Lábios carnudos (beiços), orelhas pequenas, nariz achatado,
cabelo crespo e pele negra. Este é o biotipo negro que aliado ao gênero expoem
um fator duplo de discriminação. Não adianta fechar os olhos. O racismo existe
e está presente em toda a sociedade, inclusive no meio cristão. Como a Igreja
Evangélica de hoje pode abordar e combater tamanho mal? Não combate. Camufla,
finje, se omite e faz de conta que está tudo bem. Mas o racismo é uma enorme ferida
putrefata à qual tentam tapar com faixas brancas.
Confundidos com ladrões, comparados a macacos,
insultados simplesmente pela cor da pele. Mesmo em pleno século XXI, não são
raros os casos de racismo no mundo, que vão desde uma piada contada numa roda
de amigos - piadas essas que também são contadas nas rodinhas de
"comunhão" cristãs - até registros de injustiças, crimes e mortes.
Recentemente, os campos de futebol viraram cenários
para lamentáveis manifestações desse tipo. Quem não se lembra da triste cena de
um torcedor espanhol jogando uma banana em direção ao jogador brasileiro Daniel
Alves durante uma partida? E de toda uma torcida no Peru imitando o som de
macaco nas vezes em que o também brasileiro Tinga pegava na bola?
Não foi à toa que a temática da Copa do Mundo 2014,
realizada no Brasil, foi o combate ao racismo. Fora do esporte, as cenas de
preconceito são ainda mais frequentes. Há pouco tempo, um ator carioca foi
preso injustamente após ser confundido com um bandido. O que ele tinha em comum
com o suposto assaltante? A cor da pele. São inúmeras as ocorrências de
discriminação e constrangimento no dia a dia, que normalmente acontecem em
lojas, restaurantes, empresas e agências de seleção de pessoal. E muitas vezes
a agressão não é só verbal ou psicológica, é física também e pode acabar em morte.
No Brasil, a possibilidade de um adolescente negro ser
vítima de homicídio é 3,7 vezes maior do que a de um branco, segundo um
levantamento divulgado em 2013 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea). No estudo, o Espírito Santo aparece como o segundo estado, numa lista
de 10, que oferece mais perigo para o jovem negro, perdendo só para Alagoas. E,
por mais incrível e vergonhoso que seja, há casos de racismo até mesmo dentro
da Igreja Evangélica. E eu, como negro e afrodescendente, sei bem o que é isso.
Racismo velado
O racismo camuflado é a prova inequívoca de que o
pecado da hipocrisia é latente no meio evangélico. "Na Igreja Evangélica
não há racismo; afinal, todos são iguais perante a Deus". Tal pensamento, pregado por lideranças e
aceito como realidade por evangélicos, tem entrado em confronto com a prática
do amor ao próximo, reconhecido como o segundo mandamento de Jesus.
A promoção de conceitos racistas como a teoria do
branqueamento social [assimilação dos padrões brancos para se afirmar
socialmente] e a consequente negação da própria identidade, após anos de
escravidão, tem sido reproduzidos por comunidades evangélicas. Como - ao menos
na teoria - somos imitadores de Cristo, às vezes nossa imitação acaba sendo uma
sombra de um arremedo e se transforma em hipocrisia dada às máscaras que usamos
para tratar com afrodescendentes dentro da igreja. É um racismo velado, por
causa de uma perspectiva cristã de que Deus não faz acepção de pessoas. Ou
seja, é mais um caso do prega-se e não vive-se.
Declarados como "paraísos raciais" - termo
empregado por Marco Davi de Oliveira no livro A Religião Mais Negra do Brasil
-, os ministérios de maneira geral, incluindo os considerados mais atraentes
aos negros por fatores como a valorização do "eu" a partir do batismo
no Espírito Santo, aprimoraram o sentimento de rejeição no afrodescendente, uma
vez que se dá no âmbito espiritual.
Há igrejas que tem um culto para negros e pobres antes
do culto 'oficial' . É algo devia nos causar repulsa. Eu, como negro, pobre e
morador em favela, sinto não só repulsa. Sinto raiva, indignação e neste caso
vergonha de ser crente. As igrejas perpetuam o racismo, quando separam de um
lado da igreja negros e do outro lado brancos, quando ela não valoriza o negro
afirmando, por exemplo, que a marca de Caim era a negritude. Isso passa a ideia
de que ser negro é pecado e uma maldição. Essa heresia teológica foi defendida
por um famoso pastor e parlamentar.
E o que dizer da associação do preto com coisas
diabólicas? Irmã fulana teve uma “visão” ou um sonho que tinha um homem (ou
pode ser também uma mulher) negro enorme a perseguindo. Quem nunca ouviu algo com
esse enredo nas reuniões de oração? A tal figura negra do “revelamento”,
obviamente é personificação do maligno. Isso não é outra coisa a não ser um
enorme preconceito racial.
Vamos pra Bíblia?
A Bíblia é clara no combate à discriminação de qualquer
espécie. Em Tiago 2.1, há o alerta: “Meus irmãos, como crentes em nosso
glorioso Senhor Jesus Cristo, não façam diferença entre as pessoas, tratando-as
com parcialidade”. No texto de Atos dos Apóstolos, a Igreja de Antioquia – uma
comunidade de fé majoritariamente helenista –, nos dá uma bela lição sobre a
igualdade racial e o empoderamento das etnias na comunidade nascente (At 13). O
Pentecostes posto em prática, diferentemente da Igreja de Jerusalém, liderada
por hebreus (At 15).
