinhado por Foucault (2006) como uma complexidade dos vínculos morais associando o pastor a cada membro de seu rebanho, individualmente. Afinal, 
"Não basta saber em que estado se encontra o rebanho. É necessário também conhecer o de cada ovelha".
Esses vínculos não dizem apenas respeito à vida pública dos indivíduos, mas também aos seus atos nos ínfimos detalhes: 
"o pastor deve ser informado das necessidades de cada componente do rebanho, e [...] deve saber o que passa na alma de cada um, conhecer seus pecados secretos, sua progressão no caminho da santidade" (FOUCAULT, 2006: 368-369).
Para dar conta desse conhecimento necessário para a condução do rebanho, o cristianismo irá reelaborar dois elementos advindos do mundo helênico: o exame de consciência e a direção de consciência.
O exame de consciência —, sabe-se, era comum entre os pitagóricos, os estóicos e os epicuristas, que nele viam um meio de prestar contas cotidianamente sobre o bem e o mal realizado com relação aos seus deveres. 
Assim, se podia medir sua progressão no caminho da perfeição, ou seja, o domínio de si e o império exercido sobre as próprias paixões.
 
A direção de consciência — era também predominante em certos ambientes cultivados, mas tomava então a forma de conselhos dados — e às vezes retribuídos — em circunstâncias particularmente difíceis: na aflição, ou quando se sofria de um golpe de sorte (FOUCAULT, 2006, p. 369).
No pastorado cristão, o exame de consciência não terá o intuito de cultivar a consciência de si, mas permitirá a pessoa abrir-se inteiramente ao seu diretor: revelar-lhe as profundezas da alma. 

Já a direção de consciência se constituirá em uma ligação permanente: a ovelha não se deixará conduzir apenas no caso de precisar enfrentar algum passo perigoso; ela se deixará conduzir em cada instante. 

Para o cristianismo, diz Foucault (2006), há um vínculo entre a obediência total e o conhecimento de si, articulado e mediado pela confissão a alguém.

Foucault (2006) nos lembra, entretanto, que nos primeiros tempos do cristianismo, antes de se instalar a técnica da confissão — restrita à relação dual entre o pastor e a ovelha — era, o que chamaremos aqui de testemunho público, a principal forma de lidar com o pecado:
"O exomologêsis era o ritual pelo qual um indivíduo se reconhecia como pecador e como penitente. Compreendia muitas características: primeiramente, o pecador possuía estatuto de penitente para um período que poderia ser de quatro a dez anos, e esse estatuto afetava o conjunto de sua vida. [...] sua vida não se pareceria mais às dos outros. Mesmo depois da reconciliação, certas coisas lhe permaneceriam proibidas: por exemplo, não poderia se casar ou tornar-se pai." (FOUCAULT, 2006, p. 369).
Finalmente a última transformação — para Foucault (2006, p. 370) talvez a mais importante:
"todas estas técnicas cristãs de exame, de confissão, de direção de consciência e de obediência têm uma finalidade: levar os indivíduos a trabalhar na sua própria 'mortificação' neste mundo". 
Neste contexto, a mortificação ou penitência, enquanto forma de relação para consigo mesmo, assume o sentido de 
"renúncia a este mundo e a si mesmo: uma espécie de morte cotidiana. Morte que é considerada por dar a vida no outro mundo."
O dispositivo estava, então, pronto: a centralidade dos pecados da carne, no modo como se situam na ordem do mundo e em suas implicações para os indivíduos; o jogo do controle para "saber" e o da disciplina para "fazer", por meio do pastorado, os cristãos responsáveis por si e pelos outros. 

E, não só em suas vidas públicas e em seus atos: o imperativo do exomologêsis e/ou da confissão torna possível 
"desemboscar tudo o que de fornicação secreta possa se ocultar nos mais profundos vincos da alma" (FOUCAULT, 1987, p. 28).

O corpo e a sexualidade: 

a carne feita risco nos dias atuais


Da Igreja nascente aos dias atuais, o cristianismo "cresceu e se multiplicou". Ao longo dos séculos, disputas sobre os sentidos da letra dos primeiros apóstolos criaram fraturas, cismas, reformas e contra-reformas. 

E se a religiosidade, como se pensava, não foi erradicada do mundo moderno (BERGER, 1985 e 2001), podemos dizer que são 20 séculos ao longo dos quais o cristianismo influencia e é influenciado por outros modos de conduzir técnicas de poder e de si na formação e manejo de indivíduos e populações. 

Assim, ainda que o meu foco aqui esteja nos dispositivos religiosos cristãos na apreensão do corpo e da carne, não podemos desconsiderar outros dispositivos institucionais no diálogo com os primeiros. 

No caso contemporâneo, o Estado laico tem-se apresentado como uma instituição de onde estes dispositivos são mais fortemente elaborados — dele não escapando nem mesmo a tentativa de controle sobre o que é dito e feito pelas diferentes religiões.

