quinta-feira, 30 de maio de 2019

LEI E GRAÇA - PARTE FINAL: ENTENDENDO A LEI PARA VIVER A GRAÇA

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Cristo e a lei


Precisamos entender que Cristo satisfez e cumpriu a lei de forma plena e completa. Ele não veio revogar a lei. Façamos uma breve análise de Mateus 5:17-19:
Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. 
Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus."
Alguns pontos interessantes são demonstrados por Jesus nessa passagem:
  • (a) Ele veio cumprir a lei e não revogá-la.
  • (b) A lei seria cumprida totalmente, em todas as suas exigências e em todas as suas modalidades (moral, cerimonial e civil) enquanto houvesse sentido em fazê-lo.
  • (c) Aquele que viola a lei pode chegar ao Reino dos Céus! ("...aquele que violar...será considerado mínimo no reino dos céus."). O sermão do monte é um sermão para crentes e o texto pode ser entendido dessa forma.
  • (d) Aquele que cumpre a lei será considerado grande no Reino dos Céus.
Como entender essas conclusões de Jesus com respeito a si mesmo e à Lei?
  • (a) Ele veio cumprir a lei e de fato a cumpriu em todas as suas dimensões: cerimonial, civil e moral. Não houve qualquer aspecto da lei para o qual Cristo não pudesse atentar e cumprir. Cristo cumpriu a lei de forma perfeita, sendo obediente até a própria morte. Ele tomou sobre si a maldição da lei. Ele se torna o fundamento da justificação para o eleito.
  • (b) Ele não só cumpriu a lei perfeitamente, mas também interpretou a lei de forma perfeita, permitindo aos que comprou na cruz, entendê-la de forma mais completa, mais abrangente.
  • (c) Os que nele creem agora também podem cumprir os aspectos necessários da lei para uma vida santa. No entanto, esses que por ele são salvos não são mais dependentes da lei para a sua salvação. Por isso há uma diferença clara entre os que chegam ao Reino dos Céus: alguns serão considerados maiores do que outros.
  • (d) Cristo, ao cumprir a lei, ab-roga a maldição da lei, mas não a sua magisterialidade. A lei continua com o seu papel de ensinar ao ser humano a vontade de Deus. A ab-rogação da maldição da lei é aquilo a que Paulo se refere em textos como Rm 6:14 e Gl 2:16 — estamos debaixo da graça! A lei continua no seu papel de nos ensinar, pela obra do Espírito Santo. Não somos mais condenados pela lei nem servos da mesma. A lei, por expressar a vontade de Deus, se nos torna um prazer.
Johnson resume o material sobre Cristo e a lei no pensamento de Calvino da seguinte forma:
"O ponto principal, claro, é que Cristo cumpriu a lei em todos os aspectos, seja no vivê-la, no submeter-se à maldição da lei para satisfazer a sua exigência de punição dos transgressores, ou restabelecendo sobre outras bases a possibilidade de cumprir aquilo que a lei requer. Cristo, em outras palavras, satisfez tudo o que a lei exigiu ou pode vir a exigir da humanidade. A justificação que estava associada à lei agora pertence completamente a Cristo."
Portanto, nossa obediência à lei não acontece e não pode acontecer sem Cristo. Tentar viver debaixo da lei, sem Cristo, é submeter-se à escravidão. Porém, obedecer à lei com Cristo é prazer e vida. Também, nesse sentido, Cristo é o fim da lei!

Conclusão


Como fica o aparente paradoxo inicial entre a Lei e Graça? Como corrigir essa visão distorcida? Mais uma vez creio que a visão correta da Confissão de Fé pode nos ajudar a entendê-lo:
  • Este pacto da graça é frequentemente apresentado nas Escrituras pelo nome de Testamento, em referência à morte de Cristo, o testador, e à perdurável herança, com tudo o que lhe pertence, legada neste pacto.
  • Este pacto no tempo da lei não foi administrado como no tempo do Evangelho. Sob a lei foi administrado por promessas, profecias, sacrifícios, pela circuncisão, pelo cordeiro pascoal e outros tipos e ordenanças dadas ao povo judeu, prefigurando, tudo, Cristo que havia de vir; por aquele tempo essas coisas, pela operação do Espírito Santo, foram suficientes e eficazes para instruir e edificar os eleitos na fé do Messias prometido, por quem tinham plena remissão dos pecados e a vida eterna: essa dispensação chama-se o Velho Testamento.
Sob o Evangelho, quando foi manifestado Cristo, a substância, as ordenanças pelas quais este pacto é dispensado são a pregação da palavra e a administração dos sacramentos do batismo e da ceia do Senhor; por estas ordenanças, posto que poucas em número e administradas com maior simplicidade e menor glória externa, o pacto é manifestado com maior plenitude, evidência e eficácia espiritual, a todas as nações, aos judeus bem como aos gentios. É chamado o Novo Testamento. Não há, pois, dois pactos de graça diferentes em substância mas um e o mesmo sob várias dispensações.

Portanto, ao relacionarmos lei e graça devemos nos lembrar dos diversos aspectos e nuanças que estão envolvidos nesses termos.

Primeiramente, encontramos tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, a graça de Deus. Ele não reserva a sua graça somente para o período do Novo Testamento como muitos pensam. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento podemos ver Deus agindo graciosamente, salvando aqueles que creem na promessa do Redentor. 

Assim Abel, Enoque, Noé, Abraão e todos os santos do Antigo Testamento foram remidos. Nenhum deles foi salvo por obediência à Lei, ainda que o Senhor requeresse deles, assim como requer de nós, que sejamos obedientes.

Em segundo lugar, a lei opera para vida ou morte no pacto das obras e somente para a morte no pacto da graça. No pacto das obras, por mérito, o homem poderia continuar vivo e merecer a “árvore da vida.” Portanto, pela obediência o homem viveria. No pacto da graça a lei opera para condenação do homem caído. Porque o homem já está condenado, ele não pode mais cumprir a lei e ela lhe serve para a morte.

Por último, o crente se beneficia da lei estando debaixo da obra redentora de Cristo. O mérito de Cristo, sendo obediente à lei até as últimas consequências, compra-nos o benefício da salvação e a graça de conhecermos a vontade de Deus pela sua lei. O único modo de o ser humano ser salvo é submeter-se totalmente àquele que, por mérito, compra-lhe a salvação. Ainda aqui o homem é beneficiado pela Lei. Cristo a cumpre e declara justificado aquele por quem Ele morre.
"Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele" (João 14:21).
Ao Deus da Lei e da Graça, toda glória. 
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LEI E GRAÇA - PARTE 3: ENTENDENDO A LEI PARA VIVER A GRAÇA

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Estamos sob a Lei ou sob a Graça de Deus?


Muitas interpretações erradas podem resultar de um entendimento falho das declarações bíblicas de que 
"...não estamos debaixo da lei, e sim da graça" (Romanos 6:14). 
Se considerarmos que os três aspectos da lei de Deus apresentados no artigo anterior são distinções bíblicas, podemos afirmar:
  • (a) Não estamos sob a Lei Civil de Israel, mas sob o período da graça de Deus, em que o evangelho atinge todos os povos, raças, tribos e nações.
  • (b) Não estamos sob a Lei Religiosa de Israel, que apontava para o Messias, foi cumprida em Cristo, e não nos prende sob nenhuma de suas ordenanças cerimoniais, uma vez que estamos sob a graça do evangelho de Cristo, com acesso direto ao trono, pelo seu Santo Espírito, sem a intermediação dos sacerdotes.
  • (c) Não estamos sob a condenação da Lei Moral de Deus, se fomos resgatados pelo seu sangue, e nos achamos cobertos por sua graça. Não estamos, portanto, sob a lei, mas sob a graça de Deus, nesses sentidos.

