quarta-feira, 4 de maio de 2022

PERSONAGENS BÍBLICOS — O CENTURIÃO DE CARFANAUM: EXEMPLO DE FÉ E HUMILDADE

A história sobre a cura do servo do Centurião de Cafarnaum, está registrada nos Evangelhos de Mateus 8:5-13, e Lucas 7:1-10. Ambos contam do amor e da fé surpreendente, que brotou no coração desse estrangeiro.

O protagonista dessa passagem não era Israelita, foi um gentio, um Centurião Romano, mas que passou a reconhecer o Deus dos Hebreus. Como muitos que tiveram contato com a religião Judaica, sentiu-se atraído pelo esplendor de suas doutrinas de elevação moral.

O que era um centurião na Bíblia


Um centurião era um oficial a serviço do exército romano. No tempo do Novo Testamento, o Império Romano dominava sobre toda a geografia das terras bíblicas, e por isso era comum a presença dos centuriões em toda parte. Então é compreensível que apareçam alguns centuriões na Bíblia.

O centurião era assim chamado, porque ele comandava uma centúria. Uma centúria era uma companhia militar que geralmente contava com cerca de oitenta a cem legionários. 

Inclusive, uma legião, que era uma das principais divisões do exército romano, era subdividida em dez coortes. Essas coortes, por sua vez, eram formadas por sessenta centúrias. Consequentemente, em uma coorte havia até seis centuriões, e em uma legião havia também sessenta centuriões.

Portanto, os centuriões tinham um papel importante na vida militar romano. O Império Romano era muito grande em extensão, e era fundamental que unidades táticas de seu exército estivesse sempre presente nas mais diversas regiões. Era nesse contexto que os centuriões comandavam os grupos de soldados a pé que formavam as centúrias.

Então, embora o centurião tivesse vários soldados sobe sua responsabilidade, ele continuava a ser basicamente um soldado raso. Um fato interessante é que os militares mais experientes de uma legião romana, formavam a primeira corte que possuía somente cinco centúrias, cada qual liderada por um centurião.

Quatro centuriões aparecem destacados na história bíblica, todos no Novo Testamento. Dois desses centuriões são anônimos, enquanto os outros dois tiveram seus nomes registrados pelos escritores bíblicos. Mas todos eles são mencionados de forma positiva.

O primeiro centurião citado na Bíblia foi aquele que se encontrou com Jesus logo que Ele entrou na cidade de Cafarnaum. O centurião procurou o Senhor Jesus Cristo em busca de ajuda para o seu criado doente. Jesus se prontificou a ir na casa do centurião, mas o oficial romano julgou ser indigno de receber Cristo em sua casa.

Então, num ato de muita fé, ele disse que se Jesus dissesse uma única palavra, o seu criado seria curado. De certa forma, a atitude desse centurião prenunciou o alcance da salvação aos povos de toda terra. E é sobre ele que falaremos na sequência, retornando à série especial de artigos, Personagens Bíblicos.

Quem era o Centurião de Cafarnaum


O Centurião residia na cidade de Cafarnaum, que em Hebraico é כְּפַר נַחוּם Kfar Nahum, Aldeia de Naum. Com a mesma raiz da palavra נַחוּם Nahum, temos o termo נִחוּם "Nihum", que significa "consolação".

O texto de Mateus relata que Jesus entrou na "aldeia da consolação". De fato, o Mestre em Suas missões estava sempre salvando e consolando. Esta é a mesma cidade onde ocorreu a cura do paralítico de Cafarnaum.

O Evangelho de Mateus em Hebraico, no manuscrito de DuTillet, e também no manuscrito de Shem Tov, bem como o texto da Peshitta em Aramaico e Hebraico, chamam o Centurião de שַׂר-מֵאָה "Sar meáh", "Oficial de cem", pois, como  já vimos acima,  um Centurião comandava pelotões de cem homens.

Cafarnaum ficava na província da גָלִיל "Galil", a Galileia, o "círculo" de cidades que estavam em volta do lago de Quineret (o mar da Galileia). Essa região, e a cidade de Cafarnaum, era caminho das caravanas comerciais, que levavam seus produtos desde os grandes centros da época (Egito, Síria, Babilônia, Tiro e Sidom).

Por isso, havia naquela cidade um destacamento que cuidava da proteção da "estrada" comercial. Provavelmente havia mais sessenta Centuriões Romanos na Galileia, que seria o número de soldados para se completar uma Legião — cerca de seis mil soldados.

O Centurião vem até Jesus?


