Visto como autoritário e truculento por muitos, um político se lança à Presidência prometendo restabelecer a ordem no Brasil. Aos berros, acusa PT e PSDB de serem faces da mesma moeda, defende os valores da família tradicional brasileira e questiona os interesses internacionais por trás da demarcação de reservas na Amazônia.
Não estou falando da movimentação do então deputado federal Jair Bolsonaro rumo a 2018, mas sim da candidatura do médico acriano Enéas Carneiro ao Palácio do Planalto, em 1994.
Morto em 2007, Enéas concorria pelo pequeno Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona) e deixou para trás figurões como os governadores Leonel Brizola (PDT [✩1922/✞2004]) e Orestes Quércia (PMDB [✩1938/✞2010]). Com 7% dos votos, chegou em terceiro lugar, atrás do petista Luiz Inácio Lula da Silva e do tucano Fernando Henrique Cardoso.
Enéas, para sempre
Quando se realiza o resgate da figura política de Enéas Carneiro, é também o resgate de um desconforto com a imagem de uma democracia que, para muitos, não se cumpriu. Não despropositadamente, o líder do Prona é apresentado como um líder que o Brasil não soube aproveitar, não soube valorizar. Em suma, Enéas Carneiro seria "o melhor presidente que o país jamais teve". De certa maneira, é um jogo dado entre memória e história, mas também entre autoritarismo e democracia.
Nasce um "mito"?
Enéas Ferreira Carneiro nasceu em Rio Branco no dia 5 de novembro de 1938, filho do barbeiro Eustáquio José Carneiro, ex-funcionário da antiga Companhia de Navegação Costeira, e de Mina Ferreira Carneiro.
De família pobre, morou em favela e iniciou seus estudos no Grupo Escolar 24 de Janeiro, na capital do Acre. Em 1947, transferiu-se para Belém, onde completou os primeiros estudos. Aos 19 anos, mudou-se com a mãe para o Rio de Janeiro, então Distrito Federal, para estudar na Escola de Sargentos do Exército e na Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, atual UniRio, tendo sido aprovado em primeiro lugar em ambos os concursos. Obtendo mais tarde a patente de terceiro-sargento auxiliar de anestesia, passou a trabalhar no Hospital do Exército.
Como estudante, manteve-se afastado de qualquer atividade política, embora manifestasse alguma simpatia pelo marxismo e pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em 1964, quando ainda pertencia ao Exército, assistiu "apenas como espectador", ao movimento político-militar de 31 de março que depôs o presidente João Goulart (✩1919/✞1976).
Referindo-se a esse episódio anos depois, afirmaria que o movimento fora realizado
"contra a desordem e a baderna"
e
"não (afetara) a vida do cidadão comum".
Apesar disso, avaliou negativamente os anos em que o país viveu sob o regime militar.
Formado em medicina em 1965 — ano em que deixou o Exército —, concluiria mais tarde o curso de ciências exatas (física e matemática) na Universidade do Estado da Guanabara, atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Especializado em cardiologia, passou a ministrar um curso de eletrocardiografia a partir de 1975 no Rio e, a partir de 1983, em São Paulo.
Em 1977, publicou "O eletrocardiograma" (Livraria Atheneu), obra que alcançou grande reputação nos meios acadêmicos, que o colocou como o "patrono do Eletrocardiograma no Brasil" e foi adotada por diversos cursos universitários do país. Paralelamente, abriu consultório médico no Rio de Janeiro. Em 1980, ingressou através de concurso público no Hospital do Câncer e no Hospital do Inamps, além de ter sido contratado como professor-auxiliar do Instituto de Biologia da UERJ. No ano seguinte, contudo, foi dispensado pela universidade, por não estar cumprindo a carga horária exigida pela instituição.
Início da trajetória política
"Sou professor de cardiologia. Registrei no segundo ofício, em Brasília, um documento afirmando que, se não for eleito, não serei candidato a qualquer outro cargo em nenhum escalão do poder. Nunca fui, não sou e nem serei político profissional. Meu nome é Enéas!"
A estreia de Enéas Ferreira Carneiro na história política brasileira ocorreu por meio dessa curta frase, pronunciada em escassos 15 segundos, no seu primeiro programa do horário político eleitoral gratuito na disputa à Presidência da República em 1989.
A criação do Prona
Em 1989, decidido a ingressar na vida política, criou o Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona), que passou a presidir e em cuja legenda lançou sua candidatura à presidência da República, no pleito marcado para novembro daquele ano. Como o partido não possuía representação no Congresso Nacional, Enéas dispunha de apenas duas inserções diárias de 15 segundos no horário eleitoral gratuito de rádio e televisão, iniciado no mês de setembro daquele ano.
Apesar de praticamente anônimo no início da campanha e de contar com um tempo reduzido nos meios de comunicação, acabou por se destacar entre os candidatos apresentados pelas legendas menores.
Seus discursos, sempre encerrados com a frase
"Meu nome é Enéas!"
pronunciada em tom enfático e que se tornou sua marca registrada (além, obviamente, do visual marcante: a grande barba em contraste com a calva e os enormes óculos), baseavam-se nos valores da ordem e da autoridade e veiculavam ataques violentos e generalizados contra os governantes e a classe política brasileira.
Após derrotas nas três disputas para presidente, o Dr. Enéas disse que não disputaria a outro cargo público, entretanto, ele mudou de ideia: concorreu à prefeitura de São Paulo em 2000 e foi eleito deputado federal pelo estado de São Paulo em 2002.