Entretanto...

  • (a) Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela continua representando a soma de nossos deveres e obrigações para com Deus e para com o nosso semelhante.
  • (b) Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela, resumida nos Dez Mandamentos, representa o caminho traçado por Deus no processo de santificação efetivado pelo Espírito Santo em nossa pessoa (João 14:15). Nos dois últimos aspectos, a própria Lei Moral de Deus é uma expressão de sua graça, representando a revelação objetiva e proposicional de sua vontade.

Os três usos da lei 


Para esclarecer a função da lei de Deus dada por intermédio de Moisés nas diferentes épocas da revelação, Calvino usou a seguinte terminologia:

A. O Primeiro Uso da Lei: Usus Theologicus


É a função da lei que revela e torna ainda maior o pecado humano. Segue o ensino de Paulo em Romanos 3:20 e 5:20.

Calvino aponta para esse papel da lei diante da realidade do homem caído. Sendo o pecado abundante, vivemos no tempo em que a lei exerce o "ministério da morte" (2 Coríntios 3:7) e, por conseguinte, "opera a ira" (Rm 4:15).

Cabe aqui uma nota sobre a terminologia dos reformadores (especialmente Calvino) a respeito da lei. A palavra lei é usada em pelo menos dois sentidos distintos, que devem ser entendidos a partir do contexto. Em alguns casos o termo lei é usado como um sinônimo de Antigo Testamento, da mesma forma como Evangelho é usado como um sinônimo de Novo Testamento. 

Em outros contextos o termo lei é usado como uma categoria especial referente ao seu uso como categoria de comando, um mandamento direto expressando a vontade absoluta de Deus sobre alguma coisa, sem promessa. É dessa forma que Calvino interpreta a lei em 2 Co 3:7, Rm 4:15 e 8:15. Nesse sentido, o binômio que se confirma é o binômio Lei x Evangelho. O mandamento que não traz salvação versus a graça salvadora de Deus. Porém, não podemos esquecer que é o próprio Antigo Testamento que nos apresenta a promessa da salvação de Deus, a sua graça operante sobre os crentes da antiga dispensação.

Em Romanos, Paulo aponta para a perfeição da lei, que, se obedecida, seria suficiente para a salvação. Porém, nossa natureza carnal confronta-se com a perfeição da lei, e essa, dada para a vida, torna-se em ocasião de morte. Uma vez que todos são comprovadamente transgressores da lei, ela cumpre a função de revelar a nossa iniquidade.

Explicando isso, Calvino comenta:


"Ainda que o pacto da graça se ache contido na lei, não obstante Paulo o remove de lá; porque ao contrastar o evangelho com a lei, ele leva em consideração somente o que fora peculiar à lei em si mesma, ou seja, ordenança e proibição, refreando assim os transgressores com a ameaça de morte. 
Ele atribui à lei suas próprias qualificações, mediante as quais ela difere do evangelho. Contudo, pode-se preferir a seguinte afirmação: 'Ele só apresenta a lei no sentido em que Deus, nela, se pactua conosco em relação às obras.'"

B. O Segundo Uso da Lei: Usus Civilis


É a função da lei que restringe o pecado humano, ameaçando com punição as faltas contra ela mesma.15 É certo que essa função da lei não opera nenhuma mudança interior no coração humano, fazendo-o justo ou reto ao obedecê-la. A lei opera assim como um freio, refreando "as mãos de uma ação extrema."

Portanto, pela lei somente o homem não se torna submisso, mas é coagido pela força da lei que se faz presente na sociedade comum. É exatamente isto que permite aos seres humanos uma convivência social. Vivemos em sociedade para nos proteger uns dos outros. 

Com o tempo, o homem pode aprender a viver com tranquilidade por causa da lei de Deus que nos restringe do mal. O homem é capaz, por causa da lei de Deus, de copiá-la para o seu próprio bem. É até mesmo capaz de criar leis que refletem princípios da justiça de Deus. Calvino menciona o texto de 1 Timóteo 1:9,10 para mostrar essa função da lei:
"...tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo, mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, impuros, sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe à sã doutrina..."
Assim, a lei exerce o papel de coerção para esses transgressores e evita que esse tipo de mal se alastre ainda mais amplamente no seio da sociedade humana. Essa ação inibidora da lei cumpre ainda um outro papel importante no caso dos eleitos não regenerados. Ela serve como um aio, um condutor a Cristo, como diz Paulo em Gálatas 3:24: 
"...de maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé." 
Dessa forma ela serviu à sociedade judia e serve à sociedade humana como um todo. Da mesma forma essa lei serve ao eleito ainda não regenerado. Ele, antes da manifestação da sua salvação, é ajudado pela lei a não cometer atrocidades, não como uma garantia de que não fará algo terrível, mas como uma ajuda, pelo temor da punição.

C. O Terceiro Uso da Lei


Esse uso da lei só é válido para os cristãos — ensina-os, a cada dia, qual a vontade de Deus. Segundo o texto de Jeremias 31:33, a lei de Deus seria escrita na mente e no coração dos crentes:
"Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo."
Se a lei de Deus está impressa na mente e escrita no coração dos crentes, qual a função da lei escrita por Moisés? Ela é realmente necessária? Não basta um coração convertido, amoroso e cheio de compaixão para conhecer a vontade de Deus? A "lei do amor" e a consciência do cristão orientado pelo Espírito Santo não bastam? Não seria suficiente apenas termos a paz de Cristo como árbitro de nossos corações? (Colossenses 3:15).

Creio que não é bem assim. A lei, assim como no Éden, tem ainda um papel orientador para os cristãos. Embora eles sejam guiados pelo Espírito de Deus, vivendo e dependendo tão somente da sua maravilhosa graça, a lei é o melhor instrumento mediante o qual melhor aprendam cada dia, e com certeza maior, qual seja a vontade de Deus, a que aspiram, e se lhes firme na compreensão. 

A paz de Cristo como o árbitro dos corações só é clara quando conhecemos com clareza a vontade de Deus expressa na sua lei. Deus expressa sua vontade na sua lei e essa se torna um prazer para o crente, não uma obrigação. Calvino exemplifica com a figura do servo que de todo o coração se empenha em servir o seu senhor, mas que, para ainda melhor servi-lo, precisa conhecer e entender mais plenamente aquele a quem serve. Assim, o crente, procurando melhor servir ao seu Senhor empenha-se em conhecer a sua vontade revelada de maneira clara e objetiva na lei.

A lei também serve como exortação para o crente. Ainda que convertidos ao Senhor, resta em nós a fraqueza da carne, que pode ser, no linguajar de Calvino, chicoteada pela lei, não permitindo que estejamos à mercê da inércia da mesma.

Vejamos alguns exemplos do relacionamento entre o crente do Antigo Testamento e o terceiro uso a lei. Primeiramente, podemos observar o prazer do salmista ao falar da lei no Salmo 19:7-14.

Que princípio de morte opera nessa lei, segundo o salmista? Nenhum. Para o regenerado, o crente no Senhor, a lei é prazer, é desejável, inculca temor, restaura a alma e lhe dá sabedoria. Isso de alguma forma parece contradizer os ensinos do Novo Testamento. O terceiro uso da lei é claro para o salmista. A lei em si não faz nenhuma dessa coisas, mas para o coração regenerado ela traz prazer e alegria. Na lei o salmista reconhece a sua rocha, o seu redentor, Jesus Cristo: "rocha minha e redentor meu."