Como podemos observar nas duas narrativas, há diferenças notáveis entre o registro de Mateus e o relato de Lucas. Mateus nos conta como se o próprio Centurião de Cafarnaum viesse até Jesus (Mt 8:5,6). Mas com Lucas, lemos que foram enviados mensageiros até o Mestre, que lhe expuseram as palavras do Oficial de cem (Lc 7:2,3).
Essas diferenças não podem ser consideradas contradições, uma vez que elas refletem o estilo literário que cada autor adotou para transmitir o Evangelho.
Mateus costuma abreviar em muito as suas narrativas, indo diretamente ao ponto central da história, suprimindo as circunstâncias secundárias. Para ele, 
"o que se faz por meio dos outros é como se fosse por si mesmo".
Já Lucas é muito mais detalhista, e revela que o Centurião, por humildade, não se achou digno de estar na presença do Mestre, e por isso enviou pessoas mais "adequadas" (no sentido religioso), que eram os anciãos dos Judeus (daquela cidade — Lc 7:4,5).

A cura do servo do Centurião de Cafarnaum


Voltando ao início do Evangelho de Mateus, sobre a cura do servo do Centurião, vemos que ele registra um emocionado pedido que este Oficial fez por seu "criado" (Mt 8:6).

Entretanto, nos originais, em Hebraico, os manuscritos de DuTillet e Shem Tov, registram que o Centurião de Cafarnaum fez um dramático pedido, mas por seu filho. O termo usado foi בני "beni", que significa "meu filho".

A Peshitta Aramaica, do livro de Mateus, usa a palavra טַלִּיי "Tali", que segundo o Manual da língua Aramaica no Talmude Palestino, significa "meu filho" Segundo esses originais, tanto em Hebraico, quanto no Aramaico, o Centurião teria dito:
"…o meu filho jaz em casa, paralítico, e violentamente atormentado" (Mt 8:6).
Agora é possível entender a situação dramática que aquele Oficial se encontrava. Jesus já havia curado o filho de um Oficial do rei Herodes, com apenas uma única palavra. Essa notícia se espalhou por toda a Galileia, e certamente o Centurião Romano tomou conhecimento.

E a fé vem pelo ouvir, e o ouvir vem pela palavra de Deus (Romanos 10:17). Por isso nasceu uma fé sobrenatural, poderosa no coração do Oficial de cem.

A fé do Centurião Romano


A situação desse pai era sem dúvida desesperadora. Ter em casa um filho paralisado, sofrendo sobre uma cama. É um drama que se repete por diversas e muitas vezes nas passagens do Novo Testamento.

Era um tempo em que a medicina não possuía o conhecimento atual, e as crianças, as mulheres e os idosos padeciam enfermidades que podem ser tratadas no século atual. A própria Galileia tinha partes alagadas, em que se tornavam verdadeiros criadouros de mosquitos.

Esses insetos espalhavam doenças febris, como quando Jesus repreendeu a febre da sogra de Pedro.

Ninguém sabe o motivo que levou à paralisia do filho do Centurião, mas sabemos que ele tinha uma grande fé. Normalmente os Judeus pediam que os Profetas impusessem as mãos sobre os enfermos, para que Deus os curasse.

Ou seja, os Judeus acreditavam que o Profeta era apenas um canal, por meio do qual o Eterno manifestaria o Seu poder de cura. Para isso, o Profeta teria que estar fisicamente presente na casa do doente. Por isso Jesus disse:
"Eu irei, e lhe darei saúde" (Mt 8:7).
Há muitas outras histórias bíblicas que ilustram as "viagens" dos Profetas, e os milagres operados, mas sempre com o Profeta estando presente, servindo de canal para o poder de Deus.

A visão do Centurião de Cafarnaum, um estrangeiro, foi diferente em relação a Jesus. A fé dele conseguiu enxergar algo que os Judeus não tinham visto até aquele momento.

Basta uma palavra de cura


Ele como homem que tinha autoridade sobre seus soldados, sabia que o mundo espiritual também estava debaixo da autoridade de "alguém", que possuía o poder e a autoridade de determinar a vida e a morte, a doença e a cura.

O certo é que as Escrituras nos ensinam que somente Deus tem esse poder e essa autoridade, e que os Profetas agiam por meio de mandamentos ou ordens que emanavam do Eterno. Por isso, quando um Profeta falava, sempre iniciava com a fórmula profética 
"assim diz o Senhor…".

Com Jesus era diferente, pois o Mestre ao ensinar, usava suas frases na primeira pessoa, pois dizia 
"Eu vos digo…"
mostrando autoridade própria para falar.

Por isso digo que o Centurião Romano teve uma "visão além do alcance", pois ele usou do tema da autoridade, e as suas palavras mostram que ele sabia quem era Jesus (Mt 8:8).

