Durante alguns meses as salas de cinema estavam praticamente vazias, mesmo com inúmeros lançamentos eram poucos os que realmente atraiam o público, até ser lançado o filme "A Cabana", uma história adaptado de uma obra de William P. Young, lançado em 2007, a escrita foi um verdadeiro sucesso e chegou a vender mais de dez milhões de cópias por todo o mundo. No meio evangélico, então, esse livro foi quase uma "segunda Bíblia". Em poucas horas, os ingressos para o filme haviam sido esgotados, fazia muito tempo que não se via tantas pessoas no saguão do cinema aguardando por um filme.
A história
A maioria conhece, mas vamos a um resuminho da história do livro que foi adaptada para o cinema. Um homem vive atormentado após perder a sua filha mais nova, cujo corpo nunca foi encontrado, mas sinais de que ela teria sido violentada e assassinada são encontrados em uma cabana nas montanhas. Anos depois da tragédia, ele recebe um chamado misterioso para retornar a esse local, onde ele vai receber uma lição de vida.
É comum ao ser humano não assumir seus erros tanto quanto se culpar por atos que lhe fogem o controle. Em "A Cabana", filme de Stuart Hazeldine que adapta a trama do bestseller de P. Young para as telas, aquele último entendimento transcorre em exatidão com o que acontece a Mack Philipps (Sam Worthington). Um pai de família transtornado pela morte da filha mais nova e pela culpa que carrega em relação ao ocorrido. Na trama, Mack é levado a atravessar um caminho longo de auto-conhecimento para perdoar a si mesmo e dar-se a chance de viver em paz.
O processo de amenização das dores desse pai é realizado quando ele recebe um "chamado divino de Deus, Jesus e o Espirito Santo" para visitar a tal cabana secreta que dá título à obra onde o incidente ocorreu. Os três personagens, em sequência, são vividos por Octavia Spencer/Graham Greene, Avraham Aviv Alush e Sumire Matsubara. O filme conta ainda com a participação da brasileira Alice Braga (sobrinha de outra brasileira famosa, Sônia Braga) e do cantor/ator Tim McGraw.
Pode até ter sido sucesso (e foi), mas eu não gostei e pronto
Eu não gostei de "A Cabana". Assisti-lhe por indicação de um amado irmão e discípulo que eu respeito muito, também porque para falar sobre o filme aqui no blog, eu teria que assisti-lo (assisti três vezes para não ser leviano em minha opinião). O livro de William P. Young, sobre o qual já escrevi ➫ aqui, eu li também três vezes.
Entendi a proposta do autor do livro, assim como a do diretor, mas continuei não gostando. Fora os recuos no tempo da narrativa, todo o restante, pra mim, não teve nada de extraordinário. Nenhuma subversão inovadora da gramática cinematográfica, enredo linear e comprometido até o pescoço com a ideologia judaico-cristã, apesar de apresentar evidentes influências espíritas nos elementos de composição narrativa, cujo conflito desfecha-se a partir de uma experiência de quase morte.
Achei que a "presença do Maravilhoso" não sustentou a verossimilhança da mensagem, e o que havia de relevante no filme, sua proposta reflexiva, ficou no nível da fantasia, comprometendo o efeito purgativo e humanizante da obra, a transmissão de um conhecimento verdadeiramente universal e o meu prazer. Ficou igual às pregações atuais do Silas Malafaia, que só agrada aos seus seguidores, porque se universaliza pela negação das particularidades da fé alheia.
Equívocos bíblicos-teológicos
Há uma contradição tremenda, que anula aqueles recursos pretensos de que a Divindade não teria sexo e não se subordinaria aos modelos religiosos de representação do Sagrado no imaginário social: O Deus do filme é o Deus judaico-cristão, e a fé NESSE DEUS é defendida como "conditio sine qua non" (condição sem a qual) não se superam mágoas e culpas, não se consegue perdoar, nem alcançar a paz interior. Então a tentativa de desmitificar a noção ordinária da Divindade foi frustrada pelo comprometimento ideológico.
Antes de se ter em tela esse arco divino, o personagem principal vive os conflitos com a família e vizinhos e grande parte do elenco flutua da forma que a jornada pede. Não há altos e nem baixos, apenas normalidadeZZZzzz. Os problemas da narrativa é que, talvez, se destaquem mais que eles e a direção.
Emoção folhetinesca mexicana
Nos emocionaríamos com mais facilidade se o filme não quisesse o tempo todo nos emocionar. Parece contraditório, mas faz sentido: a trilha incidental e suas melodias chorosas habitam "A Cabana" por praticamente todo o seu tempo de duração e nos distraem, afastando-nos do que está acontecendo na tela e aproximando-nos de uma experiência sensorial fora de contexto – não há uma construção cautelosa do "sentir", há apenas a preguiça dos realizadores e a vontade exacerbada de fazer chorar, recorrendo, para tanto, a velhos truques (quase) infalíveis. Os choros da Maria do Bairro são mais comoventes, na minha opinião.