Observe também o Salmo 119:1-20De onde vem esse desejo do salmista pelos juízos de Deus? Da lei que opera sobre o homem natural? Certamente que não. Mas para o homem regenerado a lei de Deus se torna objeto de desejo da alma. A lei é maravilhosa para aquele que tem os olhos abertos pelo Senhor. 

Amar a lei de Deus é ensino claro das Escrituras para os regenerados. Viver na lei de Deus é bênção para o cristão, para o salvo. Ela é o nosso orientador para melhor conhecermos a vontade do nosso Senhor e assim melhor servi-lo. Observe que o viver segundo a lei de Deus é considerado uma bem-aventurança, é como ter fome e sede de justiça.

Pergunto: O que seria do cristão sem a lei para orientá-lo? Como conheceria ele a vontade de Deus? (essa, aliás, é uma das perguntas mais frequentes entre os crentes no seu dia-a-dia). Ele seria um perdido, buscando respostas em seu próprio coração, na igreja, no consenso eclesiástico, na autoridade de alguém que considerasse superior. Mas o crente tem a lei de Deus, expressando objetivamente qual é o desejo do Criador para a criatura, qual o desejo do Pai para seus filhos.

Conclusão da Parte 3


Mas essa visão da lei não nos traz de volta ao legalismo? Estamos então novamente debaixo da lei? Certamente que não. Para bem entendermos a posição bíblica expressa por Calvino sobre a lei no pacto da graça, precisamos entender também como ele relaciona Cristo e a Lei. É o que veremos no último capítulo da série.

Ao Deus da Lei e da Graça, toda glória. 
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quarta-feira, 29 de maio de 2019

LEI E GRAÇA - PARTE 2: ENTENDENDO A LEI PARA VIVER A GRAÇA

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O uso da Lei


Para entendermos bem o uso da lei precisamos entender o que são o pacto das obras e o pacto da graça. Assim, é prudente começarmos por esclarecer o que são esses pactos e qual o conceito de lei que está envolvido na questão.

Pacto das Obras e Pacto da Graça 


São as terminologias usadas pela Confissão de Fé de Westminster para explicar a forma de relacionamento adotada por Deus para com as suas criaturas, os seres humanos. Mais do que isso, essa terminologia reflete o sistema teológico adotado pelos reformados, conhecido como teologia federal

De forma bem resumida, podemos dizer que o pacto das obras é o pacto operante antes da queda e do pecado. Adão e Eva viveram originalmente debaixo desse pacto e sua vida dependia da sua obediência à lei dada por Deus de forma direta em Gênesis 2:17 — não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Adão e Eva descumpriram a sua obrigação, desobedeceram a lei e incorreram na maldição do pacto das obras, a morte.

O pacto da graça é a manifestação graciosa e misericordiosa de Deus, aplicando a maldição do pacto das obras à pessoa de seu Filho, Jesus Cristo, fazendo com que parte da sua criação, primeiramente representada em Adão, e agora representada por Cristo, pudesse ser redimida. 

Porém, a lei antes da queda não se resume à ordem de não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. A lei não deve ser reduzida a um aspecto somente. Existem outras leis, implícitas e explícitas, no texto bíblico. 

Por exemplo, a descrição das bênçãos em Gênesis 1:28 aparece nos imperativos sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e dominai. Esses imperativos foram ordens claras do Criador a Adão e sua esposa e, por conseguinte, eram leis. O relacionamento de Adão com o Criador estava vinculado à obediência, a qual ele era capaz de exercer e assim cumprir o papel para o qual fora criado. 

No entanto, o relacionamento de Adão com Deus não se limitava à obediência. Esse relacionamento, acompanhado de obediência, deveria expandir-se de maneira que nele o Deus criador fosse glorificado e o ser humano pudesse ter plena alegria em servi-lO. A Confissão de Fé nos fala da lei de Deus gravada no coração do homem (CFW 4.2). Essa lei gravada no coração do ser humano reflete o tipo de intimidade reservada por Deus para as suas criaturas.

Nesse contexto podemos perceber que a lei tinha um papel orientador para o ser humano. Para que o seu relacionamento com o Criador se mantivesse, o homem deveria ser obediente e assim cumprir o seu papel. A obediência estava associada à manutenção da bênção pactual. A não obediência estava associada à retirada da bênção e à aplicação da maldição. A lei, portanto, tinha uma função orientadora. O ser humano, desde o princípio, conheceu os propósitos de Deus através da lei. Tendo quebrado a lei, ele tornou-se réu da mesma e recebeu a clara condenação proclamada pelo Criador: a morte.

O que acontece com essa lei depois da queda e da desobediência? Ela tem o mesmo papel? Ela possui diferentes categorias? Por que Deus continuou a revelar a sua lei ao ser humano caído?

De que Lei estamos falando?


A revelação da lei de Deus, como expressão objetiva da sua vontade, encontra-se registrada nas Escrituras. Esse registro, que começou nos tempos de Moisés, fala-nos da lei que Deus deu a Adão e também aos seus descendentes. Essa lei foi revelada ao longo do tempo. 

Dependendo das circunstâncias e da ocasião em que foi dada, possui diferentes aspectos, qualidades ou áreas sobre as quais legisla. Assim, é importante observar o contexto em que cada lei é dada, a quem é dada e qual o seu objetivo manifesto. Só assim poderemos saber a que estamos nos referindo quando falamos de Lei.

A Confissão de Fé, no capítulo 18, divide esses aspectos em lei moral, civil e cerimonial. Cada uma tem um papel e um tempo para sua aplicação:
  • (a) Lei Civil ou Judicial – representa a legislação dada à sociedade israelita ou à nação de Israel; por exemplo, define os crimes contra a propriedade e suas respectivas punições.
  • (b) Lei Religiosa ou Cerimonial – representa a legislação levítica do Velho Testamento; por exemplo, prescreve os sacrifícios e todo o simbolismo cerimonial.
  • (c) Lei Moral – representa a vontade de Deus para o ser humano, no que diz respeito ao seu comportamento e aos seus principais deveres.

Toda a Lei é aplicável aos nossos dias?


Quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte compreensão:
  • (a) A Lei Civil tinha a finalidade de regular a sociedade civil do estado teocrático de Israel. Como tal, não é aplicável normativamente em nossa sociedade. Os sabatistas erram ao querer aplicar parte dela, sendo incoerentes, pois não conseguem aplicá-la, nem impingi-la, em sua totalidade.
  • (b) A Lei Religiosa tinha a finalidade de imprimir nos homens a santidade de Deus e apontar para o Messias, Cristo, fora do qual não há esperança. Como tal, foi cumprida com sua vinda. Os sabatistas erram ao querer aplicar parte da mesma nos dias de hoje e ao mesclá-la com a Lei Civil.
  • (c) A Lei Moral tem a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus deveres, revelando suas carências e auxiliando-o a discernir entre o bem e o mal. Como tal, é aplicável em todas as épocas e ocasiões. Os sabatistas acertam ao considerá-la válida, porém erram ao confundi-la e ao mesclá-la com as outras duas, prescrevendo um aplicação confusa e desconexa.

Conclusão da Parte 2


Assim sendo, é fundamental que, ao ler o texto bíblico, saibamos identificar a que tipo de lei o texto se refere e conhecer, então, a aplicabilidade dessa lei ao nosso contexto. 

As leis civis e cerimoniais de Israel não têm um caráter normativo para o povo de Deus em nossos dias, ainda que possam ter outra função como, por exemplo, ensinar-nos princípios gerais sobre a justiça de Deus. 

