terça-feira, 21 de julho de 2020

A IGREJA CRISTÃ E SUA ADEQUAÇÃO [NA E] PÓS-PANDEMIA (O "NOVO NORMAL")

"Partiu Jesus dali e foi para a orla do mar da Galiléia; e, subindo a um monte, assentou-se ali. Então, multidões dirigiram-se a Ele..." (Mateus 15:29, 30a). 
Multidões, ajuntamentos, aglomerações de pessoas. Eis aí algo do que a igreja evangélica entende e a maioria dela gosta. Inclusive, para muitos — quiçá, para a maioria — dos líderes de denominações evangélicas, as multidões, ou seja, os grandes templos lotados, é uma prova na visão deles inquestionável do sucesso ministerial. 

É certo de que Jesus, quando no exercício de seu ministério terreno, atraía as multidões, não necessariamente interessadas na mensagem que Ele trouxe, mas sem dúvida alguma em busca dos milagres que Ele fez. 

Já o próprio Jesus, ainda que não ignore a quem quer que seja que vá ao Seu encontro, em momento algum fez das multidões a prioridade em Seu ministério, muito antes pelo contrário, seus ensinamentos mais profundos foram reservados aos doze discípulos que O seguiam e Suas mensagens e experiências mais marcantes foram as que teve com apenas uma pessoa. 

Mas, com a pandemia, uma das coisas — dentre as muitas — que a pandemia do novo Coronavírus está nos forçando a acostumar é justamente com o distanciamento social, ou seja, nada de aglomerações, já que é justamente as aglomerações a principal forma de contágio e propagação do vírus. 

E como as igrejas cristãs estão lidando com essa nova realidade? Como têm enfrentado esse desafio que, ao que parece, poderá durar por mais tempo que possamos prever? É a reflexão que proponho no texto deste artigo.

Enfrentar um vírus é fácil, já vencer o pecado, nem tanto


A pandemia gerada pela COVID-19 tem mexido com os nossos relacionamentos porque, em um mundo quebrado como o nosso, relacionamentos sempre sofreram com os efeitos da Queda. O novo Coronavírus é apenas um lembrete de que o pecado trouxe barreiras sociais resultando em desajustes em nossas sociabilizações (inveja, ira, irresponsabilidades, egoísmos, rebeldias, arrogância...), idolatrias de relacionamentos (namoro, trabalho, família, sexo...) e falta de satisfação nessas relações (descontentamento). Pecado é muito maior do que Coronavírus e ele tem nos afetado socialmente desde a Queda.

Por isso, a nossa redenção tem um elemento social. Cristo quebrou as barreiras sociais objetivamente (Efésios 2:14-16), tornou possível que fôssemos feitos um só povo, uma só nação, um só corpo sob o mesmo Cabeça. Ainda que a presença física de Cristo esteja temporariamente suspensa, estamos unidos a Ele pelo Espírito, e é tal Espírito que promove a nossa comunhão com Deus (2 Coríntios 13:13) e com o próximo (Filipenses 2:1,2). Por isso a igreja, desde a patrística, tem sido chamada de "comunhão dos santos" (Credo Apostólico) e durante a Reforma celebrou esse termo para a igreja (João Calvino). Mas como fica a nossa comunhão em tempos de quarentena, de isolamento social?

Rompendo as fronteiras físicas e geográficas


Com raízes fincadas no elusivo mundo espiritual, as religiões têm nos rituais da liturgia o canal mais direto de conexão dos fiéis com a crença no que não está diante dos olhos. A presença no templo e, dentro dele, a repetição de atos de fé cuja origem se perde no tempo têm o poder de materializar no mais humano dos planos — o físico — a imaterialidade daquilo que é divino. 

Agora que o onipresente distanciamento social esvaziou os locais de devoção e os serviços ministeriais são oferecidos em plataformas on-line, devotos em todo o mundo estão tendo de se adaptar à perda, pelo menos em parte, dos ritos que alicerçam as crenças — no justo momento em que mais precisam do conforto que tiram delas.

Na Igreja Católica 


A pandemia levou a maioria das dioceses dos países atingidos a suspender ações de rotina. No Brasil, decretos estaduais proibiram aglomerações e, por tabela, fecharam as portas dos templos. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) inseriu as igrejas na lista de atividades essenciais, preservando seu direito de manter as portas abertas, no entanto, em comparação com o que se via antes, os templos continuam vazios. 
"O decreto permite o acesso ao prédio, onde padres e pastores seguem gravando serviços. Mas a quantidade de pessoas no local precisa atender às recomendações do Ministério da Saúde" (grifo acrescido para o efeito de ênfase), 
explica o advogado Jean Regina, do Instituto Brasileiro de Direito e Religião.