A música, em "A Cabana", serve para manipular o público e não para enriquecer a narrativa ou transmitir sentimentos. É quase como se a personagem Sarayu estivesse ali, na sessão de cinema, querendo desesperadamente coletar as lágrimas das pessoas enquanto estas assistem ao filme (quem viu ou ver o filme vai entender…). Thalya neles!
Lembrei-me de Pedro Lyra, que em seu livro "Literatura e Ideologia" (editora Vozes, 1979), afirma que uma das finalidades da obra de arte é infundir a ideologia de seu autor. Eu não sei se William P. Young ou se o diretor Stuart Hazeldine (que adaptou o livro para o cinema) são cristãos (tem gente que afirma que sim). Fato é que se ratifica, na apreciação crítica de "A Cabana", a análise de Lyra, segundo a qual a infusão da carga ideológica independe da intenção do artista.
O filme gosta de insistir em respostas, mas trabalha com temas que mais têm a ver com dúvidas do que com qualquer outra coisa. Ao invés de apresentar respostas prontas e frases feitas, que tal ancorar-se nessa dúvida e transformá-la no combustível para personagens fortes e narrativas de densidade minimamente condizente com a temática abordada? Em relação a Deus, sempre foi assim: a dúvida fica, as respostas mudam. Por que não aceitar esse fato?
Mais comercial do que espiritual
"A Cabana" seria mais suportável se, mesmo com os diálogos frouxos e o sentimentalismo barato, a direção do filme trouxesse algo de visualmente interessante para a narrativa. Mas, infelizmente, não é o caso. Com uma mise-en-scène descuidada e calcada em artificialismos, a impressão que fica é a de que Stuart Hazeldine parece não ter tido qualquer envolvimento emocional com o material de origem e contentou-se apenas em "fazer o seu trabalho" – muito mal feito, por sinal.
Reparem na cena em que Mackenzie conta para Missy a lenda da princesa índia. É amadora como um trabalho de estudante de cinema. A câmera não sabe para onde apontar. Os figurantes, ao invés de passarem despercebidos (na maioria dos casos é isso que se espera da figuração) deixam na cara que são figurantes e que estão sendo (mal) orientados para agir como agem. É tudo muito encenado, tudo muito fake.
O público do filme fica restrito àqueles cristãos que têm uma fé piegas que beira a autoajuda. Sabe? Na minha opinião, esse tipo restritivo de arte compositora de um signo univalente é um desserviço à vida social. Sobretudo em tempos de combate à intolerância religiosa.
Conclusão
No mais (e digo isso com toda a sinceridade do mundo, de coração aberto), é realmente uma pena que o filme tenha medo de ousar um pouquinho que seja. E é uma pena que o talento de Octavia Spencer tenha sido desperdiçado numa obra como essa.
O Deus por ela interpretado gosta de Neil Young, está sempre sorrindo e cantando. Por mais que isso tudo soe super cool e ultra simpático, não deixa de ser uma abordagem simplória e sem peso de uma figura tão interessante, tão forte, tão controversa.
Enfim, Deus, por sua grandiosidade, merecia um filme melhor.
- Filme: A Cabana (The Shack, EUA)
- Gênero: Fantasia, drama
- Duração: 2h 13 minutos
- Data de lançamento: 7 de abril de 2017 (Brasil)
- Direção: Stuart Hazeldine
- Música composta por: Aaron Zigman
- Roteiro: John Fusco
- Adaptação de: "A Cabana"
- Classificação: 14 anos
- Elenco: Sam Worthington, Radha Mitchell, Octavia Spencer, Ryan Robbin. Alice Braga
[Fonte: Adoro Cinema, Omelete]
A Deus toda glória.
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Nossa ousado seu post de hoje. Vou até ver mais uma vez( vi só uma) pra ver se vejo assim também.
ResponderExcluirParabéns pelo pelo blog.
Obrigado, Marcelo. Como eu disse, para não ser leviano, precisava ver o filme mais de uma vez. Vendo uma única vez fica difícil fazer uma análise mais apurada. E, mesmo tendo detestado o livro, eu procurei ver o filme "desarmado" (apesar de já saber como poderia ser, enfim...), mas não tenho mesmo como gostar nem de um nem de outro. Ambos, tanto o livro quanto o filme, são horríveis e eu não os recomendo a ninguém.
ResponderExcluirGraça e paz meu amado. Não ví o filme, mas comecei a ler o livro e não gostei, depois por influência de um irmão que disse ter gostado pensei que era eu o chato, como eu tenho o livro comecei a ler de novo, mais confesso, não gostei mesmo e já no finalzinho abandonei-o de novo por também achar que tinha algumas heresias.
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