Portanto, a lei que permanece "vigente" em nossa e em todas as épocas é a lei moral de Deus - pois, sendo de aspecto moral, ela está essencialmente indissociável do caráter de Deus, que é imutável. Ela valeu para Adão assim como vale para nós hoje. Isto implica que estamos, hoje, debaixo da lei? E o que veremos nos próximos capítulos.

Ao Deus da Lei e da Graça, toda glória. 
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LEI E GRAÇA - PARTE 1: ENTENDENDO A LEI PARA VIVER A GRAÇA

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É quase um paradigma para os cristãos modernos associar o Antigo Testamento à Lei e o Novo Testamento à Graça. Quando temos a oportunidade de pedir o relacionamento entre os termos e, invariavelmente - independente do nível de conhecimento, quer seja de estudantes de teologia, quanto de alunos na Escola Bíblica Dominical -, a resposta tem sido a seguinte relação:
  1. Lei ➫ Antigo Testamento
  2. Graça ➫ Novo Testamento

1. Estamos sob a Lei ou sob a Graça?


Esse questionamento reflete um entendimento confuso do ensino bíblico acerca da Lei e da Graça, ambas de Deus. Muitos associam a Lei como um elemento pertencente exclusivamente ao período do Antigo Testamento e a Graça como um elemento neotestamentário. Isso é muitas vezes o fruto do estudo apressado de textos como:
"...Sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado" (Gálatas 2:16).
"Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça" (Romanos 6:14).
E, de fato, uma leitura isolada dos textos acima pode levar o leitor a entender lei e graça como um binômio de oposição. Lei e graça parecem opostos, sem reconciliação — o cristão está debaixo da graça e consequentemente não tem qualquer relação com a lei. No entanto, essa leitura é falaciosa. 

O entendimento isolado desses versos leva a uma antiga heresia chamada antinomismo, a negação da lei em função da graça. Nessa visão, a lei não tem qualquer papel a exercer sobre a vida do cristão. O coração do cristão torna-se o seu guia e a lei se torna dispensável. 

O oposto dessa posição é o legalismo ou moralismo, que é a tendência de enfatizar a lei em detrimento da graça (neonomismo). Nesse caso, a obediência não é um fruto da graça de Deus, uma evidência da fé, mas uma tentativa de agradar a Deus e de se adquirir mérito diante dele. Exatamente contra essa ideia é que a Reforma Protestante lutou, apresentando como uma de suas principais ênfases a sola gratia (somente a graça).

No século XVI, os católicos acusavam os reformadores de antinomistas, de serem contrários à lei de Deus. Até mesmo o grande reformador Martinho Lutero expressou preocupação quanto a alguns de seus seguidores que, em seu zelo de proclamar a graça por tanto tempo desprezada pela Igreja, acabavam por desprezar a Lei. 

A busca pelo equilíbrio em meio aos excessos


Desde a reforma têm aparecido movimentos enfatizando um ou outro desses aspectos, lei ou graça, sempre de forma excludente. Um dos mais recentes movimentos nessa linha, enfatizando a graça em detrimento da lei, é o dispensacionalismo. Essa forma de abordagem surgiu no século XIX, caracterizando a lei como a forma de salvação no período mosaico e o evangelho como a forma de salvação na dispensação da igreja. Esse é, possivelmente, o movimento que mais influência exerce atualmente na interpretação do papel da lei e da graça entre os evangélicos ao redor do mundo.

Em uma direção oposta, outro grande movimento foi iniciado por Karl Barth, em seu livro "God, Grace and Gospel" ("Deus, Graça e Evangelho", em livre tradução), onde argui por uma unidade básica entre lei e graça, direcionando seu pensamento para um novo moralismo. 

Para termos uma boa ideia de como o debate ainda é atual, em 1993 foi publicado o livro "Five Views on Law and Gospel" ("Cinco visões sobre Lei e Evangelho", em livre tradução), da coleção Counterpoints (contrapontos), no qual cinco escritores evangélicos contemporâneos expressam diferentes pontos de vista sobre a relação entre a lei e o evangelho (graça). Sem sombra de dúvida, o assunto ainda está muito longe de apresentar um consenso entre os evangélicos.

A Lei e a Graça são fenômenos espirituais, como, então, tentar explicá-los e/ou entendê-los intelectualmente?


As implicações da forma como entendemos a relação entre lei e graça vão muito além do aspecto puramente intelectual. Esse entendimento vai, na verdade, determinar toda a forma como alguém enxerga a vida cristã e que tipo de ética esse cristão irá assumir em sua caminhada. 

John Hesselink, um estudioso sobre a relação entre lei e graça, exemplifica que, na década de 1960, os cristãos proponentes da ética situacionista se levantaram contra leis, regras e princípios gerais, propondo uma nova moralidade. 

Esse movimento propõe que a ética das Escrituras não é absoluta, mas depende do contexto. Nem mesmo a lei moral de Deus é absoluta; ela depende da situação. Essa proposta surgiu e se desenvolveu dentro do cristianismo tradicional, alcançando seguidores de todas as bandeiras denominacionais, praticamente sem restrições. 

A lei não tem mais qualquer papel determinante na ética cristã; o que determina a ética cristã é o "princípio do amor", conclui o movimento. A consequência dessa conclusão é que a graça suplanta a lei. As decisões éticas devem ser tomadas levando em consideração o princípio do amor. 

Tome-se por exemplo a questão do aborto no caso de estupro. Aprová-lo nessas circunstâncias é um ato de amor baseado no princípio do amor à mãe que foi estuprada. Ou mesmo a questão da pena de morte. Ela não se encaixa no princípio do amor ao próximo e, portanto, não pode ser uma prática cristã. 

Até mesmo situações como o divórcio passam a ser aceitáveis pelo princípio do amor. A separação de casais passa a ser aceitável pelo mesmo princípio. O mesmo acontece com a homossexualidade. Aceitar a prática da homossexualidade passa a ser um ato de amor, e portanto, essa prática não pode ser considerada como pecado, ou, se assim considerada, é um "pecado aceitável".


Conclusão da parte 1


Mas seria essa a verdadeira conclusão do cristianismo e o verdadeiro ensino das Escrituras sobre a Lei? É isso que o estudo das Escrituras e o cristianismo histórico nos ensinam? Nos capítulos a seguir avaliaremos o pensamento de Calvino a respeito dessa questão e a aplicação calvinista refletida na Confissão de Fé de Westminster (CFW).

[ Fonte: Pastor Mauro Fernando Meister, professor de teologia judaico-cristã]

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LEI E GRAÇA - INTRODUÇÃO: ENTENDENDO A LEI PARA VIVER A GRAÇA

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Um dos pontos principais que enfocaremos nesta série especial de artigos se refere a um conceito existente na igreja há centenas e centenas de anos, onde se diz: "estamos debaixo da graça e não debaixo da lei" (quem de nós nunca ouviu e/ou nunca disse esse chavão clichê -que já é quase um adágio - no meio evangélico?). E há muita gente que ainda acredita que a Lei é algo ruim, terrível, mas, se ela veio de Deus - e quero crer que ninguém tem dúvida sobre isso -, como ela pode ter sido assim, tão ruim, se a própria Bíblia me garante que TUDO o que vem da parte dEle é sempre visando o bem da sua criação?
"Compreendi ainda que tudo o que Deus faz dura para sempre: ao que Deus criou nada se pode acrescentar, de igual modo, nada se pode subtrair. Esse é o método de Deus para fazer com que a humanidade o ame reverentemente" (Eclesiastes 3:14). 
"Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há oscilação como se vê nas nuvens inconstantes. De acordo com a sua vontade, Ele nos gerou pela Palavra da verdade, a fim de sermos como que os primeiros frutos de toda a sua criação" (Tiago 1:17,18).
E o grande problema sobre o verdadeiro entendimento acerca da Lei e da Graça, é um sem número de seitas que surgem e crescem feito erva daninha, com o claro intuito de perverter, contaminar a fé daqueles que não têm o hábito de fazer um estudo mais detalhado, sob a luz e orientação do Espírito Santo, das Escrituras Sagradas. 