Conservadorismo distinto
Com discurso nacionalista e autoritário, Enéas Carneiro passou de uma figura anedótica da política brasileira a recordista de votos para deputado federal. Se seu nome tem sido usado como símbolo ou "mito" por alguns grupos de extrema-direita do país, as bandeiras que tais grupos atribuem a ele não são exatamente precisas. Enéas elogiava a filosofia marxista, embora não fosse de esquerda, era contrário ao neoliberalismo e não adotava discursos sobre a suposta ameaça comunista no Brasil, por exemplo.
O discurso nacionalista, conservador, em contrariedade aos partidos políticos tradicionais e à privatização de estatais, foi uma característica perene das candidaturas de Enéas Carneiro em 1989, em 1994 e nas eleições seguintes. Em 1998, Enéas Carneiro conquistou a quarta posição nas eleições para Presidente, em eleição marcada pela proposta de construção de uma bomba atômica como instrumento de dissuasão estratégica.
Herói da direita, mas com flerte marxista
Após a morte de Enéas Carneiro, e especialmente ao longo do processo de agitação de setores conservadores, a que diversas e diversos especialistas denominam como as "novas direitas" ou "onda conservadora", a figura do líder do Prona passou a ser apropriada por essa novas e antigas expressões da direita brasileira. No entanto, desperta atenção algumas questões.
Em primeiro lugar, Enéas Carneiro é costumeiramente retratado nas redes sociais como uma figura política tributária à história do anticomunismo no Brasil, que tem expressões em diversos polos do pensamento de direita, seja o católico, das Forças Armadas ou do próprio fascismo.
Sem dúvida, em vários momentos o líder do Prona dedicou a sua atuação a confrontar reivindicações e correntes do campo progressista, principalmente o Partido dos Trabalhadores e de sua principal liderança (Lula). Seja no campo político, mas também em um terreno pretensamente assentado na intelectualidade, Enéas Carneiro se apresentava como um anti-lula.
No entanto, a relação era mais complexa que os usos da memória podem sugerir. Em relação à ideologia comunista, a posição de Enéas Carneiro era de críticas quanto à realidade histórica, o que chamava de "fracasso da Revolução Socialista".
Concomitantemente, Enéas Carneiro ressaltava que interpretava a teoria marxista como a
"estruturação filosófica mais bela sobre a vida social no planeta",
fazendo ressalvas de que na prática, infelizmente, a teoria não se cumpriu.
O legado político de Enéas Carneiro
Na primeira eleição à Presidência em que concorreu, a atuação de Enéas Carneiro chamou mais atenção pela propaganda eleitoral sintética e pelo uso da frase
"Meu nome é Enéas!",
alçando o líder do Prona à categoria de anedotário político. No entanto, os componentes de um nacionalismo autoritário e conservador, de larga influência na cultura política nacional, não passaram despercebidos a diversos setores da direita brasileira, que paulatinamente se aproximaram do partido.
Fossem grupos de pressão de militares da reserva, com um crescente descontentamento com os caminhos da chamada "Nova República", ou mesmo pequenas siglas neofascistas atuantes no Brasil e no exterior (EUA e Argentina, em especial), fato é que o Prona construiu, para si e para Enéas Carneiro, a categoria de referencial para a extrema direita brasileira. E, mais que isso, a partir dessas relações, o Prona construiu uma identidade mais robusta, articulada e fundamentada no campo do pensamento nacionalista autoritário.
Conclusão
Fusão e leucemia
Em 2006, a aprovação da cláusula de barreira pelo Congresso ameaçava acabar com o Prona, ao impor restrições a partidos que não recebessem uma votação mínima em boa parte do país. A sigla então se uniu ao Partido Liberal (PL), grupo do então vice-presidente, José Alencar, dando origem ao Partido da República (PR).
No início de 2006 o Dr. Enéas passou a enfrentar graves problemas de saúde. Primeiro foi acometido por uma pneumonia e depois passou a enfrentar uma leucemia aguda. O tratamento quimioterápico a que se submeteu para combater o câncer lhe fez perder a barba, uma de suas características fisionômicas mais marcantes, ao lado dos grandes óculos e da calvície acentuada.
Desistiu de concorrer à presidência da República, como chegara a anunciar, mas saiu candidato à reeleição para a Câmara dos Deputados, acrescentado mais uma afirmativa ao seu conhecido bordão:
"Com barba ou sem barba, meu nome é Enéas".
Foi reeleito em outubro de 2006 com 387 mil votos.
Com a criação do Partido da República (PR), permitiu ao Prona a obtenção de representatividade mínima e, consequentemente, o acesso ao fundo partidário de financiamento de campanhas.
Dr. Enéas Carneiro faleceu no Rio de Janeiro no dia 6 de maio de 2007, aos 68 anos de idade. Ele teve três filhas, uma delas de seu primeiro casamento com Jamile Augusta Ferreira, e, a última, de sua união com a promotora Adriana Lorandi Ferreira Carneiro.
Na pequena comitiva de políticos presentes no velório — entre os quais Bolsonaro e o pastor evangélico Édino Fonseca —, chamou a atenção dos jornalistas a presença do então deputado Aldo Rebelo, militante histórico do Partido Comunista do Brasil (PC do B).
À saída, o comunista disse que Enéas agia conforme suas crenças e era
"um homem público de elevada confiabilidade"
— sinais de um tempo não tão distante em que a polarização política no país era mais branda.
- Veja abaixo uma clássica entrevista que o dr. Enéas concedeu ao programa Roda Viva, da TV Cultura.
A Deus toda glória.
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