Mas, sublinho, não devemos pensar que estes dois regimes de intervir nos indivíduos e grupos para constituir a sexualidade e a reprodução social — o religioso e o estatal — se encontram tão afastados e dicotômicos, como muitas vezes é pensado. 

Lembremos, com Weber (2004), que vem da própria "ética religiosa" (protestante) muito do que faz o "espírito" que possibilitou o capitalismo moderno e o Estado burguês se constituirem; não apenas como um modo de operar economicamente, mas um verdadeiro sistema cultural, ou seja, capaz de engendrar pessoas afeitas e prontas para reproduzi-lo:
"[...] a ascese puritana — como toda ascese "racional"  trabalhava com o fim de tornar o ser humano capaz de enunciar afirmativamente e fazer valer, em face dos 'afetos', seus 'motivos constantes', em particular aqueles que ela mesma lhe 'inculcava': — com o fim, portanto, de educá-lo como uma 'personalidade', neste sentido da psicologia formal. 
Poder levar uma vida sempre alerta, consciente, clara, ao contrário do que se fala em muitas das representações populares, era meta; eliminar a espontaneidade do gozo impulsivo da vida, a missão mais urgente; botar ordem na conduta de vida de seus seguidores, o meio mais importante da ascese. 
Todos esses pontos de vista, que são decisivos, encontram-se estampados nas regras do monasticismo católico tanto quanto nos princípios de conduta de vida calvinistas. 
[...] Fácil captar, por outro lado, em que ponto se dava o contraste entre a ascese calvinista e a medieval: na supressão dos cosilia evangélica e, com isso, na transformação da ascese em ascese puramente intramundana (WEBER, 2004, p. 108-109)."
Segundo Weber (2004), a reforma protestante viria, paulatinamente, mudar os termos do que seria necessário para alcançar-se o outro mundo: eliminação da magia como meio de salvação; supressão das "mortificações corporais", que dará lugar a ascese via o trabalho neste mundo; permissão do acúmulo, ainda que austero, de bens, enquanto demonstração da fruição da graça. 

Esse novo contexto simbólico constituirá solo propício para o desenvolvimento do racionalismo burguês. A partir de então o caminho está aberto para uma perspectiva secular de estar no mundo, para a emergência de um Estado laico dissociado da magia e religião – ao menos pretensamente.16

No que concerne ao nosso objeto de interesse, Foucault (1993a e 1993b) lembra que, no processo de modernização do ocidente, a sexualidade deixa de ser percebida como mediadora para o acesso ao "outro mundo". 

Não obstante, como já apontamos no início deste ensaio, será apreendida como operacionalizadora de questões relacionadas à vida e à morte, lugar estratégico para a gestão de populações.

Conclusão


Assim, nos tempos atuais, no momento mesmo em que a carne parece perder força discursiva para se pensar a salvação da alma, o desejo sexual (res)surge triunfante enquanto fator chave para o cálculo dos riscos, e salvação da sociedade. 

Mais uma vez, um lugar privilegiado de intervenção da coletividade sobre o indivíduo, onde o manual das técnicas de si deixa de ser a Bíblia, ou os manuais de higiene sexual dos eugenistas, os tratados dos sexólogos e os escritos dos psicanalistas dos séculos XIX e XX. Agora os manuais são as "Cartilhas de Sexo Seguro" — sempre incluindo um capítulo sobre métodos contraceptivos!

Com efeito, considerando a inspiração de Foucault (2006) no parágrafo supracitado, podemos seguir uma das muitas linhas interpretativas que o termo demoníaco oferece e nos perguntar se não seria este (o demoníaco) a condição de ser sujeito (d)à carne — entendida como concupiscência no ideário religioso, ou como o erótico no ideário científico moderno? 

A "essência" do sexual que se nega à disciplina. Afinal, a força erótica, essencializada pela religião e pela bio-medicina, se interpõe e subverte a toda tentativa de disciplina (cf. RIOS et al., 2008b).

Como mostram Rios, Paiva, Maksud et ali (2008b), de algum modo o "vigiai e orai" das escrituras bíblicas continua estratégia para manter, adeptos/cidadãos, a serviço da obra (divina e/ou do Estado), bem longe das tentações. 

Neste contexto, é interessante notar que para o Modelo Transteórico (PROCHASKA; VELICER, 1997), o mais citado entre as abordagens individualistas para a promoção da saúde, as mudanças de comportamento devem ser compreendidas e estimuladas a partir de cinco construtos: estágios de mudança, processos de mudança, balanço decisório, autoeficácia e tentação. 

Nesse contexto teórico, e no caso das intervenções em saúde sexual e reprodutiva, a tentação, enquanto desejo sexual, assume o lugar da carne, que teima a desestabilizar os cálculos, solicitados pelos técnicos aos indivíduos como forma de se manterem seguros e saudáveis.