Um dos argumentos que caracterizam e explicitam uma seita é o de dizer que o Antigo Testamento não tem valor pra quem está na Graça. Quando você ouvir qualquer linha de argumentação que venha com essa afirmação, pode ligar o sinal de alerta, pois tem seita na área:
"Porque desde a infância sabes as Sagradas Letras que têm o poder de fazer-te sábio para a salvação, por intermédio da fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e proveitosa para ministrar a verdade [Toda, não apenas só o Antigo ou só o Novo, mas TODA], para repreender o mal, para corrigir os erros e para ensinar a maneira certa de viver; a fim de que todo homem de Deus tenha capacidade e pleno preparo para realizar todas as boas ações" (2 Timóteo 3:15-17, grifo e acréscimo meus [entre chaves]).

Realmente podemos encontrar este versículo na Carta de Paulo aos Romanos (6:14). Mas, este versículo tem sido interpretado erroneamente pelos pais da Igreja de Roma, o qual vem perpetuando no meio cristão até nos dias de hoje. 

O Antigo Testamento não tem valor para quem está na graça?


Alguns creem, por incrível que pareça, que o Antigo Testamento é um livro de lendas e história de Israel. O pior é que muitos usam ou citam este versículo como se fosse um "passaporte" para o crente fazer quase tudo o que deseja. Agem como se a graça de Jesus abrisse todas as portas quanto aos "antigos" mandamentos, estatutos ou ordenanças dados por Deus. 

Pensamentos como, se estamos debaixo da graça não há fronteiras ou limites que nos cercam. Como por exemplo, pode-se comer tudo o que se deseja de modo irrestrito; tem-se sempre o pronto perdão de Deus para as falhas e pecados, não gerando consequências para aquele que crê. 

Afinal, podemos trabalhar o tanto, como e quando quisermos, relacionar com quem quisermos, comer com quem quisermos, sentar com quem quisermos, participar e se envolver intensivamente na sociedade e com as coisas mundanas, relacionar intimamente com a esposa de modo irrestrito, criar filhos e educá-los sem os impor limites e punições, enfim, estamos na graça e "livres" de qualquer lei que nos oprime, incomoda ou nos aborrece. 

Lei é para os desobedientes judeus ou para aqueles que buscam para si um peso ou um neurótico estilo de vida, dizem alguns cristãos. Afinal, 
"Estamos ou não debaixo da graça e não debaixo da lei"? 
Será que Paulo anulou a lei que Jesus não aboliu (Mateus 5:17) quando citou este versículo? Não é difícil perceber que o contexto que Paulo aqui se refere, como judeu zeloso e cumpridor da lei (Atos 25:8 ;28:17), não é que a graça de ser salvo anulou a lei, mas sim, aquele que teve a experiência do novo nascimento em Cristo, ou seja, a natureza do pecado que habitava em nós deu lugar ao Espírito de Deus, não estando mais sob o jugo da lei do pecado (natureza do pecado), que oprime, amarra e destrói o homem, o separando de Deus. 

 Uma coisa é entender o legalismo da lei a outra é viver sob os princípios da lei. Se este versículo continua sendo entendido erroneamente pelos cristãos, então, é melhor que estes cristãos risquem todas as cartas de Paulo, os escritos dos profetas e toda a Torá de suas Bíblias, pois, encontramos nas Escrituras os inefáveis benefícios da lei, a qual o próprio Paulo como salvo em Yeshua (Jesus) se refere a ela chamando-a de santa, justa e boa e que nela se encontra prazer (Rm 7:12;22).

Ele disse isto não só porque ele era um judeu zeloso, mas sobretudo, porque os gentios também deviam ter consciência que a lei é santa, justa e boa, como escrito no verso 12 da sua carta endereçada aos Romanos. 

Agora, um judeu não messiânico ou qualquer pessoa fora da graça salvadora que só guarda a lei, ou parte da lei, desprezando ou desconhecendo a graça, não estaria cumprindo o pleno propósito de Deus. Aqui está o erro: 
  • parar na lei e desconhecer Jesus, a maior graça de Deus.

Conclusão da introdução


Devemos, então, abolir frases como "não temos nenhum compromisso com a lei", "Cristo nos resgatou dessa maldição ou a lei é para judeus e a graça de Deus é para os crentes" ou ainda "o fim da lei é Cristo" no sentido que Ele terminou com a lei, etc. são conceitos mal interpretados que irão cada dia mais afastar a Igreja do verdadeiro propósito, distanciando-a ainda mais de suas raízes bíblicas e judaicas e, principalmente, de Israel e de seu povo que ainda precisam ser salvos, reconhecendo Yeshua como o seu esperado Messias.

[Fonte: Ministério Ensinando de Sião, por Marcelo M. Guimarães - Líder e fundador do Ministério Ensinando de Sião-Brasil e da Congregação Judaico-Messiânica Har Tzion - Belo Horizonte - MG.]

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segunda-feira, 27 de maio de 2019

PAPO RETO - O DESAFIO DO PERDÃO NA INFIDELIDADE CONJUGAL

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É fácil um líder religioso falar de perdão em sua mensagem. Mas perdoar é mais difícil do que as palavras dizem. Na palavra "perdoar" tem a parte que diz "doar". Você doa, de graça, algo a alguém que não merece. Ou você recebe o que não merece, o perdão, mesmo sendo culpado. No contexto da salvação, é exatamente isso o que Deus fez conosco (Efésios 2:1-9).
Claudia Bruscagin, professora da PUC-SP diz: 
"Perdoar não é a negação dos sentimentos de mágoa, ira e rancor. É reconhecer os sentimentos e então escolher não agir por eles" ("Religiosidade e Psicoterapia", Editora Roca, p. 60, 2008). 
Perdoar tem que ver com escolha. Mas e os sentimentos de dor? Escolher perdoar os elimina?

Perdoar, não é esquecer


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Diz-se que quem perdoa, esquece. Na verdade, quem perdoa genuinamente, primeiro lembra, analisa, desabafa a dor, depois trabalha para esquecer por decisão consciente de fazer isto. O perdão não é de graça. Quem perdoa tem que pagar o preço de abandonar seu desejo de fazer justiça com suas próprias mãos. É isto fácil? De jeito nenhum! Envolve grande risco porque o ofensor pode não demonstrar arrependimento e permanecer abusivo. Ou se interromper o ciclo de abusos, pode não admitir para o ofendido seus erros. Como conviver com uma realidade em que o ofensor não admite seus erros, não pede perdão, não quer tocar no assunto, quer viver como se tudo estivesse legal e como se não tivesse ocorrido um trauma muito doloroso?

O perdão não é de graça porque ele não livra a pessoa dos resultados de seus atos. O povo de Israel foi perdoado, porém, de cerca de dois milhões de pessoas que andaram pelo deserto após saírem do Egito, somente duas entraram na Terra Prometida. Havia um preço. Aquele que maltrata outra pessoa física, sexual ou psicologicamente, tem que assumir as consequências de seu ato; caso contrário, o perdão não terá sentido nem significado. 

Perdoar não é passar por alto as consequências das agressões. Isto é injustiça. O perdão bíblico é sempre um ato realizado num contexto de justiça. Em nenhuma parte é um ato isento de responsabilidade. Seria confundir perdão com impunidade, e não é isso o que a Bíblia apresenta. 