Difícil mesmo, na transição da missa para o mundo virtual, é se conformar, por exemplo, com sacramentos modificados para o rebanho distante do altar. 
"O sacramento é a união de um símbolo físico — o pão, o vinho, a água, a bênção do padre — a uma experiência de fé. O que se experimenta como transcendente passa pela experiência sensorial",
completa o jurista.

Na Igreja Evangélica


As igrejas evangélicas praticam a Celebração da Ceia do Senhor (chamado por muitos de Santa Ceia) em média uma vez por mês e, diferente da Igreja Católica, o rito não requer um sacerdote presente. Atualmente, a prática da Celebração da Ceia via lives on-line, já está se tornando comum em muitas denominações e são, inclusive, orientadas por muitos pastores.

Em muitas casas, os serviços religiosos on-line já viraram rotina. Muitos assumem sentir a falta de estar com o pessoal nas reuniões nos templos, mas dizem que assistir ao culto a distância não tem sido necessariamente um problema.

Novos tempos...


Nesse novo cenário, tem ainda as reuniões para oração e até mesmo realização de cultos no formato drive-thru, ou seja, realizadas em grandes estacionamentos, com os fiéis bem seguros dentro de seus carros. E não é só, alem das lives, que viraram febre na pandemia, os cantores, bandas e grupos evangélicos também estão aderindo às apresentações no formato drive-in, um clássico que foi sucesso em décadas passadas e foi resgatado agora e adaptado com todas as possibilidades oferecidas pela tecnologia. Já tem até culto sendo realizado nesse formato.

"Webcrente"(?)


O computador fica instalado em um cantinho da mesa, conectado à TV. No momento da comunhão, cada um pega um pedacinho de pão e toma um gole de suco de uva, assim tem sido a realização da celebração da Ceia do Senhor para muitos irmãos e irmãs.

Na sede da Igreja Batista da Lagoinha (IBL), denominação onde os cultos sempre reunião uma grande multidão de fiéis, aqui em Belo Horizonte (MG), os cultos são gravados na presença do(a) pastor(a), um músico e dois operadores de câmera e som. O "Culto Fé", liderado pelo pastor André Valadão, que sempre atraia uma multidão de jovens, desde o início da pandemia, tem sido transmitido no formato de lives, sem publico e/ou com um número bem reduzido de participantes. 

As mega-churches não foram pegas desprevenidas. Abriram seus canais de WhatsApp, Faceboock, Instagran, as plataformas de vídeo-conferências (como o Zoom e o Skype, por exemplo) e telefone para os fiéis. Inclusive, para a cientista da religião Lidice Meyer, da Universidade de Lisboa, a maior vantagem dos evangélicos neste momento é a quantidade de jovens. 
"A média de idade é menor do que entre os católicos praticantes, e eles sempre exploraram rádios e canais religiosos"
lembra Lidice.

Nada é tão novo, nada é tão velho


Esta não é a primeira vez que uma pandemia impõe limites à prática da religião. Durante a gripe espanhola, de 1918, as igrejas protestantes e algumas dioceses católicas nos Estados Unidos fecharam as portas. Séculos antes, quando a peste negra varreu a Europa, padres católicos estavam entre os mais atingidos por causa do contato frequente com infectados. 

Serviço não, Fé essencial


Creia-se ou não, as religiões costumam estar na linha de frente do combate e, principalmente, do consolo em meio a crises humanitárias. Não surpreende, portanto, que em março, quando eclodiu a  pandemia devastando o planeta, em torno de 11 milhões de pessoas tenham se conectado para receber a bênção papal e se solidarizar com o senhor de 83 anos, sem a parte superior do pulmão direito, que do centro da praça deserta lembrou: 
"Estamos todos no mesmo barco". 
O papa Francisco não via ninguém à sua frente. Mas era ouvido por uma multidão em busca do conforto — virtual, que seja — que a fé pode suprir nos momentos mais terríveis.

Uma das coisas que têm sido ditas a propósito da pandemia da Covid-19 é que vamos nos esquecer rapidamente do que estamos vivendo e das lições que poderíamos ter aprendido com a crise global. 

Entretanto, é fundamental que não só nos esqueçamos, quanto que, principalmente nos adequemos às mudanças que certamente vieram para ficar.

Basta um dia após o outro para que as coisas sejam diferentes: uma construção ganha tijolos novos, um prédio antigo é demolido; uma flor murcha e seca, outra dá lugar ao fruto; uma descoberta científica é confirmada e outra é invalidada. Tudo muda. 

Apesar da confusa impressão de inércia trazida pela pandemia da Covid-19 – parece que nada do que era tão importante aconteceu... – todas as coisas continuam mudando desde o início dela. Mudou o jeito de comportar-se em público, de fazer compras, de interagir e cuidar da Criação, de conviver com o outro e, para muitos, até a forma de encarar a caminhada com Deus. 