Não obstante, e de modo um tanto inusitado, nesse processo de pensar o lugar da carne na história do ocidente fomos levados um pouco mais longe em nossas reflexões, as quais, gostaríamos de compartilhar aqui, na perspectiva de oferecer mais recursos para montar essa agenda de pesquisas que gostaríamos de ver se configurar.

Assim, as leituras de Ariès (1987), Foucault (1993a, 1993b, 2006, 1987), Bakhtin (1996), Sahlins (2004), Weber (2004) — e outros autores os quais chamo para conosco dialogar neste artigo —, assim como a Bíblia e sua exegese nos fizeram questionar algo do próprio princípio epistemológico que nos conduz: o construcionismo. 

Fizeram-nos indagar, junto com Vance (1989), sobre o que estamos tomando como construído quando falamos da construção social da sexualidade; sobre o lugar do corpo neste campo epistemológico; e sobre qual a definição daquilo que chamamos de sexualidade, de modo tão corriqueiro e pouco refletido dentro do próprio campo no qual nos localizamos.

Por fim, os contextos teóricos e empíricos, acima esboçados, nos fazem pensar não apenas que o cristianismo desenvolveu uma forma própria de pensar o sexual, mas, e enfaticamente, numa construção sexual do próprio cristianismo. 

Seguindo esta linha, a partir dos autores australianos, e indo mais adiante, quero finalizar este artigo com mais uma indagação: 
em que medida a história passada e presente da carne cristã, em suas diferentes dimensões e implicações, pode nos levar a pensá-la como, ela mesma, constitutiva das categorias que orientam a história do ocidente?
Por certo, para não tornar esse texto ainda mais extenso e complexo, não terei espaço para aprofundar estas questões à luz da história da carne. Ainda assim, quero provocar uma reflexão com bases sólidas e, porque não, um debate sem imposição religiosa, mas equilibrada espiritual e cientificamente, sobre os instintos sexuais: comuns à natureza humana X os impulsos carnais: e suas nocivas anomalias.

[Fonte: Saúde e Bem Estar em Portugal — por Dra. Sónia Araújo, Psicóloga Clínica, Membro Efetivo OPP (CP 1300). SciELO — Adaptação do original de: Luís Felipe RiosRichard ParkerVeriano Terto Junior (Acessado em 18/07/2022). Bibliografia: ARIÈS, Philipe. São Paulo e a carne. In: ARIÈS, P.; BÉJIN, A. (Org.) Sexualidades ocidentais. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 50-53. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 1996. BERGER, Peter. A dessecularização do mundo: uma visão global. Religião e sociedade, v. 21, n. 1, p. 9-23, 2001. BERGER, Peter. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas, 1985. BOHN, Simone. Evangélicos no Brasil: perfil socioeconômico, afinidades ideológicas e determinantes do comportamento eleitoral. Opin. Publica, v. 10, n. 2, p. 288-338, out. 2004, 2004. CALAZANS, Gabriela. Cultura adolescente e saúde: perspectivas para investigação. In: OLIVEIRA, M. Cultura, Adolescência, Saúde: Argentina, Brasil e México. Campinas: CEDES/COLMEX/NEPO-UNICAMP, 2000. p. 44-97. FOUCAULT, M. As técnicas de si. In: Coletivo Sabotagem (org.) Por uma vida não-fascista (coletânea Michel Foucault Sabotagem), 2004. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/337824/Foucault-Michel-Por-uma-vida-nao-facista#/ Acesso em: 23 set. 2007. FOUCAULT, Michel. Omnes et singulatim para uma crítica da razão política. In:. Ditos e escritos. V.IV: Estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 231-249. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1993a. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1993b. FOUCAULT, Michel. O combate da castidade. In: ARIÈS, P.; BÉJIN, A. (Org.) Sexualidades ocidentais. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 25-38. HERVIEU-LÉGER, Daniële. Representam os surtos emocionais contemporâneos o fim da secularização ou o fim da religião? Religião e sociedade, v. 18, p. 31-47, 2001. MACHADO, Maria das Dores. Carismáticos e pentecostais: adesão religiosa na espera familiar. São Paulo: Autores Associados, 1996. MACHADO, Maria das Dores. Existe um estilo evangélico de fazer política? In: BIRMAN, P. (Org.) Religião e espaço público. São Paulo: Altar Editorial, 2003. p. 283-308. SAHLINS, Marshall. Cultura na prática Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.SAHLINS, Marshall. Ilhas de História Rio de Janeiro: Zahar, 1990.VANCE, Carole. A Antropologia redescobre a sexualidade: um comentário teórico. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 7-31, 1995. VANCE, Carole. Social Construction Theory: Problems in the History of Sexuality. In: ALTMAN, D. et al. (Ed.) Homosexuality, Which Homosexuality? London: Gay Men's, 1989. p. 1234. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo São Paulo: Cia das Letras, 2004.]

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