Não se pode viver num contexto de rancor. Mas é importante entender que o perdão tem seu tempo de desenvolvimento, é pessoal e, em muitos casos, um milagre.

O desafio de perdoar a traição conjugal


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Uma das dores emocionais mais devastadoras é a de ter sido traído pelo cônjuge. Isto porque quando se casa por amor o vínculo afetivo formado ao longo do namoro, noivado e casamento é muito forte e o nível de confiança depositado no cônjuge passa a ser um dos mais profundos nas relações humanas. Quando ocorre a infidelidade, quebra-se muita coisa e o perdão se faz necessário em algum momento no futuro. Vamos analisar isto.

Qualquer pessoa, cristã ou não, está sujeita à paixões afetivas. Quando ela é religiosa, o compromisso de fidelidade é assumido não só para com o cônjuge, mas para com Deus também. Ocorrendo adultério, além da quebra da fidelidade com o(a) companheiro(a), ocorre também a quebra do relacionamento com Deus. 

No contexto cristão, a infidelidade parece denunciar uma falta de compromisso não somente com o casamento, mas também com Deus, com a fé e seus preceitos. Para o casal religioso, a reconstrução do relacionamento após um caso de infidelidade exige que não somente a dinâmica da relação seja revista, mas também a interação de cada um dos membros do casal com Deus, pois o perdão de Deus é tão importante quanto o perdão do cônjuge traído.

Cada cônjuge tem um papel quanto ao perdão ao ocorrer a infidelidade. O do traído é oferecer o perdão, o do traidor é buscá-lo. Ambos devem avaliar seu relacionamento e restaurar a relação, mudando o que erraram e acima de tudo perdoando verdadeiramente. Mas o que é o perdão verdadeiro? Depende dos sentimentos? Depende de esquecer o fato?

O perdão verdadeiro

A cura através do perdão


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É muito importante entender que o perdão cura a pessoa que perdoa. Viver ressentido é viver com a dor agarrada em você. A palavra "ressentimento" significa "re-sentir", ou seja, sentir de novo. O perdão interrompe sentir a dor contínua. Quando você perdoa, a dor vai embora e você se sente melhor, mesmo que o perdão não possa produzir o restabelecimento do relacionamento interrompido pela quebra da fidelidade e confiabilidade na vida do casal.

Especialistas de várias áreas da saúde emocional, são unânimes em afirmar com base em pesquisas e estudos que a única forma de curar a dor que não se cura por si mesma é o perdão à pessoa que o magoou. Segundo eles, o perdão cura a memória ao trabalhar a mudança de pensamentos. Aquele que vive remoendo sua dor pode ser mais prisioneiro que o agressor e, ao perdoar, liberta-se da prisão.

Ainda de acordo com os especialistas, perdoar não é passar por cima dos próprios sentimentos, ou simplesmente "dar a outra face". É um processo longo e dolorido, pois é um ato voluntário de renúncia ao direito legítimo de estar ressentido, de julgar negativamente o ofensor ou agressor e demonstrar uma atitude de compaixão e generosidade para com ele, apesar de não merecer. 

Perdoar não é a negação dos sentimentos de mágoa, ira e rancor. É reconhecer os sentimentos e então escolher não agir por eles. Também significa que os maus sentimentos podem voltar e que talvez seja preciso perdoar mais de uma vez.

Cura não significa que após o perdão tem que haver reconciliação. Alguns casos não há, porque o ofensor foi longe demais ou porque ele não se interessa pela humilhação necessária para tratar a ferida ou porque a ferida destruiu a sustentação do relacionamento semelhante a um prédio abalado por um tremor que tem sua estrutura condenada pela Defesa Civil para a segurança de todos. 

Deus teve que destruir os antediluvianos porque eles não aceitaram o perdão e chegaram a um ponto de não-volta, de não-arrependimento, de não-perdão. Eles queriam prazer, mas não perdão, porque ficaram movidos pelas emoções, dominados pelos demônios da vaidade, da carnalidade, da mundanidade. Ou seja, não foi Deus quem não os perdoou, eles foram quem rejeitaram a liberação do perdão divino. Isso acontece também nos relacionamentos.

A diferença entre o perdão e a desculpa


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Perdoar não é desculpar o erro da pessoa, assim como arrependimento não é o mesmo que remorso. A desculpa ocorre quando há a compreensão de que a pessoa não é culpada pelo que fez. Você não desculpa no sentido de tirar a culpa, porque ela é real. Procura perdoar escolhendo fazer isto independente do sentimento porque o perdão não é um sentimento, é uma escolha. Escolha de não cultivar a mágoa contra a pessoa que machucou você.

Há ritmo e estágios diferentes para cada um viver o processo de perdoar. Se alguém der um soco no seu rosto, produzirá uma marca visível na pele. Pode sangrar, fica roxo, inchado, etc. e a cura desta pancada demora um tempo, se você perdoou o agressor ou não. Algo parecido ocorre no processo de cura da dor da "pancada" da traição. 

Os estágios do perdão


Os estágios para se alcançar o perdão são: mágoa, rancor, cura e reconciliação. O primeiro passo é reconhecer os sentimentos e assumi-los. Na fase de reconciliação em casos de infidelidade (ou outros) é importante que o cônjuge que traiu, se quiser seguir na reconciliação: 
  1. Aceite sua responsabilidade pelo ocorrido; 
  2. expresse sincero pesar e arrependimento; 
  3. de alguma forma ofereça compensação conveniente;
  4. prometa não repetir a conduta, e 
  5. peça perdão.
Ou seja, na reconciliação, quando possível, o ofendido convida a pessoa que o machucou de volta para sua vida. Se o outro vem honestamente, o amor pode atuar e juntos podem desenvolver um novo relacionamento. Esse estágio depende tanto da pessoa a ser perdoada quanto da que perdoa; às vezes a pessoa não volta e é preciso se curar sozinho.

Conclusão


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O tempo cura. Mas nessa cura pode haver, e em geral há, mudanças profundas no relacionamento entre as pessoas envolvidas. Uma pessoa traída, pode precisar de anos de restabelecimento emocional para se recompor da tragédia e voltar a viver com serenidade. 

É como você jogar uma pedra num lago sereno e formar múltiplas ondas. As ondas se formam, não porque o lago é malvado, mas porque ele responde à uma lei da Natureza. Um coração partido não se recompõe rapidinho com qualquer "band-aid", seja ele cristão ou não.
"Só ele cura os de coração quebrantado e cuida das suas feridas" (Salmo 147:3).

[Fonte: portalnatural.com.br/saude-mental, por César Vasconcellos, cristão, médico psiquiatra e psicoterapeuta, especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Médica Brasileira, membro da American Psychosomatic Society, consultor psiquiatra da revista Vida & Saúde e Diretor Médico do Portal Natural. Também é autor dos livros "Casamento: o que é isso?", "Consultório Psicológico", "Saúde Total" e do audiolivro "Casamento: o que é isso? Comentado"]

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sábado, 25 de maio de 2019

JESUS "DESCEU AO INFERNO"? UAI, E O QUE ELE FOI FAZER LÁ?



"Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: 'Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus'." (Mateus 22:29, grifo meu).
Há por parte de muitos religiosos a crendice de que Jesus desceu ao inferno. Uns dizem que Ele teria ido lá para "pregar às almas perdidas", outros dizem que Ele foi lá "para tomar as chaves da morte e do próprio inferno das garras do diabo" e ainda há os que acreditam que, como não gostava de perder tempo, Jesus foi lá no inferno e fez as duas coisas.