Ele sabia que somente Deus tem o poder e a autoridade para estabelecer a vida, e que Deus não precisa estar fisicamente presente para que o Seu poder opere. Um Profeta precisaria estar, mas não Deus.

Por isso quando ele pede a Jesus, 
"dize apenas uma palavra"
é como se dissesse, 
"porque eu sei quem tu és, o Rei dos reis e Senhor dos senhores". 
E Jesus curou o filho do Centurião de Cafarnaum, com apenas uma palavra, porque Jesus é o Eterno!

Foi essa percepção, que muitos ainda hoje não conseguiram alcançar, apesar do Novo Testamento deixar a identidade de Jesus escancarada, para todos que quiserem saber, que Ele é o Eterno!

Foi essa percepção, vinda de um estrangeiro, que não conhecia as Escrituras, foi que causou admiração no Mestre (Mt 8:10). Para Deus basta uma palavra de cura, de libertação e de vitória. Jesus sentia que do meio dos gentios já havia um povo que Ele separaria, santificaria, e salvaria.

Muitos não o reconhecem ainda, mas para quem reconhece a Jesus, há um reino preparado, onde poderá desfrutar das mesmas promessas feitas a Abraão, Isaque e Jacó (8:11).

Conclusão

A lição foi aprendida?


Entre dia e noite, céu e terra, tempos e tempos Deus realiza Sua obra. Uma obra que se abriga no coração dos homens em todas as nações, que se movimenta através da fé simples (porém profunda) na Palavra de Deus, no Nome do Senhor Jesus!

As distâncias geográficas não se reproduzem no mundo espiritual. Não há cercados, fronteiras, passos, metros, altura ou profundidade que impeçam a ação da Palavra, Ela executa aquilo pelo qual foi enviada. O centurião não precisou ver a Jesus, mas acreditou que Sua Palavra poderia curar o criado como se Ele próprio estivesse ali, tocando o corpo fraco e doente do rapaz.

Cafarnaum nos ensina que o mais influente dos homens necessita clamar por Jesus nos "caminhos de Cafarnaum". Também aprendo que todo líder necessita de seus liderados para realizar suas ações, metas.

Cafarnaum pode ser uma incógnita, um lugar onde as leis dos homens tentam impedir a visitação de Jesus. Em quantos lugares do mundo hoje o Evangelho está proibido por lei de adentrar às portas da cidade ? 

A lei proibia a estadia de Jesus na casa do gentio centurião, mas pela graça Ele esteve lá. Ele era a Própria Palavra enviada através dos anciãos! Pela graça Jesus não só visita, mas faz morada nos corações dos homens que vivem sob severas leis de perseguição do Evangelho.

A Palavra é livre e da mesma forma liberta escravos em todas as direções. Apóstolo Paulo, na II carta a Timóteo afirma: 
"Estou sofrendo até algemas, como malfeitor; contudo, a Palavra de Deus não está algemada" (2:9). 
Por essa razão poderemos clamar por Jesus de qualquer lugar do mundo não há limites para Seu agir!

Cafarnaum nos ensina que nosso julgamento a respeito das pessoas pode ser completamente equivocado em assuntos de relacionamento com Deus. 

Os gentios eram considerados inferiores aos judeus em todos os sentidos, Jesus porém declara que a fé do centurião é algo extraordinário, raro de se ver entre os judeus. 

O sentimento de superioridade e exclusivismo era comum em Israel : nação eleita, povo escolhido. Será que isso não se repete entre os cristãos?

O segredo do centurião estava em sua fé e humildade, na certeza de que Jesus era capaz de ordenar a cura e nenhum outro poderia fazer o mesmo. É interessante perceber que os anciãos dos judeus, sendo versados no judaísmo, não se negam a cumprir o pedido do centurião. 

Eles foram ao encontro de Jesus com fé própria ou apenas como mensageiros de um homem de fé? Eles não eram soldados , mas amigos que voluntariamente se dispuseram a ajudar. 

Eis aqui o que um fervoroso coração pode fazer: alcançar vidas, influenciar pensamentos, ações. Os anciãos não foram meros espectadores do milagre, mas participantes. Eles rogaram a Jesus pelo amigo, oraram por ele. Eis também aqui a importância da oração.

[Brasil Gospel — por Israel Silva Cursou hebraico bíblico, geografia bíblica, Novo Testamento, e estudos do Apocalipse; é especialista em estudos da Bíblia, certificado pelo Israel Institute of Biblical Studies. Autor do livro Gênesis, o Livro dos Patriarcas; Estilo Adoração — por Daniel Conegero; A Tenda da Rocha — por Wilma Rejane]

A Deus toda glória.
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