É possível que estávamos equivocados e presunçosos em algumas coisas? Sim, é bem possível. E tanto é assim que já começam a surgir sugestões de como a vida, os negócios, a família, os relacionamentos deveriam ser depois da pandemia. 

Em resposta aos dias vividos, a igreja – o conjunto de pessoas que a constitui, não o seu fundamento – também está sendo convocada a mudar, repensar, reconsiderar. E, sem ser simplista nem pondo de lado o desafio que a mudança traz, que bom que isso está acontecendo. 

Mas o que é preciso mudar na igreja? O cultivo da espiritualidade e a comunhão diária com Deus? O relacionamento com os irmãos? O compromisso com a evangelização? A prática da oração e da leitura bíblica? O serviço e a misericórdia? O reconhecimento de nossa fragilidade e profunda necessidade de Deus? Arrependimento pelo afastamento de Deus? 

Conclusão


A igreja, com o desafio imposto pela pandemia, nos trouxe muita coisa que não devemos esquecer desta experiência tão marcante. O o que estamos fazendo, o que estamos dizendo, o que estamos esperando, o que estamos cultivando e o que estamos guardando na memória e na experiência para depois destes dias tão maus? 

Em tempo, aqui está um convite. Não perca por nada estes momentos de reflexão sobre o tempo que estamos vivendo e os desafios que ele traz para a Igreja (novamente, não o fundamento, mas cada um de nós que a representamos). Certamente o senhor nos trará perspectivas sobre temas da atualidade relacionando-os ao contexto do (pós-) pandemia. 

Não podemos dizer que os meios virtuais suprem totalmente a falta física. Por sermos seres físicos, há coisas que não podemos fazer à distância. Não podemos experimentar todas as coisas do culto quando estamos sozinhos: não expressamos nossa alegria em louvores a uma só voz, não batizamos virtualmente e não partilhamos do pão da ceia, pois, como sabemos bem, não podemos partilhar da ceia virtualmente porque o sinal do sacramento não reside somente nos "elementos" (pão e vinho) mas inclusive na comunhão (1 Coríntios 10:17; 11:33), exatamente o que não acontece quando estamos separados; por isso, estamos em tempo de lamento, no qual não muitos não estão podendo participar da  celebração da Ceia, embora ansiamos o dia de tê-la de volta, da forma como nos acostumamos, podendo nos abraçar, fazer a troca dos elementos, ter o tão libertador e acolhedor contato físico, do qual, por hora, estamos privados.

De volta às origens no "novo normal"


Por fim, vejo ao menos três realidades bíblicas que nos ajudam a entender a experiência ofuscada de comunhão: 
  • Primeiramente, o exílio no Antigo Testamento suscitou a experiência do culto individual acontecendo (Daniel 6:10), enquanto a realidade do culto público era anelada (Salmo 137:1-6); afinal, ainda que as sinagogas tivessem surgido para instrução, não havia condições de realizar práticas próprias do templo (sacrifícios). 
  • Em segundo lugar, as cartas de Paulo exemplificam a possibilidade de realizar instrução à distância sem, contudo, experimentar todas as realidades próprias da vida eclesiástica. Há certos dons e serviços que são compartilhados presencialmente (Rm 1:9-15; 1 Tessalonicenses 2:1,2) e, por isso, Paulo orientou um ato de disciplina que só a comunidade local poderia realizar (1 Co 5:3-5), além de recomendar liderança local aos coríntios (16:15-18), um papel que ele não conseguia exercer plenamente à distância. 
  • Em terceiro lugar, até a história da redenção nos ensina que durante o tempo do pecado nós estamos usufruindo de parte da benção do Emanuel (Deus conosco), mas ainda aguardamos a plenitude que é estar na presença dEle! Isto significa que experimentamos o deleite de ter Cristo conosco de forma real, mas ainda haveremos de experimentar essa presença plenamente. Caminhamos como forasteiros e peregrinos aguardando a chegada na terra prometida.
Tendo em vista a realidade inquebrável da comunhão e a experiência ofuscada da mesma, julgo necessário que pensemos em algumas lições práticas à luz do que estamos vivendo em meio a essa pandemia e que deve perdurar quando ela, enfim, acabar: Um fundamento encorajador; um lamento realista e; uma sabedoria necessária
"E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (Romanos 8:28).
[Fonte: Ultimato, Veja (edição nº 2681, 8 de abril de 2020)]

A Deus toda glória. 
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E nem 1% religioso. 
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Respeite a etiqueta e o distanciamento sociais e evite aglomerações.

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