Mas, qual o embasamento bíblico para a crença e a defesa de tais doutrinas? NENHUMA! Onde na Bíblia está escrito tais coisas? EM LUGAR NENHUM! Mas de onde então o povo tirou isso? Bom, se não foi de alguma HQ, foi de algum episódio de uma dessas séries fantasiosas exibidas na Netflix. Brincadeira à parte, acredito que o que fez a disseminação dessa crença absurda é o grande problema que ainda está presente no meio evangélico e, em tempos atuais - onde o "pastor Google", e o "pastor YouTube" da "igreja Internet" têm arrebanhado um grande número de fiéis seguidores -, cada vez mais crescente: a falta de conhecimento e entendimento das Escrituras Sagradas, onde: 
  • conhecimento = uma leitura constante e insistente;
  • entendimento = discernimento através da revelação dada pelo Espírito Santo.
O texto de 1 Pedro 3:18-20 tem sido motivo de muitos debates entre teólogos e cristãos (aliás, tais debates, ma maioria das vezes, só servem para causar confusão e roubar o que deve ser o principal objetivo: a pregação do Evangelho). Mas, será que Cristo desceu a um mundo inferior entre a sua morte e ressurreição? É o que vamos analisar.

As várias interpretações


1) Interpretação arminiana - Defende que os contemporâneos de Noé não tiveram nenhum redentor e nenhum guia. Portanto, Deus teve de lhes suprir esta deficiência e, assim, por fim, o Senhor ressuscitado lhes trouxe a salvação. Para eles, a rejeição do Evangelho no passado não foi uma rejeição final e definitiva.

Mas, será que a morte não coloca um fim no período em que Deus opera com Sua graça para salvar pecadores? Será que existe neste texto de Pedro o ensino de uma nova oportunidade para os ímpios se salvarem, mesmo depois de sua morte? A grande dificuldade é que os santos do Antigo Testamento já haviam crido no Messias e, por isso, estavam justificados (Romanos 4:3; Gálatas 3:6-9).

2) Interpretação luterana - Diz que Cristo morreu e, antes de ser ressuscitado, teve seu espírito restituído ao corpo e, na totalidade de sua natureza humana, foi ao inferno e proclamou sua vitória a Satanás. Mas, essa interpretação traz dificuldade porque não havia tido ainda nenhuma manifestação de vitória de Cristo.

3) Interpretação anglicana - Ensina que a alma de Cristo desceu ao inferno para conquistar a morte e o diabo (tomar as chaves - mas que chaves são essas?) e para libertar as almas dos homens justos e bons, que desde a queda de Adão morreram por causa de Deus e na fé e na crença em Jesus, que estava para vir. Sua conquista destruiu qualquer reivindicação que o diabo tinha sobre os homens, e a descida foi parte do "resgate" pago por Cristo.

Mas, as Escrituras não ensinam que os crentes do Antigo Testamento foram para o Hades e que Jesus lá desceu para libertá-los. Esses crentes foram estar com Deus após a sua morte (Salmo 73:23,24). Enquanto Cristo estava na terra, Elias e Moisés já estavam com Deus no céu, e não no Hades (2 Reis 2:11; Lucas 9:29-35).

Análise bíblica de 1 Pedro 3:18-20


1) Qual o significado das expressões "carne" e "espírito vivificado"?

 
Neste texto, Pedro está contrastando dois estados de existência de nosso Redentor.
  • b) O estado de não-limitação - "Espírito vivificado". A expressão "vivificado no espírito" se refere à natureza divina de Jesus. Seu estado antes de sua encarnação. E foi neste estado que Ele pregou aos "espíritos em prisão".
Quando o texto fala que Jesus 
"vivificado em espírito foi e pregou, não está se referindo a um lugar depois de sua morte, mas onde Ele estava quando havia desobedientes dos tempos de Noé" (v. 20). 
Foi neste espírito que Ele pregou através dos profetas.

"Também". A palavra "também" do v. 19 mostra a ênfase do estado de limitação para o estado de não-limitação. Dito de outra forma: Cristo pregou quando estava em nosso meio, como homem (dias de Sua carne), mas também pregou como Divino (não-limitação) nos dias de Noé através dos profetas.

2) Quando Cristo pregou? 


O ensino desta passagem não é o que Cristo fez entre a morte e a ressurreição, mas o que Ele fez no seu estado antes da Encarnação - estado não-limitado, no tempo de Noé (1 Pe 1: 8-12).

3) Qual o conteúdo da pregação? O que Cristo pregou? 


Jesus pregou o evangelho aos contemporâneos de Noé. Espiritualmente, Cristo estava presente em Noé quando este era o "pregoeiro da justiça" 2 Pe 2:5. Em 1 Pe 1:10,11, o apóstolo mostra o evangelho sendo pregado pelos profetas. Noé certamente pregou aos seus contemporâneos o evangelho e convocou-os ao arrependimento.

4) Quem são estes "espíritos em prisão" a quem Cristo pregou?


A expressão "espíritos em prisão" se refere às pessoas que no tempo de Noé (noutro tempo) rejeitaram a sua pregação e que foram consideradas "espíritos em prisão", incapazes de fazer qualquer coisa que os deixassem livres. Permaneceram no cativeiro espiritual; permaneceram incrédulos quanto à mensagem pregada por Noé e na prisão de suas almas.

Agora vamos analisar outro texto, que também gera essa confusão no meio dos crentes (clique no link para ler o texto).

EFÉSIOS 4:9


  • Problema - Paulo declara que Jesus desceu "até as regiões inferiores da terra" e o Credo dos Apóstolos declara que, depois de ter sido morto, Jesus "desceu ao inferno". Entretanto, quando Cristo estava morrendo, entregou o seu espírito nas mãos do Pai (Lc 23:46) e disse ao ladrão que este estaria com ele no "paraíso" (23:43), ou seja, no "terceiro céu" (2 Co 12:2,4). Para onde Jesus foi então: para o céu ou para o inferno?
  • Solução: Há duas posições a respeito do lugar para onde Jesus foi durante os três dias em que o seu corpo permaneceu no túmulo, antes da ressurreição: uns defendem que ele foi para o Hades; outros, que foi para o céu. 
a) Para o Hades - Os partidários dessa posição afirmam que o espírito de Cristo foi ao mundo espiritual, enquanto o seu corpo permanecia no túmulo. Creem que Jesus "pregou aos espíritos em prisão" (conforme já exposto acima), que estavam num lugar de cativeiro temporário, aguardando a sua chegada para "levar cativo o cativeiro", isto é, levá-los para o céu. De acordo com essa posição, havia dois compartimentos no Hades (ou Sheol), uma para os salvos e outra para os perdidos. Eles estavam separados por "um grande abismo" (Lc 16:26), que ninguém podia ultrapassar. A seção dos salvos era chamada de "o seio de Abraão" (16:23). Quando Cristo, "sendo ele as primícias" da ressurreição (1 Co 15:20), ascendeu, Ele levou esses santos do AT consigo pela primeira vez. 