Podemos destacar dois escritos de Paulo, o apóstolo
das etnias. Ele escreveu uma linda Carta a Filemon, Áfia e Arquipo em que nela
propõe a superação da lógica escravista. Ainda, na Carta aos Gálatas (Gl
3.24-29), Paulo chega a ir mais adiante ao romper com a estrutura hierárquica
greco-romana, e de qualquer outra sociedade, que fundamenta o seu descaso pelo
outro por motivações raciais (judeu ou grego), social (escravo ou livre) e de
gênero (homem ou mulher).
Negros no altar
Detectar o racismo na Igreja pode ser dificultado na
medida em que lideranças e membros não assumem tal problemática num ambiente de
comunhão e aparente aceitação mútua. No fundo eles sabem que o racismo é tão
incompatível com a fé cristã, que não tem coragem de assumi-lo. entanto, um dos
indicadores são os raros postos ocupados pela etnia na liderança máxima.
Quantos pastores negros você conhece? E, dentre os que você conhece, quanto
presidem a denominação? Há pessoas que quando "dão de cara" com um
pastor ou pastora afrodescendente chegam a perguntar: "Uai, pode ter
pastor(a) negro(a)?"
A passividade das denominações é fruto da omissão da
Igreja no período da escravidão e pode ser observada na sociedade eclesiástica
como reflexo de uma hierarquia preconceituosa, na qual é preciso que o No negro
se imponha numa constante necessidade de mostrar algo (...) e que pode atingir
um nível mais alto, uma cultura diferente. Você vê o homem negro e a mulher
negra há anos dentro da igreja e não têm oportunidades, a não ser na diaconia,
na portaria, na cantina, no coral, no departamento social. (...) Raramente
ocupam posições de liderança. Isto não é cisma. É fato!
Ser negro
Com a pretensão de valorizar a etnia, tendo em vista
fatores que corroboram para o sentimento de rejeição nos negros como associação
em púlpitos da cultura afro a demônios, o teólogo Walter Passos criou a
Comunidade Pan-Africanista Tzion, em Salvador (BA), dirigida por negros e
baseada numa "teologia preta".
"Sempre desafio os teólogos e historiadores para
citar personagens brancos nos escritos conhecidos como Antigo Testamento. (...)
Há um desconhecimento geográfico dos fatos bíblicos. A maioria dos leitores não
sabe que o Jardim do Éden foi na África e os primeiros habitantes do planeta
foram pretos. (...) O racismo das igrejas omite a verdade cientifica e
bíblica", interpreta Passos.
Presidente do CNNC (Conselho Nacional de Negras e
Negros Cristãos), Passos debate o racismo em igrejas evangélicas e católicas.
"A desigualdade étnica está nas igrejas cristãs e suas teologias
eurocêntricas", declara o líder que enxerga como um dos maiores problemas
de tais congregações, a "negação das raízes africanas quando os pretos e
pretas no Brasil se tornam membros das igrejas. Pensam que aceitar o Evangelho
é aceitar as ideias de branquitude do cristianismo americano no Brasil".
Uma comunidade exercida somente por negros "pode
ser positiva para a afirmação da cultura, assim como para a elevação da autoestima
de seus membros. Mas é uma resposta igualmente excludente em relação a pessoas
de outras etnias. A igreja é multiracial! E a miscigenação precisa ser
celebrada e não rechaçada. Alma e
espírito não têm cor.
A Bíblia e os negros
O diálogo por meio de palestras com sociólogos,
autoridades e líderes são a melhor maneira de enfrentar o preconceito racial. Muitos
pastores preferem não se expor. A negação dos fatos é mais confortável. A
igreja tem que sair para fora e mostrar que em Cristo, não há grego nem judeu,
nem escravo, nem livre, nem homem, nem mulher, pois todos somos um em Cristo. O
estudo das Escrituras é uma forma de reverter as consequências de uma
"teologia baseada no racismo, na negação do outro, na exploração do homem
pelo homem".
A comunidade preta tem as suas próprias concepções
baseadas na sua história ancestral, nas experiências e manifestações que são
repassadas através das gerações. A Bíblia é composta de livros escritos por
africanos e os fatos ocorreram na África, hoje denominada geograficamente de
Afro – Ásia”.
Ebede-Meleque (ministro do rei de elevada classe
social que ajudou o profeta Jeremias quando este foi lançado numa cisterna), a
filha do Faraó (que adotou Moisés após tirá-lo de um cesto lançado no rio
Nilo), e o eunuco de Atos dos Apóstolos (o primeiro estrangeiro a converter-se
ao cristianismo) como personagens negros.
As escolas bíblicas devem resgatar a verdadeira história do papel do
negro na Bíblia. O ensino bíblico a partir da concepção do negro e não daquele
que foi forjado em uma sociedade excludente e racista.
Concluímos que...
O racismo no seio da igreja evangélica é um triste
fato. É absurdo ouvir uma pessoa dizendo “Eu não gosto de preto!”, ouvir isso
saindo da boca de alguém que se diz cristão (crente, evangélico ou gospel) é
mais absurdo ainda, pois essa pessoa está simplesmente ignorando um dos
principais mandamentos estipulados por Jesus Cristo: “Amarás o Senhor teu Deus
acima de todas as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo.” Alguns, na
tentativa de justificar essa postura espúria do racismo, dizem que os próprios
negros são racistas. Mas, ainda que seja verdade, uma coisa não anula e nem
justifica a outra. Racismo, vindo de quem vier, é algo vergonhoso e, vindo de
um crente, além de indigno é pecado e deve ser tratado como tal.
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