domingo, 1 de setembro de 2024

TELETEMA — "ÁGUA VIVA - INTERNACIONAL"

Voltando à minha série especial de artigos, "Teletema", sobre as trilhas sonoras de novelas mais marcantes, neste capítulo, vou falar sobre essa trilha que foi um grande marco no segmento fonográfico das trilhas sonoras internacionais de novelas.

Fase transicional

O ano era o finalzinho da década de 1970 e já início de uma nova, a de 1980. No final da década de 70 e início dos anos 80, o mercado fonográfico mundial teve um crescimento considerável. 

Do pop rock ao new wave, nunca se viu tantos gêneros reunidos de uma só vez. E no meio de toda essa miscelânea, quem saía ganhando eram os jovens. Os anos 70 foram marcados pelo ápice do rock como estilo de música popular internacional, mas também foram diretamente impactados pelo surgimento da música pop como uma alternativa ao rock, que gradualmente foi dominando a indústria musical e o gosto do público.

Nesse período, o rock começou a se transformar com a criação de estilos bastante distintos e marcantes. As bandas deixaram de ser ecléticas e testar diferentes sonoridades, como era na década anterior, os anos 1960, com o objetivo de tornarem-se especialistas em apenas uma direção musical em seus repertórios.

Outro estilo muito marcante de rock dos anos 70 foi o punk rock, reconhecido pelo som e comportamento agressivo e revoltado. O metal rock também começa se firmar nos anos 70, abandonando definitivamente sua relação com o blues. A década também foi marcada pela psicodelia do rock progressivo, com seus acordes imensos e shows pirotécnicos.

A era Disco


A década de 1970 (ou Anos 70) foi um momento de grande mudança na cultura popular, e uma das maiores tendências dessa época foi a discoteca (Disco Music). A discoteca era mais do que apenas um estilo de música — era um estilo de vida completo que incluía roupas, dança, e um espírito de celebração e diversão. 

Os anos 70 foram um período animado e musicalmente criativo como poucos. A era da Disco fez todo mundo dançar ao som das batidas eletrônicas dance music, e as boates (as então chamadas "discotecas") se tornaram extremamente populares.
Com o fim da guerra do Vietnã e, por consequência, o alistamento obrigatório dos jovens americanos, a juventude buscava por músicas para se divertir, dançar, celebrar a liberdade e não mais músicas de protesto contra as guerras como antes. Deste modo o estilo dançante da Disco Music ganhou popularidade.

1980, o fim da era Disco


A Era Disco terminou entre 1977 e 1979, quando o estilo musical foi mais popular. A música disco é um estilo dançável que combina um tempo acelerado do jazz com uma batida forte e intermitente do rock, muitas vezes com instrumentos latinos de percussão.

Nos anos 80, o cenário musical foi marcado pela aproximação entre o pop e o rock, com vários estilos de sucesso que misturavam elementos do punk com influências de outros estilos, como a própria já agonizante disco music, o reggae e a música eletrônica. Bandas como Talking Heads, B-52's, Blondie, Joy Division, The Clash, The Police e Devo misturaram elementos presentes no punk com influências de estilos mais sofisticados e dançantes.

A diversidade de estilos presente na década de 80 foi herança do punk e a ascensão comercial da canção pop. No rock, a fase pós-punk trouxe também a modernidade da new wave, um dançante rock eletrônico, e as novas variações do heavy metal, que iam do do melódico (os chamados "metal farofa") aos rápidos riffs de guitarras do trash metal. O estilo pop ganhou versão mais adocicada e suave do rock.

A trilha é marcante porque


Pois bem, convenhamos que, em meio a esse divisor de águas no cenário cultural e musical, não deve ter sido nada fácil para os produtores dessa trilha montar uma coletânea com músicas que atendessem ao gosto de um público imerso a tão expressiva diversidade de estilos e ritmos. 

Mas os produtores do álbum foram muito felizes na escolha do reportório que compôs a trilha internacional da novela "Água Viva", tanto que ela figura dentre uma das mais vendidas da década de 1980.

O primeiro verão da década de 80 não poderia ter sido comemorado de melhor forma do que com a estreia de "Água Viva", do Gilberto Braga (✰1945/✞2021), no horário nobre Global. 

O Autor abandonava as discotecas, principal locação de sua trama anterior (Dancin' Days/1978), e centrava a alta sociedade carioca em praias ensolaradas tendo o windsurfe como principal esporte explorado na trama.

A trilha sonora também marcava essa passagem. A capa da Lp internacional da trama, assim como o nacional, não trouxe nenhum dos astros da novela. Naquela época ainda não era praxe um dos atores do elenco estrelar capas de trilhas, isso viraria regra mais ou menos em meados de 1985 com a trilha de "Roque Santeiro-Volume 1", salvo algumas raras exceções antes (como ocorreu com as capas de "O Astro - Internacional", 1977; "Baila Comigo - Internacional", 1981 e o "Amor é Nosso - Nacional", 1981).