Para o Céu. Esse parecer sustenta que as almas dos crentes do AT foram diretamente para o céu no momento de sua morte. Em favor disso tem-se os seguintes argumentos.
  • Primeiro, Jesus afirmou que o seu espírito estava indo diretamente para o céu, quando disse: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" (Lc 23:46).
  • Segundo, Jesus prometeu ao ladrão na cruz: "Hoje estarás comigo no paraíso" (Lc 23:43); mas "paraíso" é definido como sendo "o terceiro céu" em 2 Coríntios 12:2,4.
  • Terceiro, quando os santos do AT deixaram esta vida, foram diretamente para o céu. Deus tomou a Enoque para si (Gn 5:24; cf. Hb 11:5), e Elias foi tomado "ao céu" quando partiu (2 Rs 2:1).
  • Quarto, "o seio de Abraão" (Lc 16:23) é uma descrição do céu. Em nenhum ponto ele é descrito como sendo o inferno. É o lugar para onde Abraão foi, que é o "reino dos céus" (Mt 8:11).
  • Quinto, antes da cruz, quando os santos do AT apareciam, era do céu que vinham, como aconteceu com Moisés e Elias no Monte da Transfiguração (Mt 17:2-3).
  • Sexto, os santos do AT tiveram de esperar a ressurreição de Cristo para que seus corpos fossem ressuscitados (1 Co 15:20; cf. Mt 27:53), mas suas almas foram diretamente para o céu. Cristo foi o Cordeiro morto "desde a fundação do mundo" (Ap 13:8), e eles para lá foram pelos méritos que Deus sabia que Cristo cumpriria.
  • Sétimo, a expressão "até as regiões inferiores da terra" não é uma referência ao inferno, mas ao túmulo. Até mesmo o ventre de uma mulher, em linguagem metafórica, é descrito como sendo "profundezas da terra" (SI 139:15). Essa expressão significa simplesmente covas, túmulos, lugares fechados na terra, em oposição a partes altas, como montanhas. Além disso, o inferno não se localiza nas partes mais baixas da terra - mas "debaixo da terra" (Filipenses 2:10).
  • Oitavo, a frase "desceu ao inferno" não constava do Credo Apostólico primitivo. Ela foi acrescentada somente no século IV a. D. Além disso, um credo como tal não é inspirado, mas apenas uma confissão humana de fé.
  • Nono, os "espíritos em prisão" não eram salvos, mas seres perdidos. Na verdade, essa pode ser uma referência a anjos, não a seres humanos (veja os comentários de 1 Pd 3:19).
Finalmente, quando Cristo "levou cativo o cativeiro", não estava levando amigos para o céu, mas trazendo inimigos a uma prisão. É uma referência à sua vitória sobre as forças do inimigo. Os cristãos não são "cativos" no céu. Não somos forçados a ir para lá contra a nossa própria e livre escolha (veja Mt 23:37; 2 Pe 3:9).

Posicionamento Bíblico

Análise hermenêutica


Nas Escrituras Hebraicas, a palavra usada para descrever a esfera dos mortos é "Seol". Esta palavra simplesmente significa "lugar dos mortos" ou o "lugar das almas/espíritos que partiram" (NUNCA inferno). A palavra grega do Novo Testamento que é usada para inferno é "Hades", que também se refere ao "lugar dos mortos", no caso, obviamente, dos mortos sem Cristo. 

Outras Escrituras no Novo Testamento indicam que "Seol/Hades" é um lugar temporário, onde as almas ficam enquanto aguardam a ressurreição e julgamento final. Apocalipse 20:11-15 dá a distinção clara entre os dois. Inferno (o lago de fogo) é o lugar final e definitivo de julgamento para os perdidos. Hades é um lugar temporário. 
  • Então, não, Jesus não foi ao "Inferno" porque "Inferno" é uma esfera futura que somente entrará em vigor após o Julgamento do Grande Trono Branco (Apocalipse 20:11-15).
  • "Seol/Hades" é uma esfera com duas divisões (Mt 11:23; 16:18; Lc 10:15; 16:23; Atos 2:27-31), o território dos salvos e o dos perdidos. O território dos salvos é chamado "Paraíso" e "Seio de Abraão". Os territórios dos salvos e dos perdidos são separados por um "grande abismo" (Lc 16:26). 
Quando Jesus subiu aos Céus, Ele levou consigo os ocupantes do Paraíso (os salvos - Ef 4:8-10). O lado perdido do Seol/Hades permaneceu intacto. Todos os mortos incrédulos para lá vão e esperam seu futuro julgamento final. 
  • Jesus foi ao Seol/Hades (Que, entenda-se de uma vez por todas: NÃO É O INFERNO, O LAGO QUE ARDE EM FOGO E ENXOFRE, pois este lugar foi criado ESPECIFICAMENTE E EXCLUSIVAMENTE PARA O DIABO E, POR ENQUANTO, AINDA ESTÁ VAZIO. Agora, quem e quantos ele levará para lá consigo, isso eu não sei)? Sim, de acordo com Efésios 4:8-10 e 1 Pedro 3:18-20.

O erro e os perigos da falta de conhecimento da Palavra


Parte desta confusão surgiu de passagens como Salmos 16:10-11: 
"Pois não deixarás a minha alma no inferno, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção. Far-me-ás ver a vereda da vida..." 
"Inferno" não é a tradução correta deste versículo. Uma leitura correta seria "a sepultura" ou "Seol"O corpo de Jesus estava na tumba; Sua alma/espírito foi para o lado do "Paraíso" de Seol/Hades. Então Ele removeu do Paraíso todos os justos que já haviam morrido e os levou consigo aos Céus. Infelizmente, em muitas traduções da Bíblia, os tradutores não são consistentes ou corretos quando traduzem as palavras hebraica e grega para "Seol", "Hades" e "Inferno".

Alguns defendem o ponto de vista de que Jesus foi ao "Inferno" ou ao lugar de sofrimento do Seol/Hades a fim de receber ainda mais punição por nossos pecados. Essa ideia não tem nenhum respaldo bíblico. Foi a morte de Jesus na Cruz e Seu sofrimento em nosso lugar que, de forma suficiente, promoveram a nossa redenção.

Foi Seu sangue derramado que validou o perdão dos nossos pecados (1 Jo 1:7-9). Quando estava pendurado na Cruz, Ele tomou sobre Si o fardo do pecado de toda a raça humana. Ele se fez pecado por nós: 
"Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Co 5:21). 
O peso do pecado nos ajuda a compreender pelo que passou Cristo no Jardim do Getsêmani em sua luta com o cálice do pecado que sobre Ele seria derramado na cruz.

Conclusão


Na Cruz, Cristo, com grande voz exclamou: 
"Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?"
e foi neste exato momento que foi separado do Pai por causa do pecado da humanidade sobre Ele derramado. Deus não podia e não quebrou seu princípio nem mesmo para poupar Jesus, pois, se tivesse feito isso, o sacrifício dEle não teria sido completo. 

Quando entregou o Seu espírito, disse: 
"Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito". 
O Seu sofrimento em nosso lugar estava completo. Sua alma/espírito foi à parte do Hades correspondente ao Paraíso. Jesus não foi ao Inferno. O sofrimento de Jesus terminou no momento em que morreu. O pagamento pelo pecado estava feito. Ele então aguardou a ressurreição do Seu corpo e o retorno a Sua glória durante a ascensão. 
  • Jesus foi ao Inferno? Não. Jesus foi ao "Seol/Hades"? Sim.

Concluo, portanto, com exaustiva, mas valiosa análise hermenêutica das Escrituras, afirmando que:
  • 1) Não aceito: uma descida literal de Cristo ao Inferno; que o diabo possuía as "chaves" da morte e do inferno, que Jesus as tomou dele; uma segunda chance de salvação aos desobedientes após sua morte.
  • 2) Aceito: que Cristo esteve sempre presente tipologicamente no Antigo Testamento, pregando através dos profetas o Evangelho de Salvação, Rm 4: 3; Gl 16-9, 2Pe 2: 5.
E para mim, essa história está encerrada!

[Fonte - Bibliografia: GEISLER, Normam – HOWE, Thomas, Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e “Contradições” da Bíblia; Revista Fides Reformata, vol. IV, nº 1, 1999; Revista Os Puritanos, nº 1, ano IX, 2001]

Ao eterno Deus, toda glória. 
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E nem 1% religião