Na capa um close de uma vela das embarcações que os praticantes de windsurfe usavam na trama.





Trilha fake


O sucesso de "Água Viva - Internacional"  foi tão grande que oportunamente a Gravadora Continental lançou também uma coletânea com os temas internacionais da novela, porém em gravações não originais. Até a capa do disco lembrava a oficial lançada pela Som Livre.

Vamos às faixas


A trilha se divide entre baladas de várias vertentes e momentos mais dançantes, originados ainda da Disco Music, ritmo ainda em voga na virada da década.
São desse ritmo três faixas que foram usadas como tema de locação e que tocavam quando os personagens frequentavam as boates na trama. Impossível uma balada disco dos anos 70 e 80 e não lembrar imediatamente da contagiante  'Mandolay', do grupo americano La Flavour; 'D. I.S.C.O' do Duo Ottawan e 'The Second Time Around' do trio vocal americano Shalamar.

Como já dito, é fato que a Disco Music dava seus últimos suspiros naquele início de década, e alguns dos astros remanescentes do ritmo tentavam buscar novos horizontes para suas carreiras, o caso do grupo Voyage que entrava na trilha de "Água Viva" com um rock dançante na música 'I Don´t Want To Fall In Love Again', características que eles começavam a seguir em seu terceiro disco de carreira.

Marcos e Janete, os personagens do Fábio Jr. e Lucélia Santos, ganharam uma das baladas da trilha como tema de amor do casal que passou por muitos percalços no decorrer da história. Escrita e interpretada por Smokey Robinson, um dos criadores da Motown Records, teve destaque absoluto com a soul ballad 'Cruisin'' entre outros sucesso que emplacou.

Outra balada romântica que marcou a trilha e a década foi 'Just Like You Do', tema do Lígia (Betty Faria) e Miguel (Raul Cortez), na voz doce da Carly Simon, mas conhecida como a ex-mulher de James Taylor.

Sueli, uma das grandes interpretações de Ângela Leal na tv , passou a trama inteira tentando se fazer notar pelo protagonista Nelson Fragonard (Reginaldo Faria) e ganhou como tema internacional para acompanhar essa paixão não compreendida/correspondida  a música 'Lead Me On' da Maxine Nigthingale, que abria o lado A do disco. 

'Babe', tema do Edir (Cláudio Cavalcanti) e Márcia (Natália do Valle), da banda Styx , fez tanto sucesso que tornou o grupo americano de rock progressivo e seu então vocalista Dennis De Young conhecidos mundialmente.

Jimmy Cliff — um jamaicano apaixonado pelo Brasil — enriqueceu a trilha com 'Love I Need' que,  mesmo tendo sido um grande hit, inexplicavelmente tocou pouquíssimo em "Água Viva"
Curiosamente um conterrâneo de Jimmy Cliff que não estava na trilha fez uma participação especial em um dos capítulos da trama. Peter Tosh (1944/1987) estava no Brasil participando de um festival de jazz e aceitou o convite de cantar em um dos capítulos como se fosse um antigo amigo da socialyte Stela Simpson, a icônica personagem da veterena Tônia Carrero (1922/2018).

Lígia e Nelson, os protagonistas vividos pela Betty Faria e Reginaldo Faria, ganharam a balada de letra triste e sentimental 'Just When I Needed You Most', na voz do Tony Wilson (um dos intregrantes do grupo soul Hot Chocolate). Nelson ainda ganhou um tema internacional individual — a belíssima balada 'Ships' do Barry Manilow. 

A então garotinha Isabela Garcia encantou o público com seu talento e graciosidade na pele da doce Maria Helena, a órfã que encontrava o pai Nelson no decorrer da novela. Sua personagem ganhou um tema internacional instrumental — 'Memories' do Bianchi, mas cá pra nós a personagem merecia um tema muito melhor. Essa música parece mais com um tema fúnebre.


'Do That To Me One More Time' da dupla Susan Case & Sound Around (no disco, interpretada por outra dupla, The Capitain & Tennile) foi o tema da Lourdes Mesquita (o embrião de Odete Roitman), a vilã falida vivida magistralmente por Beatriz Segall (✰1926/✞2018) na trama , e a emocionante balada 'Never (Gonna Let You Go)' de outra banda remanescente da Disco Music, a Charme, embalou a personagem Sandra, vivida pela Glória Pires.

Conclusão


Como podemos ver — e para quem é amante da boa música, compreender — a trilha sonora internacional de "Água Viva" é sem dúvida alguma uma das grandes coletâneas que merece ser sempre revisitada e, por certo, consta obrigatoriamente na playlist de quem tem excelência no seu gosto musical (como, às favas com a falsa modéstia, este que vos subscreve). É óbvio que vai receber o meu seleto selo de
[Fonte: Jornal da USP, original, acessado em 01/09/2024; E10 Blog, original por Evaldiano de Sousa, acessado em 01/09/2024 — com pesquisas realizadas também nos sites Observatório da TV / Teledramaturgia e Memória Globo]

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